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Livakovic Brazil Croatia World Cup 2022Getty

Quatro anos para ganhar da Croácia (ainda)

Não deveria ser tão difícil considerar que Tite fez um bom trabalho de preparação para a Copa, ao mesmo tempo que tenha entregado um Mundial decepcionante. Não são questões equivalentes, mas menos ainda contraditórias, já que se tratam de dois momentos distintos do mesmo trabalho. Houve o caminho, cujo objetivo era arquitetar um time melhor e com mais opções que na Rússia, e o fez. E havia uma prova, recolocar o Brasil na elite do torneio, em resultado e desempenho, que terminou em frustração.

Não se trata de tirar o peso de uma eliminação precoce, e a nova queda de quartas de final é a foto final e mais importante, isso é do esporte. A Copa do Mundo só faz sentido se tiver essa escala de grandeza, a de representar e engolir, por um lance, quatro anos e meio de convocações, testes, treinos, partidas e competições inevitavelmente muito menos importantes do que qualquer minuto jogado no Qatar. Ciclo nenhum dá conta de aliviar um gol de empate sofrido no minuto 117.

Então é fato que Tite fritou a cabeça no videotape da derrota contra a Bélgica, e a seleção não fez melhor contra a Croácia. Mas o que torna o tombo ainda mais dolorido é que o último ano foi de boas notícias, alguns jeitos de jogar, gente nova se firmando e, de forma unânime, um elenco melhor que o último.

O Brasil chegou ao Mundial com algumas alternativas de formação. A primeira, que foi a utilizada, tinha um volante, um segundo homem, Neymar, dois pontas e o centroavante. A segunda, surpreendentemente ignorada, trocava o ponta-esquerda de velocidade por um camisa 8, povoando mais o meio. E uma terceira, esquecida, jogava sem o camisa 9 de referência, sugerindo um ataque mais móvel, de aproximação e troca de posição.

Outra opção já um pouco mais antiga, de quando o futebol voltou após a parada da pandemia, tinha um lateral-esquerdo que atacava como ponta, virando o quinto jogador da linha de frente num time assimétrico. Também teve um tempo, em 2021, que o time jogava muito baseado em Neymar e Paquetá como meio-campistas, não esperando a bola lá depois da marcação, mas vindo construir, como numa linda tabelinha que virou gif de rede social, tamanha a sintonia. Isso desapareceu.

Uma ideia que era vista vez ou outra, principalmente em tempos de Coutinho, era de iniciar com um meia aberto, ao invés de já afundar dois pontas desde o começo, mas em nenhum momento isso pareceu possível com Everton Ribeiro. Tite sempre citava Pedro falando da possibilidade de um abafa com dois centroavantes, o que pode confundir ou sobrecarregar a zaga adversária numa situação específica, mas na Copa só havia sempre um jogador nessa função mais adiantada, de área.

Como os laterais brasileiros, pelo esquema prioritário, não vão ao fundo e nem abrem o campo, deixando essa função e esse espaço para os pontas, fazia sentido ter Daniel Alves como opção de ala pela direita, ocupando um lugar de maior combinação com o atacante à sua frente, como funcionou, com o próprio Anthony, em alguns momentos dos Jogos Olímpicos. Não rolou.

Ainda que nunca tenha sido um brilho constante com a camisa amarela, Roberto Firmino muitas vezes foi uma opção de camisa 9 que sai dos zagueiros e vem ajudar na construção, como na vitória contra a Argentina na semifinal da Copa América de 2019. Essa carta foi preterida um pouco por Gabriel Jesus, que acabou machucado, e também por Martinelli, que no jogo decisivo não foi considerado, ambos com características diferentes, é claro, mas concorrentes do jogador do Liverpool que não foi à Copa por um lugar na lista final.

São apenas suposições e lembranças um pouco dispersas de um observador distante, e que sem dúvida podem carregar uma certa dose de um engenheiro de obra pronta: agora é fácil falar. São também resultadistas? Óbvio, mas como não ser? Quando um time joga menos do que pode e tem um resultado aquém de sua qualidade, o que resta se não especular sobre o que poderia ter sido? É o futebol, oras.

Fato é que alguma coisa acontece que a seleção se endurece no Mundial, se engessa numa previsibilidade que parecia mais remediada no ciclo, e essas recordações são mais para refrescar a memória de que, sim, vimos outras formas de romper, ou ao menos tentar superar os dias difíceis. Neymar não jogou sem um centroavante à frente, Richarlison nunca caiu pelos lados, Daniel não foi uma real opção de perna boa pelo lado direito ofensivo, Casemiro não teve as companhias logo no jogo mais desafiador, Fabinho e Bruno não foram vistos contra o meio de campo mais cascudo que a seleção enfrentou em muito tempo.

Será que a Copa é curta demais para tamanho leque de opções? Será que está certo Didier Deschamps, que tem um elenco de 24 (não 26) e contra a Inglaterra fez só uma substituição? Pode ser.

Houve Rodrygo, é verdade. Ele entrou no intervalo contra a Suíça e aos 20 do segundo diante da Croácia, bagunçando um pouco o padrão. Para mim é a grande resposta da Copa, a prova de que pode ser o dono do time na próxima, e o único lapso, pequeno, de mudança no decorrer dos jogos. Mas ainda assim me parece muito pouco. Para um trabalho longo como foi esse, com tempo de idas e vindas, fases boas e ruins, o Brasil foi pouco surpreendente no jogo decisivo. Anthony no Raphinha, Pedro no Richarlison, Fred no Paquetá e Alex Sandro no Militão não mexe em nada a estrutura montada e esperada pelo time rival, que conseguiu conduzir o jogo ao seu gosto. Uma sensação de que, no dia grande, o encanto e a inventividade se dissolvem numa correção, numa rigidez, como se o roteiro para a vitória estivesse exatamente nessa consequente confiança no processo. Ironicamente, quando o final do jogo pedia bem essa segurança da ideia, permitiu-se uma chance para o adversário, plenamente evitável, nada de outro mundo, e a Copa, que também não está de carinho na cabeça com a amarelinha, não quis perdoar. Caixa.

Ah, por que é sempre o Brasil que perde, nunca o outro que ganha? Primeiro porque ninguém tem mais taças que a seleção desde que Mané ganhou o bicampeonato, em 1962. No máximo empataram. Desde o tetra, nem isso. A demanda da vitória está aí para ser aceita e vivida, não por arrogância, mas como parte do jogo. É o que somos, lidemos com isso. O Brasil é o Brasil, a Croácia é a Croácia. Quer dizer que somos tão melhores? Não. Mas um encontro de Copa é também um encontro das histórias nas Copas. O time brasileiro quando cai para o time croata perde, sim, um Mundial. Nem tudo é só a capacidade dos times, o jogo é a expectativa, o peso, a representatividade, o legado, o futuro. Está posto. Perder vai doer.

Ah, mas não tinha alguém do outro lado? Tinha, e como tinha. Alguém que inclusive tem coisas que a gente não vê na equipe brasileira há muito tempo. Não temos um Modric, um meio-campista total, um líder nascido para ser dono do jogo. Não temos a paciência e a sobriedade de carregar um empate sem desespero, coisa que essa Croácia tira onda, acumulando prorrogações como quem coleciona figurinhas, rindo da cara de quem especula cansaço por ter jogado meia hora a mais aqui e ali. É um timaço, coletivamente um iceberg. E mais: vai a campo sem o peso do mundo nas costas.

Se o Maracanazzo já dura mais de 70 e a tragédia do Sarriá soma 40 anos, tudo bem o banho de água fria no contra-ataque de Al Rayyan custar algumas semanas. Sem caçar ou perseguir vilões, sem normalizar outro domingo final apenas de turista, revirando a cabeça no travesseiro do jogo, um naco de fim de prorrogação, e seguiremos falando, fazer o quê.

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