Como a família Glazer colocou o Manchester United em uma enorme decadência

No mesmo dia em que o United foi derrotado pelo Liverpool por 2 a 0 na final da Copa da Liga Inglesa, em Cardiff, Malcolm Glazer, um empresário da Flórida e que também é dono do Tampa Bay Buccaneers, franquia da NFL, gastou 9 milhões de libras para comprar 2,9% das ações do Manchester United. A aquisição foi feita através de Red Football, sua empresa holding. No final de novembro daquele ano, sua família já detinha 15% do clube.

Em 12 de maio, Glazer já possuía quase 57% das ações totais do clube, antes pertencentes a J. P. McManus e John Magnier, antigos acionistas majoritários. Os irlandeses, competidores de corridas de cavalos, eram totalmente aliados a Sir Alex Ferguson, mas se desentenderam com o escocês por conta de um cavalo (!).

Quatro dias depois, a Red Football aumenta sua posse para 75% do United e consegue retirar a empresa da Bolsa de Valores de Londres. Um grande número de torcedores eram contra a venda do clube à família já naquela época e foram à final da FA Cup daquele ano vestidos de preto, em ‘luto’. Os Red Devils foram derrotados nos pênaltis.

O processo de compra foi completado em 29 de junho, com a Red Football chegando a 98% de todas as ações. O clube, contudo, entra em dívidas pela primeira vez em mais de 70 anos, devendo 660 milhões de libras (atualmente, R$ 4,1 bilhões), com juros de 62 milhões de libras (cerca de R$ 385,2 nas cotações atuais) ao ano.

Um dia depois, por volta de 300 torcedores já protestavam contra os novos donos nos arredores do Old Trafford, mas enfrentando resistência de 100 policiais, levando a duas prisões. Sir Bobby Charlton, um dos grandes da história do clube, chegou a se desculpar aos donos pela recepção.

FIlhos de Malcolm Glazer, Avram, Joel e Bryan viram diretores não-executivos. Seus irmãos, Kevin, Edward e Darcie, são alocados na diretoria, em 2006. Também em junho, torcedores descontentes com os novos donos fundam um novo clube, o FC United of Manchester.

O United ia ‘muito bem, obrigado’. Ia. Vindo de três títulos da Premier League consecutivos, além de duas finais seguidas de Liga dos Campeões, tendo levantado a ‘orelhuda’ em 2008, o time caiu consideravelmente de nível após vender Cristiano Ronaldo ao Real Madrid por um valor recorde, 80 milhões de libras (por volta de R$ 500 milhões, atualmente). Mesmo assim, as dívidas crescem e chegam à casa das 716 milhões de libras (aproximadamente, R$ 4,4 bilhões).

O anúncio de que o clube tentaria um refinanciamento gera ainda mais protestos. Um dos maiores aconteceu antes do último jogo da temporada 2009/10, contra o Stoke City, quando o time ainda tinha chances de conquistar o troféu. O tetra, contudo, não veio - o Chelsea sagrou-se campeão.

O mundo do futebol entra em choque com o anúncio de que Ferguson, que estava à frente do comando técnico do clube desde 1986 e protagonizara a maior era que o United viveu, estava se aposentando. O escocês vinha do 13° título inglês, o 20° da história do clube.

David Moyes, ex-técnico do Everton, é o escolhido para assumir as rédeas, em recomendação de Ferguson, que, em sua partida de despedida, pede para a torcida “ficar ao lado do novo treinador”.

Após uma única contratação na janela de transferências, Marouane Fellaini, Moyes tem um início conturbado no comando do novo clube, sofrendo duras derrotas para Manchester City, Liverpool e Chelsea. O técnico, que assinara por seis anos, acaba sendo demitido depois de um novo revés, desta vez para o Everton, e, ao fim da temporada, os Red Devils falham em se qualificar para a Liga dos Campeões pela primeira vez desde 1992. Era a primeira demissão de um treinador do clube desde 1986.

Malcolm Glazer, que sofrera um derrame cerebral em abril de 2006, morre aos 85 anos sem nunca ter colocado o pé no Old Trafford. O clube faz um pronunciamento curto: “Os pensamentos de todos dentro do Manchester United estão com sua família”, dizia o comunicado.

Dentre a torcida, não havia, entretanto, um sentimento de luto.

No dia 18 de abril, reportagens emergiram colocando o United e cinco outros clubes da Premier League, junto a times da Itália e da Espanha, em apoio à Super Liga Europeia, competição extremamente controvérsia que tinha como intuito substituir a Liga dos Campeões.

Os Glazers foram uns dos grupos que mais apoiaram a ideia, mas, menos de 48 horas depois de seu anúncio, o United logo se juntou a Chelsea, Liverpool, City, Arsenal e Tottenham e abandonou a ideia que tanto gerou descontentamento entre os torcedores ingleses.

O descontentamento atingiu seu ápice no dia 2 de maio, quando a torcida cercou o Old Trafford e conseguiu entrar no gramado antes de um jogo contra o Liverpool. A partida acabou adiada.

Com a Copa do Mundo em disputa, a diretoria dos Red Devils anunciou que iniciaria um “processo de exploração de alternativas estratégicas” - o que incluía uma potencial venda.

“O processo visa a auxiliar o crescimento do futuro do clube, com objetivo final de capitalizar oportunidades tanto no campo quanto no quesito comercial. Como parte desse processo, a Diretoria considerará estratégias alternativas, como um novo investimento no clube, uma venda ou outras transações envolvendo a Companhia”, dizia a nota.

Minutos depois do anúncio, era possível ouvir fogos de artifício ao redor do Old Trafford. Literalmente.

O United recebe uma primeira rodada de ofertas. Dois grandes favoritos emergem: a firma petroquímica INEOS, liderada pelo empresário nascido em Manchester Sir Jim Ratcliffe, a o banqueiro qatari Sheikh Jassim Bin Hamad Al Thani.

Representantes das partes interessadas visitaram o Old Trafford em março, a fim de se encontrar com cartolas do clube e discutir as propostas.

O Sheikh Jassim, representado pela Nine Two Foundation, dá um ultimato, se tornando o favorito para a compra. Essa proposta foi avaliada em mais de 5 bilhões de libras (cerca de R$ 31,1 bilhões), valor abaixo das 6 bilhões de libras (por volta de R$ 37,3 bilhões) tomadas como valuation pelos Glazers.

No dia 6 de setembro, as ações do United caem 18%, significando uma perda de mais de 600 milhões de libras (aproximadamente, R$ 3,7 bilhões) em valuation, após o Daily Mail publicar uma matéria informando que os Glazers pensavam em tirar o clube do mercado, o avaliando em 10 bilhões de libras (R$ 62,2 bilhões, na atual cotação). Tudo isso em meio à maior queda de preço desde 2012, quando ainda estava na Bolsa de Valores - prejuízo bem maior do que o de março de 2020, quando todo o futebol estava parado por conta da pandemia do novo coronavírus.

Consequentemente, a torcida do United ainda sofre com os desastrosos 18 anos da família Glazer à frente do Old Trafford.