O escândalo financeiro da Juventus explicado em detalhes

A chave para entender todo esse assunto é a palavra “plusvalenza”, ou ganhos de capital, que é basicamente o lucro obtido em uma transferência.

Digamos, por exemplo, que a Juventus contrate um jogador por 100 milhões de euros em um contrato de cinco anos. Eles amortizariam o custo dos direitos de registro do jogador ao longo de seu contrato, provavelmente distribuindo os pagamentos igualmente ao longo de cinco anos. Em suma, o valor amortizado do jogador seria de 20 milhões de euros por ano (100 milhões divididos por cinco).

Portanto, se a Juve vendesse aquele jogador após três anos por 60 milhões de euros, eles teriam um ganho de capital de 20 milhões em seu balanço financeiro (60 milhões menos os 40 milhões restantes em valor amortizado).

Porque contam diretamente para os lucros anuais de um clube, e isto é mais importante do que nunca devido à introdução dos regulamentos do Fair Play Financeiro da UEFA há mais de uma década.

Como todos sabem, os balanços dos clubes estão sob intenso escrutínio atualmente e, aqueles que violam as regras, podem enfrentar punições severas. A pressão, portanto, recai sobre os clubes, que precisam equilibrar suas contas anualmente.

Alguns clubes inflam o valor dos ativos para parecer que tiveram lucro em certas transferências. Isso geralmente é feito na venda de jogadores jovens. Os jogadores da base geralmente chegam de graça, ou seja, se forem vendidos, a taxa é puro lucro.

Como o preço de jogadores desconhecidos da base pode ser exagerado, é difícil julgar seu verdadeiro valor. Consequentemente, os clubes poderiam inserir jogadores em acordos de troca ou transferências, mais um valor em dinheiro para ajudar a equilibrar as contas.

No verão de 2020, Arthur Melo trocou o Barcelona pela Juventus, enquanto Miralem Pjanic foi na direção oposta. Oficialmente, esses dois negócios não estavam conectados e não foram anunciados como parte da mesma transferência.

O Barcelona afirmou que a Juve concordou em pagar 72 milhões de euros por Arthur, enquanto Pjanic foi adquirido por 60 milhões de euros. Ambos os clubes estavam, portanto, em posição de registrar um ganho de capital com o jogador que estava saindo, enquanto a Juve só teve que pagar 12 milhões em dinheiro.

Foi um acordo que agradou a ambas as partes, mas especialmente ao Barça, que estava sem dinheiro. Mas essa troca era mais sobre finanças do que futebol.

Nenhum dos jogadores parecia valer a pena, especialmente no clima econômico da época, afetado pelo Covid-19, mas isso foi considerado sem importância. Não houve ameaça de investigação, muito menos de punição. Até agora...

Essencialmente, quatro órgãos italianos separados têm examinado transferências envolvendo a Juventus e outros clubes nos últimos dois anos, incluindo a troca entre Pjanic e Arthur, bem como uma operação semelhante em 2019, na qual Danilo (37 milhões de euros) foi a Torino e João Cancelo (65 milhões de euros) foi para o Manchester City.

Em 2021, a COVISOC, a comissão supervisora ​​da Série A, começou a investigar "dezenas" de negócios envolvendo avaliações de jogadores e entrou em contato com a Federação Italiana de Futebol, sinalizando 62 transferências potencialmente inflacionadas, relacionadas às temporadas 2018/19, 2019/20 e 2020/21 – destas, 42 envolviam a Juve. A COVISOC também compartilhou suas descobertas com o Ministério Público de Turim, que abriu uma investigação criminal em maio de 2021, chamada 'Prisma'.

O CONSOB, regulador financeiro responsável por monitorar as transações dos clubes cotados na bolsa (como a Juventus), também entrou na briga e isso foi extremamente relevante, porque a bolsa de valores está sob a alçada da polícia financeira da Itália, Guardia di Finanzia.

E foram eles que chegaram aos escritórios da Juve em novembro de 2021 e apreenderam os documentos relacionados às transferências em questão, avaliadas em 282 milhões de euros em capital de ganhos, segundo a Sky Sport Itália e a ANSA.

Em abril do ano passado, foi anunciado que as acusações haviam sido retiradas contra a Juventus e outros 10 clubes, incluindo outros quatro membros da Serie A: Napoli, Sampdoria, Genoa e Empoli.

O promotor da FIGC exigia proibições para o presidente da Juventus, Andrea Agnelli, e seu colega do Napoli, Aurelio De Laurentiis. No entanto, todo o caso da FIGC contra um total de 11 clubes e 59 executivos desmoronou devido à dificuldade envolvida em estabelecer o verdadeiro valor de um jogador de futebol.

Mesmo que o caso de ganhos de capital tenha sido efetivamente encerrado no ano passado, a Juve permaneceu sob investigação do CONSOB por suposta contabilidade falsa e manipulação de mercado.

O Ministério Público de Turim também investigava o pagamento de salários adiados durante a pandemia, sob a alegação de que os salários continuavam sendo pagos por meio de uma série de acordos privados.

Em maio e junho de 2020, 23 jogadores assinaram acordos que teriam seus respectivos salários reduzidos em uma tentativa de cortar custos durante um período de teste financeiro para clubes de todo o mundo, com jogos disputados em estádios vazios.

A acusação, portanto, é que os jogadores foram pagos para permitir que ambos os lados evitassem impostos, enquanto as declarações teriam sido falsificadas para fazer com que as contas estivessem equilibradas.

O Ministério Público de Turim anunciou a conclusão do 'Prisma' em outubro e, em 28 de novembro, todo o conselho de administração renunciou antes de uma assembleia geral extraordinária.

Porque novas evidências vieram à tona por causa da investigação do Prisma. Segundo relatos, isso inclui o 'livro negro' de Fabio Paratici, que supostamente contém todos os números reais envolvidos nas transações de transferência no centro do caso.

Os investigadores efetivamente desenterraram admissões de culpa por meio de escutas telefônicas envolvendo vários diretores da Juventus, incluindo Agnelli e Maurizio Arrivabene. Consequentemente, o promotor da FIGC, Giuseppe Chine, recorreu da decisão anterior e o caso da FIGC foi reaberto em dezembro.

Desta vez, apenas nove dos 11 clubes originais foram implicados, mas a Juve continuou sendo o foco da investigação.

Os seguintes ex-diretores ou atuais diretores da Juventus foram proibidos de ocupar cargos:

- Fábio Paratici: 30 meses

- Maurizio Arrivabene: 24 meses

- Andrea Agnelli: 24 meses

- Federico Cherubini: 16 meses

- Pavel Nedved: 8 meses

- Enrico Vellano: 8 meses

- Paolo Garimberti 8 meses

- Assia Grazioli-Venier: 8 meses

- Caitlin Mary Hughes: 8 meses

- Danila Marilungo: 8 meses

- Francesco Roncaglio: 8 meses

A punição de Fabio Paratici é sem dúvida a mais discutível, já que ele trabalha como diretor administrativo de futebol do Tottenham desde que se separou da Juventus em 2021. Atualmente, ele só está proibido de trabalhar no futebol italiano, mas a FIGC pediu à UEFA e à FIFA para apoiar suas decisões.

A Juve aguarda a publicação dos motivos das sanções, que serão divulgados nos próximos 30 dias. No entanto, o clube já confirmou a intenção de lançar um recurso ao Collegio di Garanzia do CONI (Comitê Olímpico Italiano), a mais alta corte esportiva do país.

Os advogados da Juve alegaram que as sanções "constituem uma clara disparidade de tratamento contra a Juventus e seus dirigentes em comparação com qualquer outra empresa ou membro".

A coletiva de imprensa de Allegri antes do confronto de domingo contra o Atalanta foi dominada por perguntas sobre a dedução de 15 pontos.

“Amanhã é um jogo importante, é um jogo especial depois do que aconteceu ontem”, admitiu.

"Todos nós temos que nos unir ainda mais, continuar trabalhando com discrição e pensar apenas no que acontece em campo. Essas questões judiciais dizem respeito ao clube e haverá recurso”, completou.

Leonardo Bonucci declarou no Instagram: “A Juventus é como um dragão de sete cabeças: corte uma e sempre surgirá outra. Ela nunca desiste. Sua força está em seu ambiente.”

Curiosamente, Dusan Vlahovic, que foi um dos primeiros a ser vinculado a uma transferência, manteve um tom igualmente desafiador.

“Não temos medo de perder alguns pontos”, postou o atacante sérvio nas redes sociais. “Não temos medo de arregaçar as mangas. Não temos medo dos nossos adversários. Não devemos ter medo de nada.”

Como mencionado, a explicação da FIGC sobre a severidade das sanções ainda é esperada, antes que a Juve recorra.

Vale a pena esclarecer, porém, que o Collegio di Garanzia não pode realmente anular a dedução de 15 pontos ou qualquer uma das proibições. Só pode, se assim o entender, reenviar o processo para revisão em caso de violação processual ou legal.

Há também grande possibilidade de que as coisas possam ficar ainda piores para a Juve e para aqueles que estão no centro do escândalo.

As alegações mais graves de irregularidades ainda estão relacionadas ao processo criminal Prisma, de 544 páginas, investigado pelo Ministério Público de Turim, que se concentra em supostas violações da "lealdade da competição esportiva" e na falsa contabilidade em termos de salários.

Se a Juve for considerada culpada, pode ficar em maus lençóis com a UEFA, colocando o clube em risco de suspensão europeia.

Também existe o risco de que isso realmente exploda e outros clubes sejam arrastados para o caso em breve, já que a Juve fez tantos acordos com tantas partes diferentes nos últimos anos.