Se a seleção do Panamá jamais balançou as redes do Brasil nos quatro jogos que já fizeram na história, talvez a boa influência para o encontro deste fim de semana possa vir do banco de reservas: Julio César Dely Valdés, o Panagol, grande referência quando se fala em futebol panamenho, está de volta como treinador do time nacional depois da frustração em 2013 e de ter sido apenas um torcedor ilustre na primeira jornada mundialista do país, na Rússia, em 2018.
Dely Valdés, o mais bem-sucedido dos três irmãos jogadores - Jorge é seu gêmeo, e Armando, o mais velho -, assumiu a equipe nacional para o ciclo rumo à Copa de 2014. E esteve garantido nos playoffs até os acréscimos de um jogo inesquecível no Estádio Rommel Fernández, na capital do país. Aos 38 minutos do segundo tempo, Los Canaleros fizeram 2 a 1 sobre a já classificada seleção dos Estados Unidos, resultado suficiente para assumir o quarto lugar deixado pelo México, que perdia para a Costa Rica em San José.
Mas os norte-americanos, que ironia, reviveram as chances mexicanas virando o jogo com dois gols nos acréscimos. México na rota da Copa, e Dely Valdés, arrasado, fora da seleção.
Veio então Hernán Darío Gómez, que levou a equipe para o Mundial 2018. O colombiano, ciente da história dos Dely Valdés, fez questão de ressaltar a importância de ambos quando recebeu a visita dos gêmeos, Julio e Jorge, na concentração em Nizhny Novgorod às vésperas da campanha inédita. "Quero que vocês se sintam donos reais da classificação do Panamá à Copa da Rússia", disse.
Passado quase um ano, o Panamá não venceu nenhum dos seis jogos sob o comando de Gary Stempel. Hora do retorno do velho atacante, figura constante nos quadros da federação desde a aposentadoria.
"Meu desejo é que o Panamá esteja no Catar em 2022. Estou convencido que vamos alcançá-lo". Foi com esse otimismo que Dely Valdés foi confirmado há duas semanas como técnico interino até o fim dos Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru, entre julho e agosto. No caminho, um amistoso contra a seleção basca, a Copa Ouro e o jogo de sábado, contra o Brasil, no Porto.
América do Sul
Armando já era uma realidade no Argentinos Juniors, campeão nacional e da Libertadores, quando Julio, três anos mais novo, desembarcou na América do Sul para tentar um caminho parecido. Mas o jovem de 20 anos acabou rejeitado no time do irmão e foi parar no Deportivo Paraguayo, modesto quadro das divisões inferiores em Buenos Aires. Lá, arrebentou. Tanto que conseguiu, de forma improvável, chamar a atenção do Nacional de Montevidéu, que o contratou em janeiro de 1989, pouco depois de bater o PSV de Romário no Mundial de Clubes no Japão.
No Bolso, foi bater campeão uruguaio só em 1992, quando foi pela segunda vez consecutiva artilheiro da liga local. Tinha tanta moral no país que na época conseguiu levar o irmão Jorge, também atacante, para ser seu colega de Nacional. Como resposta, o Peñarol buscou Armando no futebol de Israel. Eram os Dely Valdés dividindo a mesma cidade.
Nesse período de futebol sul-americano, Julio enfrentou Flamengo e Corinthians pela Libertadores de 1991. Se a nível de seleção nunca houve um golzinho panamenho diante dos goleiros brasileiros, na disputa de clubes o matador foi às redes: foi ele quem abriu o placar no empate por 1 a 1 diante do time paulista em Montevidéu, batendo o ídolo corinthiano Ronaldo.
No ano seguinte, caiu para o São Paulo, futuro campeão, nas oitavas de final; e no meio de 1993 seguiu para a Europa com mais de 100 tentos pelo Nacional, ídolo no Uruguai por seu inconfundível faro de gol.
Na Europa
Foi parar no Cagliari, onde fez dupla com Oliveira, o mais famoso dos maranhenses que foram para o futebol belga - jogou Copa do Mundo pela seleção europeia. Entre muitos gols e alguns feitos, como chegar às semifinais da Copa da Uefa, deixou o time após duas temporadas quando contratado pelo Paris Saint-Germain. Era aquele time que já não tinha Weah e Ginola, mas Raí.
O caneco francês não veio, mas o PSG levou a Recopa Europeia, primeiro título continental do clube. Na final diante do Rapid Viena, Dely Valdés entrou exatamente no lugar do ex-camisa 10 da seleção, machucado no início do jogo.
Depois, já na faixa dos 30, Julio jogaria só mais um ano no país, por pouco não repetindo o título europeu, dessa vez perdido na final para o Barcelona, gol de Ronaldo. Mas a carreira se reinventou na Espanha. O panamenho virou uma referência no Oviedo, chegando inclusive a brigar pela artilharia da liga marcando contra os poderosos do país, como o Real Madrid de Roberto Carlos ou o Barcelona de Rivaldo.
Em 2000, se mudou para o Málaga em tempo de formar outra dupla de ataque notável, e olha de novo o Uruguai em seu caminho: Darío Silva, formado no Defensor e que se destacou no Peñarol, era o colega de frente.
No litoral, se não defendia um time de ponta do cenário europeu nem espanhol, viria o último grande feito de Julio no continente. Ele arrebentou na vitória da Copa Intertoto, aquela competição que consagrava três campeões por vagas na Copa da Uefa. No torneio continental o Málaga foi bem, até as quartas de final, e no seguinte Panagol se tornou o maior artilheiro do clube na primeira divisão.
De volta
Ainda em 2003 voltou ao Nacional, e antes de parar ainda seria campeão panamenho pelo Árabe Unido, de sua terra, Colón. Na seleção, não conseguiu brilhar em tempos de um Panamá inoperante, com poucas chances contra os vizinhos, mas ajudou até a inédita fase final das eliminatórias para a Copa de 2006, época em que a turma que foi à Rússia no ano passado, como Baloy e Tejada, já ganhava força.
Nos seus mais de 15 anos pelo time nacional, nunca enfrentou o Brasil, já que estava fora da seleção no amistoso de 2001, o único encontro entre as seleções durante sua carreira. Ficou para sábado, do banco, no alto de seus 52 anos. "Tentaremos ganhar", garantiu Panagol em seu retorno, atrás ao menos de uma bola no fundo da rede brasileira.
