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Seleção Feminina - Brasil x Canadá - Amistoso 2021Richard Callis/SPP/CBF

Os aprendizados e desafios da seleção feminina na volta de Tóquio

Eliminada pelo Canadá nas quartas de final da Olimpíada, a seleção feminina embarca nesta segunda-feira (2) de volta ao Brasil (com exceção das jogadoras que atuam no exterior, que seguirão seus respectivos clubes). A equipe não traz na mala a sonhada medalha, mas dá mostras de que passou por mudanças estruturais importantes e que finalmente está entrando nos trilhos que levarão a pódios no futuro. 

Houve, sim, erros, especialmente contra o Canadá, seleção que o time de Pia havia derrotado duas vezes em duelos recentes. Em um jogo marcado pela solidez das defesas, o Brasil teve muita dificuldade para buscar alternativas para levar a bola ao ataque, não conseguiu se impor e acabou derrotado nos pênaltis. Após a partida, a treinadora pediu desculpas, reconheceu que poderia ter aumentado o ritmo e a velocidade da equipe e garantiu que vai “fazer a lição de casa”, mas tornou a repetir que seu trabalho é a longo prazo. 

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A sensação é amarga pelo entendimento de que o Brasil tinha bola para ir mais longe, mas é preciso ter em mente que Pia implementa há apenas dois anos um trabalho de desenvolvimento que as potências do futebol feminino mundial fazem há muito mais tempo, e esse contexto não pode ser ignorado. A despeito da queda, a evolução do Brasil é clara e passa também pela mentalidade do time. 

Há que se exaltar o trabalho desenvolvido pelas coordenadoras Aline Pellegrino e Duda Luizelli no departamento de futebol feminino na CBF, que entendem que o projeto da sueca é complexo e precisa de tempo, pois começa na seleção mas também visa o desenvolvimento do cenário do futebol feminino brasileiro como um todo, com o fomento à formação de jogadoras e o fortalecimento das competições adultas e de base. Pia tem contrato até 2024, ou seja, pelo menos uma Copa do Mundo e mais uma Olimpíada no caminho. 

A parte física das jogadoras em Tóquio também precisa ser destacada. Desde que chegou, em 2019, Pia bate na tecla de fazer o time melhorar o físico e jogar na mesma intensidade durante os 90 minutos. Ainda está longe do ideal, que Pia espera alcançar em três ou quatro anos, mas ao menos em Tóquio não houve baixas por lesões musculares no elenco. Na Copa de 2019, Vadão perdeu cinco jogadoras por problemas musculares na tentativa de “correr atrás do prejuízo” e nivelar o time fisicamente com as grandes seleções em curto espaço de tempo, sobrecarregando as jogadoras. A parte física foi prioridade desta comissão técnica em todas as janelas de treino de Pia nos últimos dois anos.

A organização defensiva também mostrou melhoras, vide o que o time conseguiu fazer contra o Canadá nas quartas de final e o show à parte de Rafaelle e Érika. Mas é preciso fazer ajustes, especialmente do lado direito da defesa, onde Pia precisa buscar mais peças no próximo ciclo. O lado bom é que o time se mostrou mais compacto e coeso, com a resposta defensiva começando logo na primeira linha. O desafio agora é encontrar um equilíbrio entre defesa sólida e a criação de chances no ataque. Pia admitiu a necessidade de buscar uma camisa 10, jogadora de criação que consiga organizar as subidas sem ficar devendo na defesa contra equipes internacionais. 

Outro ponto a ser trabalhado é a parte mental das jogadoras. No final de 2019, após duas derrotas consecutivas nos pênaltis em torneios internacionais, Pia pediu à CBF a contratação de uma psicóloga que tem acompanhado o time desde então. Mesmo assim, o Brasil não conseguiu passar do Canadá nos pênaltis, apesar de uma grande defesa da goleira Bárbara que colocou o time verde e amarelo em vantagem no início da disputa. Mesmo antes, no tempo regulamentar, o Brasil não conseguiu se impor e faltou calma nas poucas finalizações que tiveram contra o Canadá. 

E como não falar das estreantes da seleção? Ao decidir não convocar Cristiane -- provavelmente uma das poucas treinadoras que teria essa coragem por tudo que a atacante representa para a história do futebol brasileiro -- e dar chance a uma nova geração de talentos como Angelina, Júlia Bianchi, Duda, Giovana e Geyse, Pia deu início ao doloroso (no sentido emocional de quem sempre associou futebol feminino a Marta, Formiga e Cris) porém necessário processo de renovação.

Seleção Brasileira Feminina nas Olimpíadas de TóquioSam Robles/CBF(Foto: Sam Robles/CBF)

Entre novatas e experientes, o clima de Tóquio foi fora de série. Prevaleceu uma leveza nos bastidores da seleção, com brincadeiras e cantorias, e a “união do grupo” foi citada por praticamente todas as atletas em entrevistas. O time hoje é mais confiante, consequência do trabalho sério que vem sendo executado, com ideias claras, como explicou Formiga ao se despedir de sua sétima Olimpíada: “Foi um dos melhores grupos com quem eu trabalhei. Esse trabalho que está sendo feito, encantando não só à minha pessoa, mas às demais, precisa continuar. Essas meninas que estão vindo aí vão ter um pouco mais de tempo para trabalhar e entender melhor a filosofia de trabalho da Pia, que está sendo um trabalho muito importante”, disse a lendária volante.

Ainda falando em clima, como citei em artigo publicado na Goal na semana passada, um dos grandes legados desses Jogos é que o futebol feminino enfim parece caminhar com as próprias pernas. A modalidade conquistou sua torcida e visibilidade, está criando suas próprias referências, as comparações com o masculino não se sustentam mais -- e esse é um caminho sem volta.

Mas o ponto alto dessa Olimpíada é o “desabrochar” da Rainha Marta. Ela já havia se manifestado pela igualdade na Copa do Mundo de 2019, mas terminou a competição com um discurso inflamado em que cobrava as jogadoras mais novas pela eliminação, dizendo que elas tinham que se esforçar mais porque o futuro do futebol feminino dependia delas. Estive na cobertura daquele Mundial e me lembro de ter escrito a seguinte frase: “Se Marta quer mudanças efetivas no futebol brasileiro, poderia usar sua posição de destaque para cobrar mais esforço de quem está em cima, e não das jogadoras mais novas — de todo modo o elo fraco na histórica falta de apoio à modalidade.”

Em Tóquio, a seis vezes melhor do mundo surpreendeu ao redirecionar o alvo das críticas para “aqueles que nunca investiram no futebol feminino”, os verdadeiros responsáveis pelo histórico atraso no desenvolvimento da modalidade que ficou proibida por lei por 40 anos no Brasil. Tal mudança certamente passa pelo peso que Pia tirou de suas costas ao apostar no coletivo em vez colocar todas as fichas no talento individual das jogadoras para resolver os problemas. Mas o discurso após a eliminação para o Canadá na sexta-feira ilustra a maturidade do pensamento da jogadora, finalmente uma líder à altura de sua história. 

“Eu vivi a vida inteira escutando que o Brasil chega em decisões e não joga. O Brasil jogou muito hoje, jogou em várias outras decisões e não conseguiu o resultado que precisava. Então, eu já deixo aqui em aberto: quem quiser apontar o dedo para mim, pode apontar que eu já estou calejada”, explicou Marta, desta vez defendendo as mais novas.

“Deixem as meninas continuar evoluindo, dando seu melhor, com a cabeça boa, porque desde o primeiro momento que eu cheguei na seleção a gente carrega isso de ter que mostrar, ter que fazer isso ou aquilo, então uma Olimpíada a mais na nossa conta não vai fazer muita diferença, mas na cabeça dessas meninas, que é a primeira Olimpíada, vai fazer muita. Que elas consigam continuar sem esse peso de ter tido a eliminação.”

Que a seleção feminina possa levar os aprendizados necessários da Olimpíada de Tóquio, que certamente é só o início de um grande trabalho. 

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