+18 | Conteúdo Comercial | Aplicam-se termos e condições | Jogue com responsabilidade | Princípios editoriais
GFX Franz Beckenbauer

Franz Beckenbauer foi uma sorte e privilégio para Bayern, Alemanha e para todo o futebol

A Segunda Guerra Mundial tinha acabado apenas há alguns dias, a Europa estava em ruínas e a Alemanha era uma terra arrasada. Com tantos problemas e traumas a serem resolvidos, é compreensível que ninguém soubesse que, ainda naquele ano de 1945, nascia na Bavária aquele que estava destinado a se tornar o maior jogador de futebol da história do país.

Franz Beckenbauer foi um garoto humilde em sua infância, algo comum naqueles tempos de pós-guerra. O encanto pela bola aumentou principalmente após a Alemanha conquistar o título mundial de 1954, no chamado “Milagre de Berna”. Ninguém acreditava que a Nationalelf conseguiria triunfar diante da Hungria de Puskas e companhia. Com o ouvido colado no rádio, o jovem Franz comemorou o feito que deu um sopro de felicidade e orgulho ao país. O primeiro grande motivo de alegria aos alemães após o maior conflito bélico da história, e tudo graças ao futebol: o mesmo esporte com o qual aquele jovem bávaro viria a distribuir alegrias como dava passes certos. Desarmando a tristeza e partindo para o ataque.

O fã número 1 daquele atacante era o seu avô, que lhe dava dinheiro a cada gol marcado e não demorou a perceber que teria de parar com a prática antes que ficasse com dificuldades financeiras. Naquele momento, o dinheiro não importava tanto. Ele teria bastante anos depois e seu avô estava livre para gastar seus trocados com cerveja.

  • Quer saber, pelo WhatsApp, quem seu time está contratando? Siga aqui o canal da GOAL sobre mercado da bola!
  • Beckenbauer, BayernDivulgação/Bayern

    1860 e Bayern: o destino usou Beckenbauer para mudar tudo

    Com oito anos, Franz começou a jogar no SC Munique 1906. O campo de treinamento era bem perto de casa e Beckenbauer era o principal jogador. No entanto, quando estava entrando na adolescência, o clube resolveu encerrar as atividades da categoria de base. O que seria de seu futuro? Jogar pelo Munique 1860 era o sonho, afinal de contas tratava-se do seu time de coração. Mas o destino tinha planos diferentes naquelas últimas partidas pelo 1906.

    “Por coincidência um dos últimos jogos com o 1906 foi contra o 1860. Meu marcador era muito mais físico e, durante o jogo, ele me deu um soco. Depois do jogo eu disse para os meus companheiros de time: ‘vocês todos podem ir para o 1860. Eu vou para o Bayern’. Meus companheiros de time vieram comigo para o Bayern”.

    Sorte daquele clube, que dentro do que era possível e prudente defendeu judeus nos tempos de Hitler. O Bayern não estava acostumado a conquistar muitos títulos nacionais. Era fácil contar os dois troféus: um Campeonato Alemão em 1931/32 e a Copa da Alemanha de 1956/57. Com a camisa vermelha, Franz ascendeu rápido para o time profissional. O treinador iugoslavo Zlatko “Cik” Cajkovski ficara impressionado com a habilidade e inteligência daquele jogador. A relação entre os dois era boa: “Ele foi como um pai para mim. Ele apenas deixava a gente jogar, como alguém deixa seus filhos brincarem”, lembra Franz.

  • Publicidade
  • Franz Beckenbauer 1966Archivo

    Da segunda divisão para a Copa do Mundo

    Em 1964, fez sua estreia no time principal jogando na esquerda. Talvez Franz conseguisse ter destaque até como goleiro, mas centralizado era como se podia obter o máximo dele. Naquela temporada de 1964/65, ao lado de outros jovens como Gerd Müller e Sepp Maier, levou o Bayern para a primeira divisão alemã. No primeiro ano de participação na recém-criada Bundesliga, o time vermelho foi muito bem e terminou em terceiro - atrás de Dortmund e Munique 1860.

    A Bavária ficou em festa, já que o Bayern conquistou a Copa da Alemanha e o 1860 havia levantado a Salva de Prata (como é chamado o troféu da Bundesliga). Na decisão contra o Duisburg, Beckenbauer se recuperou após ter falhado no gol da equipe adversária e fechou o placar de 4 a 2 para o seu time. As boas atuações chamaram a atenção do técnico da seleção nacional, Helmut Schön, que não ligou para as críticas ao convocar aquele meio-campista que mal havia entrado em seus 20 e poucos anos. Franz deixou boa impressão e acabou sendo chamado para a Copa do Mundo de 1966.

    Aquele Mundial foi a anunciação global de que o futebol contava com um novo grande jogador. Na estreia contra a Suíça, o camisa 4 marcou duas vezes na goleada por 5 a 0. A Nationalelf foi vencendo todos os adversários no caminho rumo à final, enquanto Franz mostrava um desempenho espetacular: defendia tão bem quanto atacava. E no ataque, ainda tinha faro de gols! Marcou contra o Uruguai, nas quartas, e fez um golaço contra a URSS na semifinal. Na decisão, atuação de gala marcando Bobby Charlton, grande articulador da seleção inglesa. De forma polêmica, já na prorrogação, a Inglaterra seria campeã.

    “Foi uma missão bem difícil, essa que pediram para mim, e eu não consegui completá-la 100%. A parte em que tive sucesso foi que Bobby Charlton não marcou um gol”, lembra Beckenbauer, que antes daquela decisão já era considerado o jogador mais perigoso da Alemanha – apesar de atuar na defesa. Tanto é que Charlton também recebeu instruções para marcá-lo. Herói do título inglês, o atacante Geoff Hurst resumiu anos depois como foi o duelo Beckenbauer vs Charlton: “O que vimos, particularmente, naquela final foram dois dos maiores jogadores que já vimos se marcando”.

  • Franz BeckenbauerGetty Images

    Nasce o Kaiser e o Bayern enfim vira um gigante

    Quando voltou para casa, Beckenbauer já era uma grande estrela. Assim como acontece nos dias atuais, com os grandes astros da bola, o jogador do Bayern estrelou até comerciais de TV. Uma aura mítica parecia estar se formando em torno daquele craque, que recebeu da imprensa alemã o apelido que sintetizaria toda a sua classe, liderança e nobreza dentro dos gramados. Em 1968, antes de um amistoso que seria realizado na Áustria, Beckenbauer tirou uma foto ao lado do busto do famoso imperador Franz Joseph I. As manchetes anunciaram: “O Kaiser do futebol”.

    No caminho até a Copa do Mundo de 1970, Beckenbauer conquistou mais títulos pelo Bayern: a Recopa Europeia – primeiro troféu continental do clube – veio em 1966/67; em 67/68, mais uma Copa da Alemanha e, na temporada seguinte, a dobradinha histórica: Copa da Alemanha e Bundesliga. Os vermelhos de Munique começariam ali a dominar o futebol local.

  • ENJOYED THIS STORY?

    Add GOAL.com as a preferred source on Google to see more of our reporting

  • FRANZ BECKENBAUERImago Images

    A fundação do líbero

    Para o Mundial que seria realizado no México, Beckenbauer já chegava como um craque completo. Estava acostumado com a faixa de capitão no Bayern e aperfeiçoou, do ponto de vista tático, ainda mais o seu futebol: nascia ali o líbero. Franz saía desde a defesa e cortava o campo, pelo meio, até chegar ao ataque para municiar Gerd Müller e Rummenigge; ou para tabelar e receber na cara do gol. Outra grande opção era arrematar de fora da área. Foi assim que, ainda usando a camisa 4, o líder bávaro fez o seu gol nas quartas de final, na vingança contra a Inglaterra. Os campeões de 1966 abriram 2 a 0, e o tento de Beckenbauer manteve a Nationalelf no jogo. Uwe Seeler e Gerd Müller viraram para a Alemanha, que se classificava com o 3 a 2 para a semifinal contra a Itália.

    E aí entra um capítulo épico da história de Franz Beckenbauer, que mostra muito de seu caráter dentro das quatro linhas. No que foi considerado a melhor partida da história das Copas, o defensor deslocou o ombro e seguiu no gramado com o braço todo enfaixado. Os italianos venceram na prorrogação, por 4 a 3, mas seriam atropelados por Pelé e companhia na final. Um ditado popular bastante conhecido, que deve ter versões nos mais variados idiomas, diz que os vencedores nascem a partir das derrotas. E ele se encaixa perfeitamente no que aconteceu com o futebol alemão após o Mundial do México.

  • Beckenbauer(C)Getty Images

    Conquistando o mundo

    No ano seguinte, enfim, a vitória que recolocou a seleção alemã finalmente no primeiro lugar. Há quem diga que a Eurocopa de 1972, realizada na Bélgica, foi o ponto alto da Nationaleff, considerando a beleza do jogo. Na semifinal, o time comandado por Helmut Schön bateu os donos da casa em uma partida sem muito brilho. Mas na grande decisão, os alemães atropelaram a União Soviética: 3 a 0. A imprensa europeia ficou encantada. Jornais belgas chegaram até mesmo a comparar os novos campeões europeus com o Wunderteam, em alusão à Áustria que chegou na quarta posição no Mundial de 1934.

    Glorificado pela seleção, chegava o momento de levar o Bayern a um patamar inédito. A equipe bávara foi campeã europeia por três anos seguidos. Enquanto isso, a Alemanha voltou a mostrar o seu domínio como equipe nacional. E desta vez foi em casa. A Copa do Mundo de 1974 apresentou uma seleção espetacular: a Holanda de Johan Cruyff. Os alemães já conheciam muitos daqueles jogadores, que haviam enfrentado nas partidas contra o Ajax. Mas a decisão de Munique tinha outro charme: parecia uma volta a 1954.

    E assim como aconteceu duas décadas antes, a Alemanha voltou a superar o time que mais encantou os espectadores. Naquele torneio, Beckenbauer foi o craque de sua equipe e mostrou liderança entre os jogadores. O time estava em crise com a federação local e não demorou para acontecerem pequenos entraves com o treinador Helmut Schön. Franz, que já usava a camisa 5, resolveu tudo. Na decisão contra os Laranjas, ficou encarregado de organizar o time de trás, bem ao seu estilo. Resultado? Alemanha 2 a 1 e a Copa do Mundo nas mãos do capitão Beckenbauer.

  • Beckenbauer Cosmos New YorkGetty Images

    Estrela nos EUA ao lado de Pelé

    Dois anos depois, Beckenbauer ainda ficou muito perto de levantar outra Eurocopa para o seu país, mas a Alemanha perdeu a decisão de 1976 para a Tchecoslováquia, nos pênaltis. Foi o último grande torneio que Franz disputou pela Nationalelf. Em 1977, o Kaiser se despediu das partidas de seleções. No mesmo ano, achou que já tinha dado ao Bayern tudo o que podia como jogador e foi se aventurar no futebol estadunidense. Em Nova York, o Kaiser jogou ao lado de um de seus ídolos: Pelé.

    Nos Estados Unidos, Beckenbauer conseguia andar na rua como se fosse apenas mais um na multidão. Os norte-americanos não estavam interessados no futebol. Mas isso mudou com o esquadrão montado pela Warner Bros. Na ‘Terra do Tio Sam’, o Kaiser foi campeão estadunidense três vezes. Em 1980, retornou para o futebol alemão, mas o destino surpreendeu. A escolha não foi o Bayern e sim o Hamburgo. E com a camisa do HSV ele entrou para a história ao participar da conquista do Campeonato Alemão de 1980/81. Foi a última vez que o Kaiser levantou a Salva de Prata.

    Beckenbauer voltou para o Cosmos para pendurar as chuteiras, o que aconteceu em 1983. Ao lado de Pelé, Kaiser e Rei plantaram as sementes que tiraram o ‘soccer’ do anonimato nos Estados Unidos. Prova disso é que uma das poucas crianças que foram ao aeroporto receber o craque alemão, quando este chegou para assinar com o Cosmos na década de 1970, foi Michael Windischmann. Anos depois, o zagueiro Michael virou atleta profissional e capitaneou os norte-americanos na Copa do Mundo de 1990.

  • Franz Beckenbauer Pierre Littbarski Lothar Matthäus Germany 09071990Getty

    Como treinador, também um imortal

    E aquele Mundial de 1990, disputado na Itália, consagrou Beckenbauer por outro motivo. Após terminar sua carreira como jogador, em 1983, o Kaiser foi chamado para assumir o comando da seleção alemã e após um vice-campeonato em 1986 o ponto alto chegou quatro anos depois.

    Em 1990, Beckenbauer voltou a encontrar os argentinos na decisão. E desta vez triunfou. Brehme marcou o único gol da final, aos 85 minutos, em pênalti polêmico dado pelo árbitro Edgardo Codesal. Da mesma maneira como havia acontecido em seus tempos de jogador, o Kaiser conheceu a derrota antes de receber os louros da vitória. Não há dúvidas de que caminhava sempre ao lado dos triunfos.

    A carreira como técnico seguiu em frente. Logo após a Copa do Mundo Franz foi contratado pelo Olympique de Marseille. O presidente do clube francês, Bernard Tapie, havia comprado a famosa ‘empresa das três listras’, que tinha estreitas relações com o Bayern de Munique, seleção alemã e, claro, Franz Beckenbauer. O ídolo bávaro passou apenas alguns meses na área técnica e depois exerceu um papel mais administrativo, enquanto também prestava serviço de consultoria para a federação estadunidense.

  • Franz Beckenbauerbundesliga.com

    Os últimos anos

    Se na década de 1980 Beckenbauer fez gradativamente a transição atleta-treinador, nos outros dez anos o caminho foi treinador-dirigente. O Kaiser comandou, à beira do campo, o Bayern em 1993/94 e, depois, em um curto período de 1996. O suficiente para adicionar mais duas valiosas pratarias às prateleiras do gigante: a Taça da Uefa de 1995/96 e o Campeonato Alemão 1993/94. Foi presidente do Bayern, e depois da Federação Alemã. No final da década de 1990, usou seus contatos entre os dirigentes da Fifa para levar a Copa do Mundo de 2006 para o seu país. Conseguiu.

    Foi presidente de honra do Bayern de Munique e sempre deu suas opiniões sobre o que acontecia dentro dos gramados. Fez críticas e elogia, principalmente, o seu querido clube e a seleção nacional. Mas também está sujeito aos contra-ataques da vida como pessoa pública. A estreita relação que possuía com os dirigentes do alto escalão da Fifa, conhecidos pelas diversas práticas de corrupção, fez com que Beckenbauer precisasse explicar algumas coisas para a Justiça. Mas dentro de campo, com uma bola aos pés ou uma prancheta na mão, será sempre o inquestionável Kaiser do futebol.

    Eterno.

    Franz Beckenbauer (11/09/1945 – 08/01/2024)

    Este texto é um dos capítulos do livro “Os 50 Maiores Defensores da História do Futebol”, escrito por Tauan Ambrosio e Anderson Moura (e utilizado aqui com a anuência dos autores).

0