+18 | Conteúdo Comercial | Aplicam-se termos e condições | Jogue com responsabilidade | Princípios editoriais
Ferguson Man Utd blame GFXGetty/GOAL

Qual é o tamanho da culpa de Sir Alex Ferguson no declínio do Manchester United?

Os torcedores do Manchester United vivem um sentimento confuso. Estão animados para a final da Europa League contra o Tottenham, no dia 21 de maio, mas sabem que o time está em uma situação ruim, dentro e fora de campo — algo destacado nas palavras sinceras de Rúben Amorim após a derrota para o West Ham no domingo (11).

Há 20 anos, o United também enfrentava problemas antes da final da Copa da Inglaterra contra o Arsenal, quando a família Glazer assumiu o clube de forma controversa. Hoje, duas décadas depois, os impactos dessa aquisição ainda são sentidos em Old Trafford.

A situação financeira do United está pior que em 2005. A compra dos Glazers deixou o clube com uma dívida que era de 580 milhões de libras (R$ 4,4 bilhões) e agora passa de 731 milhões de libras (R$ 5,5 bilhões). Essa dívida é responsável por cortes de gastos, como a demissão de mais de 400 funcionários no último ano, e limita o poder do clube para contratar jogadores, além de quase violar as regras financeiras da Premier League.

Os fãs protestam contra a gestão dos Glazers há anos, e a rejeição só aumentou com o desempenho ruim do time desde a aposentadoria de Sir Alex Ferguson, há 12 anos. Embora o time tenha errado em várias escolhas de jogadores, a gestão dos Glazers é o maior motivo da crise.

Uma verdade difícil de aceitar é que o próprio Ferguson teve papel nessa história - desde brigar com antigos acionistas até não agir para impedir a venda. Vinte anos depois, a pergunta é: qual a responsabilidade de Ferguson nesse declínio do Manchester United?

📱Veja a GOAL direto no WhatsApp, de graça! 🟢
  • Alex Ferguson horseGetty

    Tudo começou com um cavalo...

    Gary Lineker fez essa pergunta há dois meses, quando o United foi eliminado da Copa da INglaterra pelo Fulham. Ele comparou a ótima primeira temporada do Liverpool após a saída de Jurgen Klopp com os 12 anos ruins dos Red Devils desde a aposentadoria de Ferguson. Lineker criticou a montagem do time, mas foi criticado por nomes como Rio Ferdinand. Outros apontam que Ferguson errou ao escolher David Moyes como sucessor.

    Mas o papel de Ferguson na chegada dos Glazers, mesmo que não intencional, é ainda mais importante - e problemático. Na época, ele não sabia que suas ações levariam à venda do clube para os americanos, mas acabou provocando tudo por causa de uma briga com os principais acionistas irlandeses, os bilionários das corridas de cavalo JP McManus e John Magnier.

    Ferguson, apaixonado por corridas, fez amizade com eles, que são donos do Coolmore Stud, companhia de criação de cavalos puro-sangue. Ele os convenceu a comprar ações do United na época das vacas gordas e ganhou deles um cavalo valioso, Rock of Gibraltar.

    Mas a amizade acabou quando Ferguson achou que tinha os direitos de reprodução do cavalo, avaliado em milhões. McManus e Magnier discordaram, e ele os processou. O caso foi resolvido fora do tribunal: Ferguson recebeu 2,5 milhões de libras (R$ 18,9 milhões) para abrir mão das reivindicações.

    Em resposta, McManus e Magnier aumentaram suas ações no clube e logo depois venderam tudo para Malcolm Glazer, lucrando 100 milhões de libras. Essa venda mudou para sempre a história do Manchester United.

  • Publicidade
  • Alex Ferguson Avram GlazerGetty

    "Glazers são seu legado"

    Ferguson ignorou os avisos sobre enfrentar o poderoso duo irlandês, mas pode parecer exagero culpá-lo diretamente pela chegada dos Glazers. Ainda assim, muitos torcedores do United que mais se opuseram à aquisição o culpam por não ter tentado impedir a venda. O ativista Andy Walsh chegou a pedir que Ferguson renunciasse para barrar a compra, mas o escocês recusou.

    “Se ele tivesse mostrado ao menos um sinal de que sairia caso a aquisição acontecesse, tudo teria acabado ali”, disse John Paul O’Neill, outro opositor que fundou o clube rebelde FC United of Manchester junto com Walsh, ao The Athletic. “Ele sabe disso, e nós sabemos. Os Glazers são o legado dele.”

    Depois que os Glazers assumiram o controle do clube, Ferguson não fez nenhuma oposição - principalmente porque os americanos o deixaram continuar dirigindo o time do jeito que queria. Em 2012, ele disse: “Estou confortável com a situação dos Glazers. Eles foram ótimos. Sempre me apoiaram quando pedi. Nunca tive problemas com eles. Foram sempre sensatos no financiamento do clube. Eles precisam investir para manter o valor do time.”

  • FBL-ENG-PR-MAN UTD-SWANSEAAFP

    Vencendo com um orçamento reduzido

    Ferguson não foi totalmente sincero ao dizer que os Glazers sempre o apoiaram. Após a aquisição, o orçamento de transferências do United caiu bastante. Nos primeiros dois anos, o técnico fez apenas contratações modestas, como Van der Sar, Park Ji-sung e Michael Carrick. Só em 2007 ele teve um investimento maior, que permitiu trazer Nani, Hargreaves, Anderson e Tevez (por empréstimo) — reforços que ajudaram na conquista da Premier League e da Champions League em 2008.

    Mas, no geral, o clube gastava pouco. Em 2009, por exemplo, vendeu Cristiano Ronaldo por 80 milhões de libras, mas reinvestiu apenas 22 milhões de libras, trazendo Antonio Valencia e Michael Owen (sem custos). Ainda assim, Ferguson manteve o time competitivo: perdeu o título de 2010 por um ponto, mas venceu em 2011 com reforços como Chicharito e Bebé. Em 2013, trouxe Van Persie e tomou o título do City, se aposentando logo depois.

    A ironia é que, com a saída de Ferguson, os Glazers passaram a gastar mais. Van Gaal teve 165 milhões de libras em sua primeira de janela e 135 milhões no segundo verão europeu. Mourinho gastou 320 milhões de libras, incluindo a contratação de Pogba, então o jogador mais caro do mundo. E Ten Hag, mais recentemente, já ultrapassou 600 milhões de libras em investimentos.

  • FBL-ENG-PR-MAN UTD-VAN PERSIEAFP

    Faltava gente para ocupar os lugares certos

    Sem o conhecimento de Ferguson e sem um diretor esportivo competente, o United passou a cometer vários erros. Contratava estrelas em fim de carreira com salários altos e trocava de técnico frequentemente, mudando de estilo a cada escolha. A má gestão após a saída de Ferguson parece não ser culpa dele - ou será que é?

    Ferguson concentrava tudo: contratações, base, comunicação (o United só entrou no Twitter depois que ele saiu). Isso impediu o clube de se modernizar. E, por ele fazer tudo sozinho, os dirigentes passaram a esperar que os treinadores seguintes também fossem capazes disso. O problema é que, enquanto o United seguia no passado, rivais se atualizavam com diretores esportivos e analistas de desempenhos.

    O atraso continuou. O United só contratou um diretor esportivo em 2021: John Murtough, que mostrou ser pouco eficaz. Enquanto isso, o City já tinha Txiki Begiristain desde 2012, e o Liverpool trabalha com essa estrutura desde 2010. Hoje, o United está novamente sem alguém no cargo, após o fracasso da tentativa de trazer Dan Ashworth. O próprio Jim Ratcliffe admitiu: "Ainda estamos no século passado em análise de desempenho aqui."

  • FBL-ENG-PR-MAN UTD-WEST HAMAFP

    Já não é um grande clube.

    É claro que se pode culpar o próprio United por seu declínio. Já se passaram 12 anos desde a saída de Ferguson, e o clube teve tempo suficiente para se modernizar - mas não o fez. Ferguson errou ao indicar David Moyes como sucessor, talvez por ser conterrâneo e ter feito um bom trabalho no Everton. Mas essa foi sua última grande decisão no clube.

    Desde então, ele apenas acompanhava os jogos como embaixador oficial - cargo que foi encerrado recentemente por Jim Ratcliffe, junto com seu salário de 2 milhões de libras (R$ 15,1 milhões). De fora, Ferguson viu o clube que ele levou ao topo mundial se desmanchar.

    Quando Rúben Amorim disse que o United estava deixando de ser um grande clube, já que perder em casa parecia aceitável para os jogadores, era inevitável pensar em Ferguson. Este é o técnico que ficou furioso com o Aberdeen mesmo após vencer a Copa da Escócia, e que dizia ter como maior feito “tirar o Liverpool do pedestal”. Quando ele chegou ao United, o time tinha 8 títulos contra 18 do Liverpool. Quando saiu, eram 20 a 18. Hoje, estão empatados novamente.

  • Wolverhampton Wanderers v Manchester United - Premier LeagueGetty Images Sport

    A conclusão...

    É impossível ignorar o papel de Ferguson na ascensão dos Glazers ao comando do United - e na forma como aceitou esse modelo. Fica a dúvida: até onde o clube poderia ter ido se tivesse reinvestido todo o dinheiro que gerava, em vez de pagar dívidas? Desde 2005, o United gasta cerca de 60 milhões de libras por ano só com juros - o suficiente para contratar dois jogadores do nível de Rooney, por temporada. Os Glazers também retiraram 166 milhões de libras em dividendos, valor que poderia bancar um orçamento inteiro de transferências.

    E os danos vão além do campo. Muitos torcedores antigos deixaram de frequentar Old Trafford, enquanto outros foram afastados pelos aumentos nos preços dos ingressos - tanto os iniciais, impostos pelos Glazers, quanto os mais recentes, para corrigir os erros financeiros acumulados.

    Ainda assim, Ferguson manteve o clube vencedor mesmo com recursos limitados. Depois de sua saída, os técnicos que vieram tiveram orçamentos bem maiores, mas nenhum conseguiu conquistar a Premier League ou avançar na Champions League. Uma cultura de mediocridade se instalou e minou o espírito vitorioso que ele construiu.

    Desde então, o United gastou bilhões e testou todos os tipos de treinadores - quase todos bem-sucedidos antes de chegarem. Mas nenhum conseguiu se aproximar do que Ferguson representou. E isso, definitivamente, não é culpa do escocês que transformou o Manchester United em um gigante global.