Goal BrasilNão deu pra conter as lágrimas.
Existem momentos em que o choro é inexplicável. As lágrimas doem. A alma sente um impacto incompreensível.
Goal.comA terça-feira (11) foi um dia especial no Chile. 45 anos atrás, um golpe militar feito (comprovadamente) com a ajuda dos Estados Unidos (como ocorreu em outros países da América do Sul, como o Brasil) jogou o país em um cenário devastador.
O excelente governo de Salvador Allende, que se tornou um mártir e exemplo para movimentos sociais, foi substituído por uma Ditadura sangrenta, que prendeu e torturou quase 39 mil pessoas e assassinou mais de 3.200.
Mesmo mais de 40 anos depois, a luta pela verdade e pela justiça continua. Segundo o Londres 38 - espacio de memorias (um centro de detenção e tortura durante a Ditadura e hoje um "museu"), apenas 104 pessoas das 1.169 desaparecidas foram encontradas e identificadas. Já entre os 1.373 agentes do Estado que foram processados, só 117 estão cumprindo penas, sendo elas baixas e com benefícios, e nenhum deles entregou informações sobre as vítimas desaparecidas.
O campo da morte
Durante os últimos dias, mas especialmente nesta terça, cobranças, lembranças e homenagens foram espalhadas por toda Santiago e por todo o Chile. Fui até o Estádio Nacional, casa da seleção chilena, onde homenagens também aconteceram, na tarde de terça.
Na Ditadura, o Estádio Nacional foi um centro de detenção, tortura e fuzilamento de prisioneiros políticos. Sete mil pessoas foram presas no local, milhares torturadas e fuziladas no campo de futebol que se tornou um campo de morte.
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Goal.comO local onde vários craques do passado jogaram, do presente jogam e do futuro jogarão, foi palco, também, de crimes e atos lamentáveis.
Os gritos de alegria pelos gols e pelas grandes jogadas de craques chilenos e estrangeiros deu lugar aos gritos de dor e desespero. A magia e o encantamento causados pelo futebol, uma das melhores invenções do homem, foram trocados pelo que a humanidade pode fazer de pior.
Ao chegar perto do Estádio Nacional, ainda do lado de fora, a atmosfera já era confusa. Uma mistura de alegria e paixão, várias lembranças futebolísticas, com uma dor inexplicável.

Até as lembranças eram estranhas e confusas. Me lembrei daquela famosa "partida", quando o Chile "venceu" a União Soviética por 1 a 0 ao marcar um gol no jogo em que não teve adversário, após a URSS se recusar a jogar num campo onde ainda estavam presos políticos. Como a Fifa (sempre com suas atitudes lamentáveis) obrigou os soviéticos a jogarem, o boicote ocorreu, assim como uma das cenas mais bizarras da história do futebol.
O inexplicável
Ao entrar no estádio e ver o espaço destinado para que os chilenos e o mundo nunca se esqueçam do que aconteceu ali, eu não aguentei.

Chorei. Muito.
"Um povo sem memória é um povo sem futuro."
Goal.comChorei pelo passado, pelo sofrimento inacreditável e inexplicável.
Chorei pelo presente. Não dá para entender, mas alguns babacas querem a volta da Ditadura no Brasil e exaltam o Golpe Militar. Um desses babacas é candidato à Presidência da República. Eles exaltam torturadores como Ustra. Exaltam criminosos. Criminosos que são ídolos para eles.
Chorei pelo temor de um futuro tão obscuro e devastador quanto o passado.
"Um povo sem memória é um povo sem futuro."

Goal.comA carga histórica e emocional é tão grande e única que não dá pra explicar como é caminhar pelas arquibancadas e pelo gramado do Estádio Nacional.
Chorei mais um pouco.
Goal.comA imprensa e os erros
Saindo do Estádio Nacional andei um bocado e fui dar uma olhada nas bancas. Queria ver o comportamento da imprensa chilena em um dia tão importante.
Como era de se esperar, a maioria dos grandes veículos chilenos, os mesmos que apoiaram o golpe 45 anos atrás, ignoraram o assunto em suas capas.
Felizmente, o sempre ótimo The Clinic e a versão chilena do Le Monde foram na contramão e fizeram edições especiais sobre os 45 anos do golpe. O primeiro fez uma rica e sensacional galeria de como o jornalismo (censurado ou não) foi um horror e ajudou a Ditadura com as famosas fake news e transformando as vítimas em criminosos que nunca foram, invertendo os papeis. Isso continua acontecendo hoje em dia. Já o segundo fez uma série de matérias sobre o assunto. A primeira, assinada por Víctor Hugo de la Fuente, diretor da edição chilena do Le Monde, me fez parecer louco ao aplaudir o jornal no meio da rua.


Goal.com(Fotos: Gabriel Pazini)
Não se pode justificar o injustificável. Precisamos olhar para nós mesmos e ver nossos erros para evoluir. Não podemos desejar o retrocesso alimentado por um discurso de ódio.
Afinal, "um povo sem memória é um povo sem futuro".
Que dia especial no Chile.
