Eddy Demarez já havia notado quando El Khannouss voltou a campo no início do segundo tempo, mas ainda não tinha feito a pergunta. As chuteiras do belga-marroquino — ou melhor, o que restava delas — eram o motivo de sua curiosidade.
A parte da frente das chuteiras Adidas azul-celeste — que combinam perfeitamente com as meias do Genk — estava prestes a se soltar e podia se desprender completamente a qualquer momento. Um único pedaço de fita adesiva era o que as mantinha unidas, fazendo de tudo para evitar o inevitável. Funcionou: as chuteiras de seis travas resistiram até o fim da partida.
Essas são cenas mais comuns em campos amadores. Junto com as meias tortas, as camisas um pouco justas e os shorts com cheiro de bálsamo de tigre, as chuteiras remendadas completam um visual improvisado — algo que não combina com o futebol europeu, mas diz muito sobre o caráter de El Khannouss.
“Levei uma pancada no pé no primeiro tempo, o que acabou rasgando minha chuteira”, explicou ele a Demarez. “No intervalo, coloquei fita nela. A gente precisa se virar com o que tem. Espero conseguir um par novo amanhã.”
Saber se virar com o que se tem: é algo que El Khannouss conhece bem. E, quando ele precisa se virar, sua família garante que ele nunca esteja sozinho. Ele sabe o quanto é privilegiado por ser jogador de futebol, e por isso costuma refletir sobre a sociedade em geral. “Minha mãe é tudo para mim. A gente se fala três vezes por dia”, contou certa vez à revista de Bruxelas Bruzz.
Ele tem plena consciência da sorte que tem, e por isso procura contribuir de maneira discreta. “Faço a minha parte, sem precisar que todo mundo saiba disso o tempo todo”, disse ao Het Laatste Nieuws.
Quando está na Costa do Marfim com a seleção do Marrocos, essa percepção fica ainda mais forte. “Deus me deu uma vida de conforto. Às vezes acordo e penso: droga, hoje tenho que fazer isso ou aquilo. Mas na Costa do Marfim vi mulheres de 70 anos subindo descalças uma montanha, carregando baldes pesados de comida na cabeça só para que suas famílias pudessem comer. Coisas assim partem o coração.”