Gabaritada e dona de carreira extremamente vencedora, Pia Sundhage assumiu o comando da seleção brasileira feminina em agosto de 2019. A expectativa era de que a sueca, por meio de sua expertise em “montar bons grupos” em início de ciclo, conseguisse organizar e evoluir taticamente o Brasil, bem como iniciar a tão falada, mas nunca realizada, renovação. Desde então, já se passaram três anos e fica o questionamento: qual é o estágio atual do conjunto Canarinho?
Uma das coisas que considero mais importantes para analisar situações é o contexto. Sem ele, acabamos por cair em pautas rasas e que nem sempre contam toda a história. Nesse sentido, divido o trabalho de Pia em duas ‘eras’: a ‘era até as Olimpíadas de Tóquio’ e “era pós-Tóquio’. Em razão da sua ambientação na seleção, tomando conhecimento do futebol brasileiro e da oferta de jogadoras, bem como do adiamento dos Jogos Olímpicos para 2021 (por causa da pandemia de Covid-19), a sueca optou por postergar a renovação do elenco. Ainda que nem todas as escolhas sejam unânimes, elas ainda são válidas, principalmente pelas dificuldades encontradas no período (recomendo o Podcast do Planeta Futebol Feminino sobre o balanço da Olímpiada).
Dada a renovação, o foco será na ‘era pós-Tóquio’, onde Pia manteve espinha dorsal do elenco anterior, natural para tornar o processo de transição menos drástico, mas oxigenou o grupo com novas jogadoras, muitas delas jovens e pouco experientes no cenário internacional. A fim de ilustrar as mudanças, nota-se uma média de 9 a 11 jogadoras (em um total de 23) remanescentes da convocação olímpica com presença nas últimas listas. Desde então, tivemos 10 datas Fifa, contando a Copa América e a janela de jogos que está acontecendo no momento, entre 7 e 15 de novembro.
Esse processo demanda paciência, uma das palavras mais mencionadas por Sundhage nas coletivas de imprensa, sem falar nas observações e testes. Devido ao curto período reunida com atletas, a comissão técnica considera os treinamentos como vitais para suas tomadas de decisões. Com base nas convocações, Pia chamou 56 atletas diferentes entre setembro de 2021 e novembro de 2022, sendo que 38 delas não participaram da campanha em Tóquio. Continuidade e chances repetidas também são pontos importantes do trabalho. Nessa linha, a sueca entende que oscilações são normais e dá confiança às atletas: Ary Borges, Kerolin e Tainara, exemplos marcantes dessa nova ‘era’, foram crescendo no último ano e hoje são peças-chave da Canarinho e de seus clubes.
CBFNo entanto, nem tudo são flores. O futebol dificilmente é linear e muitas pedras surgem no caminho. No caso do Brasil, as lesões têm sido constantes, fato que interfere no equilíbrio e na busca pelo onze ideal. Erika (zagueira), Marta (meia-atacante), Angelina (meio-campista), Luana (meio-campista) e Rafaelle (zagueira) são exemplos de atletas importantes que estão ou já figuraram no departamento médico, forçando mudanças por parte de Pia. O setor do meio-campo, um dos mais reformulados, enfrenta lacunas: Angelina, que era pilar, só retorna em meados de 2023; Luana, que viveu belo momento antes de romper o LCA do joelho, enfrenta problemas físicos; Duda Sampaio, melhor jogadora do Campeonato Brasileiro de 2022 e que encaixou como uma luva na equipe, acabou cortada dos amistosos contra o Canadá por problema no tornozelo. Caberá à sueca encontrar novas soluções e a bola da vez pode ser Vitória Yaya, meia do São Paulo, destaque do Mundial Sub-20 e muito elogiada por Sundhage.
Passeando pelos resultados, foram 24 jogos, com 16 vitórias, quatro empates e quatro derrotas (64 gols marcos e 20 sofridos) de setembro de 2021 até a última data Fifa. Todavia, é válido contextualizar esses números considerando a qualidade dos oponentes. Contra equipes do top 15 do ranking da Fifa foram dois triunfos, três empates e quatro derrotas (13 gols marcados e 15 sofridos), ao passo que foram 14 vitórias e apenas um empate (51 gols marcados e cinco sofridos) contra times mais abaixo no ranqueamento.
CONMEBOLTendo como base os números citados e olhando, também, para o desempenho, a equipe evoluiu no último ano, mas ainda apresenta vulnerabilidades. Temos um conjunto que compete contra grandes seleções, mas tem dificuldade de prolongar a intensidade, a organização e a concentração por 90 minutos, algo que acaba custando resultados – destaco que, contra Noruega e Itália, a seleção se mostrou mais madura e inteligente manejando os minutos e a parte física. Ainda que dominante, invicto e sem tomar gols, o Brasil da Copa América foi decepcionante. Vimos um time por muitos momentos desconcentrado e que ‘baixou no nível do adversário’, inconstante sem a bola e impreciso com ela.
Nas duas últimas datas Fifa, Pia trouxe inovações especialmente na fase ofensiva e foi nítida a melhora de postura/concentração da equipe em relação ao visto em julho. A principal mudança ficou para o posicionamento com a bola (veja na imagem abaixo), na saída com três defensoras (uma delas a lateral direita) com aproximação de uma ou duas meio-campistas. Esse sistema, testado inicialmente contra África do Sul e colocado à prova contra Noruega e Itália, potencializou Tamires (LE), mais presente no ataque, bem como o sistema ofensivo, com peças ora caindo na entrelinha, ora em profundidade, ora usando amplitude. Defensivamente, as duas linhas de quatro foram mantidas, mas melhoramos um pouco a pressão na portadora da bola (algumas atletas mais eficientes do que outras) e a compactação.
ReproduçãoVoltando à pergunta do início, o Brasil ainda é uma equipe em formação, mas já é possível ver um norte. Conseguimos competir contra adversários fortes e o segundo semestre de 2022 tem mostrado melhora no desempenho. Pia encontrou solidez defensiva e, tendo todas as jogadores saudáveis, o quinteto ideal na defesa tem Lorena (goleira), Antonia (lateral direita), Tainara (zagueira), Rafaelle (zagueira) e Tamires (lateral esquerda). Existem dúvidas em outros setores, mas a concorrência está maior, o que gera competição saudável. O grande problema está na meia central, onde houve muita rotatividade por lesões, mas com Ary Borges despontando como pilar. O grande desafio da sueca antes da Copa do Mundo de 2023 será conseguir dar liga e coesão ao time, que precisa ter regularidade na performance durante os 90 minutos e de um jogo para outro. Treinamentos e repetições serão fundamentais para internalização dos conceitos e movimentações, bem como a postura e trabalho individual das atletas será vital para melhoria no exercício de suas funções. As questões a serem resolvidas não passam por esquema, mas sim por entendimento e organização tática, bem como execução de fundamentos e parte física.
CBFTreinando desde o dia 06 de novembro, o Brasil enfrenta o Canadá nos próximos dias 11 e 15. Serão dois confrontos complicados contra o atual campeão olímpico, que possui peças interessantes no meio como Desiree Scott, Quinn, Jessie Fleming e Julia Grosso; além de armas ofensivas que trazem desafios interessantes como Ashley Lawrence, Jordyn Huitema, Christine Sinclair e Nichelle Prince. As canadenses também têm desfalques pesados (Vanessa Gilles, Jayde Riviere e Deanne Rose, por exemplo) e muitas jovens no elenco, mas nem isso as deixam menos perigosas. Sob o embalo da torcida brasileira, Pia terá grande oportunidade para testes e para dar minutagem às jovens, como Jaqueline, Bruninha, Tarciane, Lauren e, a já citada, Yaya. Confira abaixo informações das partidas.
Brasil x Canadá – jogo #1
- 11/11/2022, sexta-feira
- 15h15 (horário de Brasília)
- Vila Belmiro – Santos, SP
- Transmissão: TV Globo e SporTV
- Ingressos: R$20,00 (inteira) e R$10,00 (meia) no site https://www.futebolcard.com/information?event=9542
Brasil x Canadá - jogo #2
- 15/11/2022, terça-feira
- 15h15 (horário de Brasília)
- NeoQuímica Arena - São Paulo, SP
- Transmissão: TV Globo e SporTV
- Ingressos: vendas e informações no site https://ingressoscorinthians.com.br
