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Paternity leave GFXGetty/GOAL

Como o futebol está atrás em relação ao resto da sociedade na questão da licença paternidade

Quando Erling Haaland marcou contra o Leicester no ano passado, encerrando uma sequência de quatro jogos sem gols, Pep Guardiola explicou a fase irregular do atacante, compartilhando novidades sobre sua vida pessoal.

"Ele está cansado, jogou muito tempo. Recentemente, se tornou pai pela primeira vez", disse o técnico do Manchester City. "São muitos momentos emocionantes para ele."

Quem já teve filhos entende como os dias após o nascimento podem ser intensos. A declaração de Guardiola ajudou a colocar a fase ruim de Haaland em perspectiva, mas também levantou uma questão: será que ele deveria ter jogado tão logo após um evento tão importante?

No Reino Unido, todo pai tem direito a pelo menos duas semanas de licença paternidade, mas no futebol, raramente se tira esse tempo. Na verdade, quem pede mais tempo para cuidar da família muitas vezes acaba sendo criticado.

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  • Jack Grealish EnglandGetty

    "É algo importante para eles"

    Haaland não é o único jogador a seguir jogando logo após o nascimento de um filho. Seu companheiro de equipe, Phil Foden, deixou a concentração da Inglaterra para a Euro 2024, no dia 26 de junho, para acompanhar a chegada de seu terceiro filho. Foden voltou no dia seguinte e jogou nas oitavas de final contra a Eslováquia, dia 30 de junho.

    Jack Grealish teve sua filha no dia 27 de setembro e foi escalado no time titular no dia seguinte para enfrentar o Newcastle. Apesar da mudança pessoal, Grealish contribuiu no gol de Josko Gvardiol no empate 1 a 1.

    "Não consigo imaginar uma experiência mais marcante para os homens do que se tornar pai, especialmente pela primeira vez", disse Jeremy Davies, do Instituto de Paternidade, à GOAL. "É algo importante para eles, mas também para a parceira, que passou por um processo difícil e arriscado."

    A Associação de Jogadores de Futebol Profissional afirmou que a decisão de tirar licença paternidade varia conforme as circunstâncias, mas os jogadores têm o direito legal de pedir licença remunerada.

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  • Dan James LeedsGetty

    Uma "decisão louca" e um helicóptero

    A realidade é bem diferente, com jogadores indo dos hospitais para os estádios, tentando equilibrar a euforia de ter ser pai com a responsabilidade de jogar. No ano passado, a esposa de Sammie Szmodics entrou em trabalho de parto às 2h da manhã e deu à luz às 11h15. Mas, às 15h, ele já estava em campo pelo Blackburn contra o Norwich. "Dormir só três horas foi difícil, mas o bebê nasceu bem. Depois, as emoções estavam à flor da pele", disse o agora atacante do Ipswich Town.

    "Durante o trajeto para o jogo, liguei para meu agente, que riu da situação. Olhando agora, foi uma decisão louca. Nos primeiros minutos, estava correndo no impulso da adrenalina, porque estava exausto."

    Um caso ainda mais impressionante foi o de Daniel James, ala do Leeds United, que, em 2021, foi levado de helicóptero de um hospital em Manchester para Craven Cottage, poucas horas após o nascimento de seu filho, para jogar contra o Fulham.

    Jeremy Davies entende a decisão dos jogadores, mas acredita que deveriam ser incentivados a tirar licença mais tarde. "Se houver um jogo importante, tire a licença depois. Você tem até 56 dias após o nascimento para isso. O clube, a mãe e o pai devem decidir juntos."

  • Andy ColeGetty Images Sport

    A raiva de Foster, o tormento de Cole

    A triste realidade é que, hoje em dia, a simples possibilidade de um jogador estar presente no nascimento de seu filho já é uma vitória, considerando o histórico anterior. Em 1989, o técnico Trevor Francis multou Martin Allen em duas semanas de salário por perder um jogo para ir ao hospital assistir ao parto. Em 2011, Ben Foster perdeu o nascimento de seu segundo filho ao tentar voltar de um treino com a seleção inglesa. O treinador Fábio Capello permitiu que ele faltasse com relutância, mas exigiu que voltasse para jogar no dia seguinte, e Foster não foi escalado. Isso fez com que ele se afastasse da seleção por dois anos. Mais tarde, ele disse: "Jogar pela Inglaterra foi o momento de maior orgulho para mim. Mas Capello estragou isso."

    Em 1995, Andy Cole enfrentou um dilema semelhante. Sua parceira estava entrando em trabalho de parto, mas ele decidiu jogar pelo Manchester United contra o Southampton após conversar com Sir Alex Ferguson. Ele soube do nascimento do filho aos 15 minutos e marcou um gol. No documentário '99', Cole disse: "Estávamos tentando ganhar a Premier League. O treinador me ligou e perguntou o que eu estava pensando. Eu tinha 25 anos, estava no United há pouco tempo, como eu diria 'não'? Minha parceira não entendeu. Eu estava tentando gerenciar tudo, mas foi um tormento."

  • Roy Keane IrelandGetty

    Keane: "Ele não teve o bebê, teve?"

    Phil Neville conseguiu assistir ao nascimento de seus dois filhos, mas sua esposa, Julie, revelou que ele a deixou sangrando na sala de parto para ir treinar. "Lembro deles (a equipe do hospital) dizendo: 'Onde está Philip? Alguém ligue para ele agora, ele precisa vir'. Ele admite que essa foi a única vez em que o futebol talvez não devesse ter vindo primeiro", contou ao Manchester Evening News.

    Não surpreende que esses episódios tenham ocorrido sob o comando de Alex Ferguson. No documentário Never Give In (2021), ele admitiu que sua esposa, Cathy, praticamente criou seus três filhos sozinha, pois ele estava totalmente focado na carreira. O ex-capitão do United, Roy Keane, mostrou a mesma postura em 2015, quando era auxiliar da seleção irlandesa. Ao ser questionado se Robbie Keane jogaria contra a Alemanha logo após o nascimento do filho, respondeu, sem ironia: "Sim, ele não teve o bebê, teve? A menos que esteja amamentando, ele deveria estar bem."

    Fora da Inglaterra, as coisas não são tão diferentes. Rafa Benítez ficou furioso quando Xabi Alonso perdeu um jogo da Liga dos Campeões em 2009 para acompanhar o nascimento do filho. Alonso deixou o Liverpool no fim daquela temporada para jogar no Real Madrid.

  • David Silva Man CityGetty

    David Silva "eternamente em dívida com Guardiola"

    No ano passado, Alexander Sorloth, do Villarreal, optou por jogar contra o Almería em vez de acompanhar o nascimento do filho. O clube e o técnico o liberaram, mas ele preferiu estar em campo. No último minuto, marcou um gol e celebrou embalando os braços. As redes sociais do clube chamaram de "grande história", mas torcedores criticaram: "Nenhum gol compensa o que ele perdeu", disse um. "Se eu fosse a esposa dele, ele ia dormir na casinha do cachorro", comentou outro. A decisão foi ainda mais questionada porque o jogo não era decisivo. Sorloth pode ter priorizado a briga pelo Troféu Pichichi, concedido ao artilheiro da competição – no fim, ficou um gol atrás de Artem Dovbyk, do Girona.

    Alguns treinadores pensam diferente. Na Copa de 2018, Gareth Southgate liberou Fabian Delph para ver o nascimento do filho. "A Copa é única, mas o nascimento de um filho também", justificou.

    Pep Guardiola teve a mesma postura com David Silva, cujo filho nasceu prematuro em 2017 e ficou meses no hospital. O técnico deu ao meia uma licença estendida. "Ele disse: 'Cuide da sua família, futebol vem depois'", lembrou Silva, que se disse "eternamente em dívida" com Guardiola. O City se uniu ao jogador e, inspirado por ele e pelo filho, fez uma campanha histórica na Premier League.

  • Anthony Martial Jose MourinhoGetty

    Mourinho expõe Martial

    O nascimento de um filho é um momento transformador, mas também desafiador. No Reino Unido, mais de 10% das mães sofrem de depressão pós-parto, e novos pais também enfrentam ansiedade. Nessas horas, dinheiro não substitui a presença e o apoio à parceira, algo que nem sempre é prioridade no futebol.

    Que o diga Anthony Martial. Em 2018, ele foi multado em 180 mil libras (R$ 1,1 milhão) pelo Manchester United por não se juntar imediatamente à pré-temporada nos EUA após o nascimento do filho. José Mourinho não demonstrou empatia: "O bebê nasceu, lindo e saudável. Agora ele deveria estar aqui, mas não está", disse o técnico.

    O atacante rebateu: "Minha família sempre virá em primeiro lugar. Minha esposa teve complicações, mas está melhor. Volto amanhã para Manchester."

    A punição revoltou especialistas, como Davies, que chamou a atitude de "indignante". "Um clube de alto nível deveria apoiar seus jogadores a equilibrar futebol e paternidade. Caso contrário, mostram que não se importam com a saúde mental e a vida familiar deles", criticou.

  • Alejandro Garnacho Man Utd 2024-25Getty

    "Você precisa se importar com seus jogadores"

    O futebol demorou para avançar em direitos parentais. A licença-maternidade remunerada para jogadoras só foi implementada pela FIFA em 2021. No ano passado, as regras foram ampliadas, garantindo oito semanas de afastamento pago para treinadoras, mães não biológicas e adotantes, após anos de pressão da FIFPRO, sindicato global dos jogadores.

    A advogada da FIFPRO, Alexandra Gomez Bruinewoud, elogiou as mudanças, mas cobrou que o futebol masculino siga o exemplo. "Jogadores também têm direito à licença-paternidade. Não há justificativa para excluí-los dessas proteções. Isso precisa mudar urgentemente."

    No entanto, a resistência no futebol masculino ainda é grande. Davies defende uma mudança cultural: "O esporte reforça uma visão antiga de masculinidade, onde ser heróico não combina com cuidar de bebês. Mas hoje entendemos que masculinidade também envolve cuidado e equilíbrio. Precisamos parar de tratar esses jogadores como gladiadores do Império Romano."