Se liderança técnica fosse refletida na de pessoas, Neymar seria a única alternativa para capitanear a Seleção: é o melhor jogador brasileiro dos últimos anos, dono de uma habilidade fora de questionamento e decide jogos. Mas não traduz estes predicados na hora de se colocar como exemplo comportamental e de representação para os seus companheiros. Pelo contrário: se enfrentou grandes problemas ao longo de seus dez anos de carreira, foram justamente por causa de seu temperamento.
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Ainda no Santos, peitou o técnico Dorival Júnior para bater um pênalti em 2010. Sem clima de comando após o acontecido, o treinador deixou o clube pouco depois. Em sua primeira temporada no PSG, 2017-18, protagonizou uma briga constrangedora com Edinson Cavani na hora de decidir quem seria o responsável por bater faltas e pênaltis. Mais recentemente, agrediu um torcedor adversário após derrota da equipe parisiense na final da Copa da França, para o Rennes.
Foi necessário que Neymar acertasse um soco no rosto de uma pessoa, enquanto estava exercendo a sua profissão de atleta em uma cerimônia de entrega de medalhas, para que Tite enxergasse o óbvio: não há nada que justifique a escolha do camisa 10 como capitão do Brasil. A insistência em manter a faixa que oficializa, de certa forma, quem é o atleta mais responsável e equilibrado em campo, foi um dos maiores fracassos do treinador nesta sua passagem pelo selecionado nacional.
Não foi Tite o primeiro a dar a faixa para Neymar. Em meio à ressaca depois do vexatório fim de caminhada na Copa do Mundo de 2014, sob o comando de Felipão, Dunga voltou a assumir a vaga de treinador e optou pelo então jogador do Barcelona. Ao justificar a escolha, usou um discurso que passou a ser tão comum quanto as demonstrações dadas por Neymar de que não tinha a menor condição de vestir a braçadeira.
“Conversamos com ele e falamos que essa escolha viria com um kit, principalmente o da responsabilidade. É um momento importante para a carreira dele e para a Seleção”, afirmou Dunga ainda em 2014. No ano seguinte, Neymar foi expulso após derrota por 1 a 0 para a Colômbia, na Copa América, depois de ter chutado uma bola na direção de Armero seguida por um desentendimento com o zagueiro Murillo. O jogo já havia acabado, mas a falta de temperamento garantiu o vermelho e dois jogos de suspensão. Sem o seu melhor jogador em campo, o Brasil terminaria eliminado.
Getty Copa América de 2015, Neymar expulso e ausente em jogos decisivos (Foto: Getty Images)
Em 2016, Neymar enxergou o óbvio e recusou a capitania após a conquista do Ouro Olímpico no Maracanã. Um triunfo que, ao invés de ter dominado o craque do time pela felicidade, o fez bater boca com torcedores que estavam nas arquibancadas – uma espécie de prelúdio do que viria a acontecer após a derrota na Copa da França para o Rennes. O meia-atacante só viria a ser capitão novamente sob o comando de Tite, que de início buscou diminuir a importância do cargo ao implementar um rodízio de jogadores. A ciranda da faixa durou até a eliminação nas quartas de final da Copa do Mundo de 2018, para a Bélgica. E o início de uma nova era já começou de forma esquisita quando Tite jogou a confiança para Neymar.
Após o Mundial da Rússia, que marcou negativamente o camisa 10 como poucas vezes se viu na história, o treinador do Brasil acreditou que o remédio para dar responsabilidade ao seu melhor jogador era a faixa no braço. Acabou com o rodízio e apontou Neymar, àquela altura símbolo mundial de mergulhadas e exageros após divididas - jogador na mira da arbitragem -, como capitão. E justificou com um discurso muito semelhante ao de Dunga em 2014.
“Ele é um líder técnico, cai em cima dele muita coisa. Todos nós sabemos que a responsabilidade é diluída (entre os outros jogadores). É uma comunicação para que os torcedores vejam este lado bonito dele", explicou.
Pedro Martins / MoWA Press Tite surpreendeu ao oficializar Neymar como capitão após o Mundial de 2018 (Foto: Pedro Martins / MoWA Press)
A opção nunca chegou a ser bem aceita tanto por críticos quanto por torcedores. Não que a faixa de capitão seja, no Brasil, tradicionalmente tão valorizada quanto é em outros países. Mas ela é uma responsabilidade que muitos não queriam ver representada em Neymar, que entra em campo mais para ser o fator desequilibrante na parte técnica – como antes dele foram nomes como Garrincha, Pelé e Romário sem que tenham sido capitães.
Ao divulgar a convocação para a Copa América de 2019, que será realizada aqui no Brasil a partir de 14 de junho, a incapacidade de Neymar para ser capitão foi o tema mais abordado. Tite criticou a agressão do jogador ao torcedor francês, mas preferiu não se manifestar até conversar pessoalmente com o craque do time. No começo desta semana, que iniciou a preparação na Granja Comary, Tite anunciou enfim a mudança. Assim como estava planejado para acontecer durante a Copa do Mundo, Dani Alves – cortado daquele torneio – será o novo capitão.
Uma escolha segura: com o lateral-direito de 36 anos, Tite busca amenizar os problemas internos que poderiam atrapalhar a caminhada da Seleção no torneio continental: se afeta o ego de Neymar, coloca um grande amigo e referência do camisa 10 na função ao mesmo tempo em que responde à cobrança por mudanças.


