Líder isolado da Premier League, o Liverpool recebe o Wolverhampton neste domingo (29), em jogo válido pela 20ª rodada. Será um duelo emblemático por causa de um emblema.
O encontro contra os Wolves, que vêm de vitória épica sobre o Manchester City, será o primeiro e único no qual os Reds usarão o emblema de campeão do mundo da FIFA – o patch pelo título mundial, conquistado sobre o Flamengo, vai aparecer em outros torneios, mas não no Campeonato Inglês.
A grande coincidência do destino é que os torneios que levaram o Liverpool ao topo do mundo, incluindo a Champions League, existem por causa de um acontecimento que envolveu diretamente o Wolverhampton. Mas para contar esta história precisamos voltar muitas décadas no tempo.
Superando o trauma
Em 1953, a espetacular Hungria de Puskas e outros craques causou um grande trauma no futebol inglês. Talvez até o maior. Dentro do estádio de Wembley, os Magiares deram um show de bola e bateram os Três Leões por 6 a 3, tornando-se a primeira equipe não-britânica a vencer os ingleses na Terra da Rainha.
A semelhança com um clima parecido a, por exemplo, um 7 a 1 não fica apenas na comparação. Isso porque seis meses depois, já em 1954, os ingleses tiveram a oportunidade da revanche em Budapeste, mas perderam exatamente por este placar. Um choque de realidade para quem acreditava estar acima de todos quando o assunto era o futebol.
Em dezembro de 54...
Se o clima era de depressão por conta do choque de realidade da seleção inglesa, aliado ao fim da ocupação britânica na Índia, no âmbito dos clubes a situação era de otimismo por conta dos grandes públicos nos estádios. Tanto que o Wolverhampton, que vinha de título inglês, resolveu comemorar a instalação dos holofotes no Molineux, sua casa, para marcar uma série de amistosos.
O time treinado pelo mítico Stan Cullis arranjou um tempo no calendário e chamou para o seu campo adversários de peso para a realização de jogos: bateu os argentinos do Racing, Spartak de Moscou, Celtic e Maccabi Tel Aviv com facilidade - além de um empate sem gols com o First Vienna.
As partidas foram as primeiras que tiveram transmissão televisiva da BBC para a Inglaterra, o que ajudou a popularizar o time da camisa laranja, que na telinha era visto em preto e branco – tanto que em sua biografia, o norte-irlandês George Best, ídolo eterno do United, afirmou que em sua infância tinha simpatia pelos Wolves. Também devolveu um pouco da confiança aos ingleses, que resolveram chamar o melhor time europeu daquela época para um confronto.
O Honvéd era a base da seleção húngara e contava com Puskas e boa parte dos craques do país. O duelo aconteceu em 13 de dezembro de 1954, em um campo bastante enlameado. Os visitantes abriram 2 a 0, mas sofreram a virada e perderam por 3 a 2. O clima geral dos ingleses foi de redenção, reconquista da autoestima perdida e o Daily Mail estampou nos jornais que o Wolverhampton era o “campeão mundial”.
Foi aí que, em efeito dominó, tudo mudou. Diretor do jornal L’Equippe, o francês Gabriel Hanot não se conformou com a afirmação e rebateu: se não há uma forma nem mesmo de se escolher quem é o campeão europeu, como alguém pode ser campeão mundial?
Eis que, inspirado na ideia de Hanot, nasceu a Copa dos Campeões da Europa, a atual Champions League. Anos depois, também como consequência direta do questionamento de Hanot, a Copa Libertadores tinha o seu primeiro campeão e em 1960 o europeu Real Madrid bateu o sul-americano Peñarol na primeira edição da extinta Taça Intercontinental.
O Wolverhampton ainda seguiria forte na década de 50, conquistando outros dois títulos ingleses, mas nunca chegou nem perto de ser campeão mundial. Mas se o Liverpool vai estrear a sua camisa com um emblema que lhe confere tal status, de certa forma os Wolves foram antigos personagens indiretos desta história.
