Quando Luka Modric recebeu o prêmio de melhor jogador da temporada em 2018, ele disse que estava muito feliz por mostrar que alguém normal poderia vencer a Bola de Ouro, mais icônica honraria individual no futebol, criada pela revista France Football. Era dezembro daquele ano, e o croata unificava os troféus três meses depois de conquistar também o The Best, oferecido pela Fifa.
O maestro da seleção finalista da última Copa do Mundo não é um jogador comum, longe disso, mas não precisou explicar a própria piada modesta. Eram dez anos seguidos de domínio de Messi e Cristiano Ronaldo, se revezando no primeiro lugar e tornando o debate até tedioso, monótono, como se num piloto automático.
Modric cresceu durante a guerra de independência da Croácia, no início dos anos 1990, e passou boa parte de sua infância e adolescência num hotel para refugiados em Zadar, na costa do país, onde nasceu. Enquanto as bombas estouravam lá fora, o garoto jogava futebol nos corredores e no estacionamento da hospedaria. Levar o controle da cabeça e da bola para os campos não foi dos maiores desafios de sua vida.
Só cinco jogadores em atividade foram aclamados como melhores jogadores do planeta por alguma dessas maiores premiações. Messi começou a Copa perdendo da Arábia Saudita, Cristiano Ronaldo rompendo com seu clube, Lewandowski perdendo um pênalti e Benzema, machucado, no sofá de casa.
Modric é daqueles craques na totalidade da palavra. É a referência técnica, a cara, o coração, o líder, a cabeça e o humor da seleção croata. É o cara para noites tranquilas e grandes batalhas, mais ou menos espaço, tabelinhas de Pelé ou lançamentos de Gérson. Teve seus altos e baixos na campanha do vice mundial, mas é difícil encontrar algum jogador de sua geração com tanta presença, tão protagonista em campo. Luka chega onde o jogo pede, leão de dias grandes, entregue sem perder o refinamento – quem viu as prorrogações russas há quatro anos não se esquece.
Outro dia, nessas brincadeiras contra o tédio durante a pandemia, uma corrente de rede social perguntava que jogador do mundo você escolheria para passar uns meses no seu time. Não tive dúvidas. Primeira rodada de Paulistão, calor de janeiro, grama alta no interior? Luka Modric, a dez, a faixa e a chave do vestiário.
Dos 11 croatas que perfilaram para o hino na final em Moscou, seis já não fazem mais parte do elenco, entre aposentados, retirados da seleção e preteridos. O meio-campo é de altíssimo nível, com o capitão na companhia de Brozovic, da Inter, e Kovacic, do Chelsea. Talento existe, a dúvida é se haverá herdeiros dessa estatura para quando não houver mais o normal Luka Modric, que aos 37 anos pode estar em seu último giro internacional.
É feriado nesta quarta-feira na Arábia Saudita e para isso foi necessário que a Argentina tivesse jogado muito mal, principalmente após sofrer os gols, mas principalmente porque os azarões correram demais e superaram qualquer desnível técnico com uma aplicação invejável e dois gols milimétricos. O chute de Salem Al-Shehri lembrou Bebeto falando do gol contra os Estados Unidos, em 1994, quando a bola tinha um mínimo espaço para mirar entre o pé de Alexi Lalas, as mãos de Tony Meola e o canto da rede, quase na trave. A leveza de Messi durou uma hora e pouco de Copa do Mundo. Incrível como o jogo foi escorregando pelas mãos.
Os australianos amanheceram sonhando, mas a França não foi Argentina e normalizou o jogo para golear um rival bem menos perigoso. Vai virando rotina: Mbappé decidiu mais um jogo de Copa em que não precisou acertar tudo nem alcançar sua excelência. Griezmann, quatro anos e meio depois, ressurgiu no maior palco carimbando bolas como se brincasse no parque, o sossego de sempre. O jogo dança a seu ritmo.
Marrocos, Japão, Canadá e Costa Rica, se assistiram aos jogos, puderam ver que é possível superar forças europeias nesta quarta-feira. A Dinamarca, tão benquista, penou contra a Tunísia, que apagou a má impressão deixada num amistoso recente contra o Brasil e talvez foi pouco valorizada nos bolões. Feriados estão aí para serem conquistados em campo.
Não viramos jogadores de futebol, mas temos uma coisa em comum com um destaque do Qatar até aqui. Guilhermo Ochoa também conta a vida de Copas em Copas, empurrando quatro anos com a barriga, mais ou menos como nós todos.
Erasmo Carlos cantou que sabia que o mundo pesa muitos quilos, para que a gente não levasse a mal quando pedisse para cortarmos os grilos. Seguiremos cortando, Tremendão.
