Bayern x Manchester United: o abismo que se encontra na Champions League

Não era segredo para ninguém que Erik ten Hag estava desesperado para trazer Kane. "Todos sabem, não é segredo que estávamos carecendo de um 9 durante toda a temporada".

Kane, que tentou ir ao Manchester City em 2021, havia deixado claro que queria, enfim, deixar o Tottenham na tentativa de conquistar troféus e não renovaria seu contrato, que se encerraria em 2024. Com temor de perder o atleta sem custos no fim do acordo, os Spurs aceitaram a proposta do Bayern. Mas o United tinha um fator a seu favor: Kane queria seguir na Inglaterra para quebrar o recorde de Alan Shearer como artilheiro histórico da Premier League.

Questões familiares também contavam pontos aos Red Devils, mas acabaram não sendo decisivas;.

Embora Ten Hag estivesse proposto ao 'all-in' em Kane, seus superiores não tinham tanta certeza. Segundo o The Athletic, o chefe-executivo, Richard Arnold, e o coproprietário Joel Glazer tinham suas questões acerca da transferência de um jogador de 30 anos e que certamente teria carecido de um bom investimento. Os scouts do clube também tinham um pé atrás.

No meio de junho, o clube já havia abandonado a ideia de trazer Kane e começou a focar em Hojlund, que era 10 anos mais novo e, em um primeiro momento pelo menos, mais barato. Além do fato de que negociar com a Atlanta é bem mais fácil do que negociar com o Tottenham.

Mas o United acabou pagando 64 milhões de libras (cerca de R$ 385 milhões), com direito a outros 8 milhões de libras (aproximadamente, R$ 48 milhões) adicionais por um jogador com apenas uma boa temporada em uma das cinco maiores ligas da Europa. Kane, por outro lado, foi liberado por cerca de 100 milhões de libras (R$ 600 milhões, em média).

Os vários pés atrás do United acerca de Kane eram consideráveis, especialmente considerando seu histórico de lesões. Também há reportagens que sinalizaram ao entendimento interno de que o alto salário de Kane poderia causar tensão dentro do elenco.

Mas Kane teria valido a pena. Um dos últimos atos de Ferguson no cargo de técnico foi trazer Robin van Persie junto ao Arsenal, no meio de 2012. O holandês tinha apenas 28 anos e custou 24 milhões de libras (hoje, cerca de R$ 144 milhões). Um alto preço, à época, por um jogador em fim de contrato.

Mas ele também era o melhor atacante da Premier League, artilheiro da temporada anterior. O United sabia bem o que teria, e Van Persie entregou 26 gols, mais uma artilharia do campeonato e a taça. E, verdade seja dita, foi sua única boa temporada, dados os problemas de lesão que viriam na sequência.

Mas ninguém no clube se arrepende da contratação de Van Persie; e ninguém se arrependeria de trazer Kane. Muita gente pode se arrepender, por outro lado, de pagar 85 milhões de libras por Antony, que não marcou nada além do que quatro gols e pode nunca mais voltar a vestir a camisa do clube, em meio às alegações de agressão por três mulheres.

O Bayern, do outro lado, obviamente sentiu que Kane valia o investimento. Isso porque raramente paga caro por jogadores. Mas, dado que os alemães haviam atuado na última temporada sem um grande atacante de referência, resolveram quebrar os trâmites com Kane. O próprio técnico da equipe, Thomas Tuchel, chegou a viajar a Londres para visitar a casa do atacante.

Diretores do Bayern também foram a Londres para conversar presencialmente com Daniel Levy, dono dos Spurs, e foram bem flexíveis. Isso fez com que pulassem à frente de Real Madrid, Paris Saint-Germain e um clube não revelado da Arábia Saudita pelo jogador. O United, ainda, sequer enviou uma proposta formal.

"Qualquer um em busca de um camisa 9 estaria feliz em ter Kane no time. Ele torna a equipe melhor e te fornece o que você precisa", celebrou Tuchel, após a chegada.

E o Bayern só pôde trazer Kane por conta de sua ótima gestão. Apesar de lucrar apenas 100 milhões de euros (R$ 518,7 milhões, aproximadamente) anualmente com a televisão - o United, por exemplo, faturou 214 milhões de libras (cerca de R$ 1,2 bilhão) no ano passado, embolsaram, também em 2022, 665 milhões de euros (R$ 3,4 bilhões, em média) com os acordos com a Allianz, Audi e adidas.

Isso os torna o sexto clube mais rico da Europa, segundo a Deloitte Money League. O United é o quarto, com 688 milhões de euros (cerca de R$ 3,5 bilhões). Mas, diferentemente dos rivais, o Bayern não possui dívidas. Os Red Devils, por outro lado, devem 969,9 milhões de libras (média de R$ 5,8 milhões), conforme último levantamento divulgado. Isso tudo antes de contar os gastos nesta janela.

O Bayern também vende muito bem. As saídas de Lucas Hernández, Ryan Gravenberch, Marcel Sabitzer, Sadio Mané, Benjamin Pavard e Yann Sommer renderam um total de 173 milhões de libras (aproximadamente, R$ 1 bilhão).

Isso contrasta bem com o United, que, além de falhar em encontrar novos destinos para jogadores pouco desejados, como Harry Maguire, Scott McTominay e Jadon Sancho, não passou dos 55 milhões de euros (R$ 285 milhões) em renda nesse quesito. Por outro lado, gastou 206 milhões de

Uma grande razão por tanto sucesso se dá ao fato de colocarem pessoas com muita tradição e experiência no comando do clube. Hoeness, presidente do clube entre 2009 e 2019, é um ex-jogador com três Bundesligas e três copas europeias no bolso. Seu colega de time, Karl-Heinz Rummenigge foi CEO do clube por 19 anos. Seu sucessor, o lendário goleiro Oliver Kahn, foi removido do posto em maio deste ano. Outro tirado do cargo em maio, demitido, foi Hasan Salihamidzic, campeão da Champions, ao lado de Kahn, em 2001. Ele foi, contudo, substituído não por um ídolo, mas por um verdadeiro gestor: Christoph Freund, ex-Red Bull Salzburg, um dos melhores do ramo. Um dos seus grandes feitos? Assinar com Erling Haaland, aos 18 anos.

Agora, compare a expertise do Bayern com a diretoria do United. O CEO, Arnold, é um ex-contador que começou no clube como diretor comercial. Ele, que não tinha experiência no futebol, foi promovido sob Ed Woodward, que também não tinha experiência no futebol. E, mesmo sem experiência no futebol, tinha que tomar grandes decisões no clube - como apoiar a contratação de Kane.

Seguindo, há Murtough, diretor de futebol, que chegou ao time de Manchester em 2013, vindo do Everton, como administrador - ele também não tinha experiência no futebol. Sob Murtough e Arnold na hierarquia, vem Joel e Avram Glazer, que, além de não terem experiência no futebol, sequer vão ao Old Trafford para assistir a jogos.

Com tão pouco conhecimento e expertise, não é de se questionar por que o Bayern levou a corrida por Kane - nem por que os dois times vivem realidades completamente diferentes.