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Rogerio Micale - hilal 17-2-2021al hilal twitter

Em ascensão na Arábia, Micale lembra legado da Rio-16: Weverton, Jesus e função de Neymar

Campeão olímpico com a seleção brasileira, Rogério Micale vive hoje a primeira experiência como treinador fora do Brasil. Tudo aconteceu muito rápido com o técnico, que desembarcou na Árabia Saudita para assumir o time sub-19 do Al Hilal e uma semana e meia depois já estava comandando a primeira equipe de um dos clubes mais poderosos do mundo árabe. 

Micale chegou ao Hilal para substituir o também brasileiro Carlos Amadeu, que faleceu em novembro de 2020. O projeto era para trabalhar no desenvolvimento de jovens, com a possibilidade de assumir o profissional a longo prazo. Mas com a demissão do romeno Razvan Lucescu, a oportunidade caiu no colo do campeão olímpico, que vive ascensão meteórica em solo saudita. 

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Em bate-papo exclusivo com a Goal, Micale comentou sobre o processo para assumir a vaga de Amadeu, os primeiros passos no futebol ásiatico, defendeu os treinadores brasileiros e, claro, falou sobre o legado daquele que foi o maior título de sua carreira até aqui: o ouro olímpico. 

"O impacto da perda do Amadeu para nós foi muito grande. O Amadeu, além de amigo, era considerado um irmão. A gente se falava frequentemente, tinha uma história precida. Somos de Salvador, fomos juntos para a seleção. Ele estava muito feliz vivendo essa experiencia. Foi um baque muito grande", disse o treinador. 

"A príncipio não passava pela minha cabeça vir para cá, para o lugar dele. Eu tinha um projeto de continuar nessa questão de estar trabalhando no profissional, mas aí ouve uma conversa e me apresentaram esse projeto. A pessoa que trouxe o Amadeu falou que o nosso perfil era muito próximo e que era um projeto também para assumir a primeira equipe. Eu gostei, eu resolvi aceitar e tudo aconteceu muito rápido. É uma honra poder representar o Amadeu e viver essa experiência". 

Goal: Você chegou para assumir o sub-19, mas menos de duas semanas no cargo teve que assumir o profissional. Como está sua situação de momento? Você foi efetivado ou ainda é um processo?

Micale: A conversa que nós tivemos internamente, o que me foi passado, é que eu tenho compromisso até o final da competição, da temporada, foi o que me passaram, que eu cumpriria esse prazo. O Al Hilal é muito parecido com o projeto do Brasil na Olimpíada, a gente não tem opção de segundo lugar, assim como lá, a gente tinha que ganhar o primeiro lugar, aqui também porque é um clube acostumado a vencer tudo o que disputa. Vou fazer o meu melhor e o futuro a Deus pertence. Vou viver intensamente, em breve vai começar a Champions, estamos focados, seria muito importante para nós como clube e para o Rogério Micale pessoalmente esse título. Esse é meu foco, vitórias para continuar se mantendo no cargo. 

Goal: Você encontrou um time que oscilava muito, não vivia uma boa fase, mas desde que você assumiu isso mudou muito rápido, emplacou sequência de vitórias e voltaram a liderar o campeonato. Como é possível mudanças assim tão rápidas em relação ao desempenho? 

Micale:O primeiro fator é a confiança. Nós temos uma boa equipe que ganhou muita coisa, só que toda a equipe, como em qualquer lugar do mundo, oscila. Hoje temos muitas equipes grandes no mundo oscilando, como o próprio Liverpool. É saber lidar com esse momento e reverter porque temos qualidade para reverter, o duro é quando você não tem essa qualidade. Temos um elenco forte, a gente precisava resgatar a auto estima. Nao ganhávamos 2 jogos seguidos desde o dia 7 de dezembro e agora temos 3 vitórias seguidas. O ambiente aqui também, eles são muito identificados com os brasileiros, pelo ambiente alegre, mais leve, isso eu não abro mão. Foi essa soma e vindo o resultado fortalece o projeto e as ideias. Temos muita posse de bola, finalizações, números muito altos e estamos conciliando o rendimento isso aos resutlados.  

Goal: Muitos aqui no Brasil não acompanham o futebol na Arábia Saudita, gostaria que você fizesse uma comparação de nível da liga saudita com a liga brasileira

Micale:  Estou me surpreendendo vendo o nível daqui, equipes bem competitivas, estruturadas sabendo o que querem fazer, sabendo das características, com padrão de jogo muito estruturado que às vezes até no Brasil a gente não vê, pelas mudanças sempre. Aqui também muda, mas parece que os trabalhos mais longos aqui, você vê a estrutura, os conceitos já bem estipulados, você consegue perceber que tem uma forma de jogar. Eu vejo um campeonato muito forte. Muitos jogadores do Al Hilal, inclusive os árabes, poderiam fazer sucesso no futebol brasileiro tranquilamente. Tem jogadores na minha equipe que e jogariam em grandes clubes do Brasil. No meu clube também temos muitos estrangeiros de qualidade, jogadores que atuam em seleções ou que atuaram e outras equipes também são assim. Eu vejo um nível muito alto. 

Goal: Dá para replicar o futebol ofensivo do Brasil nos Jogos Olímpicos aí no Al Hilal? 

Micale: Da sim, estamos tentando. Ficou marcado lá porque coloquei quatro atacantes. Aqui, trabalhamos com preenchimento de espaço, jogador função, se ele tiver função com e sem a bola, perfeito, aí joga quem tem mais qualidade. Nós aqui estamos jogando sempre com três atacantes e um meia que é o Vieto, às vezes coloco o Vietto para a beirada e o Giovinco entra no time, prezando sempre pela qualidade com equilibiro entre ataque e defesa. 

Goal: Como tem sido a sua adaptação na Arábia Saudita? Tem alguns brasileiros por aí, eles de certa forma te ajudam?

Micale: Com certeza. Foi tudo muito rápido e á primeira vez que moro fora com essa rotina de trabalho. É diferente, um país diferente, cultura, mas estou me sentindo em casa. Nesse processo tenho ajuda aqui no clube dos brasileiros, tem os fisioterapeutas que são brasileiros. Tenho o Chamusca, falo sempre com ele, tenho o Carille que me ajudou muito nessa chegada, conversamos e ele me deu os feedbacks, outros profissionais que não estão na Arábia, como o Odair, que chegou nos Emirados e a cultura é parecida. Tenho essa ajuda e vamos cada vez mais tentando adequar e estar inserido, assim como eles também se adaptam a nós. 

Goal: Você falou do Carille, ele curiosamente é um de seus adversários na briga pelo título, está encostando na tabela. 

Micale: Sim. O Al-Ittihad é um time grande, brigou para não cair nos últimos anos, mas isso só mostra o trabalho do Carille que chegou na temporada passada e conseguiu resgatar o time e esse ano faz uma grande campanha, está há quatro pontos de nós. Tem o Grohe, o Romarinho, o Bruno Henrique, grandes jogadores, os jogadores locais também são de muita qualidade. Carille vem fazendo um grande trabalho, como o Chamusca. Temos 3 brasileiros aqui com bom desempenho e isso é muito importante. 

Fabio Carille - ittihad 2021epa

Nós brasileiros temos sofrido muito com certa discriminação, com aquela síndrome do vira-lata, infelizmente. Temos muitos profissionais bons, o que falta às vezes é oportunidade. A gente ficou defasado sim, em relação a conteúdo para aperfeiçoar, conhecer melhor como fazer o futebol, mas isso hoje já está na mão. A gente tem a internet aí, tem muita informação para estudar. A gente precisa respeitar aqueles que tem história no Brasil como Abel, Vanderlei Luxemburgo, Oswaldo, Tite, vários profissionais que fizeram história no nosso futebol. E essa nova safra, a gente tem que ter paciência.

Goal: Você citou a paciência, é um dos pontos que o treinador brasileiro mais reclama. 

Micale: Eu sofri isso na pele depois das Olimpíadas, porque toda equipe que eu fui eu era obrigado a repetir o que eu fiz na Olimpíada. Futebol não funciona assim. Quando você tem um elenco muito qualificado que te dê um suporte como o Flamengo, por exemplo, foi campeão com o Jorge Jesus mas também foi campeão com o Ceni. Mérito dos treinados, mas também do elenco muito forte, que te proporciona isso, ele corresponde. Não existe milagre. Hoje, o Palmeiras, é outro exemplo, tem um elenco forte, assim como já foi campeão com o Felipão, hoje é campeão com o Abel. O brasileiro, eu não sei o que acontece, a gente tem uma paciência muito curta com os nossos, coisa que no mundo não se vê dessa forma. Em alguns lugares a paciência é até muito extensa, claro que eu também não concordo com isso. Tem que ter convicção no trabalho, se contratou tem que sustentar, esperar para ver os frutos, porque nada acontece  do dia para a noite. 

Goal: O primeiro ouro olímpico do Brasil, até o momento o único. Queria que você falasse um pouco sobre o seu legado.

Micale: Foram algumas quebras de paradigmas, uma delas foram os quatro atacantes, principalmente contra a Alemanha. Eu digo que se a gente perde aquele jogo o massacre seria muito grande. A maior dificuldade é você convencer um atacante a cuprir uma função defensiva quando você perde a bola. Aquele time foi muito tranquilo, o Neymar extremamente focado, compromissado com tudo aquilo, o Gabriel Jesus e até hoje ele é assim. Ele foi criticado na última Copa do Mundo porque ajudava muito, disseram que ele esqueceu de fazer gol, ou seja, o comprometimento defensivo que ele tinha com o grupo se tornou pejorativo e é essa forma de avaliar o futebol que a gente tem que parar no Brasil. Ele não fez gol por outras circunstâncias, agora não queira relacionar com ele contribuir na marcação. Talvez o maior legado tenha sido esse, formar jogadores, lançar jogadores como o Weverton que não era conhecido. 

Weverton medalha de ouro 20082016Getty Images

Goal: Você foi muito criticado na época por chamar o Weverton, ninguém conhecia mutio bem. 

Micale: Muito, mas eu sabia que o Weverton podia me dar, dentro das características de jogo dele, o que eu queria. Era um jogador que sabia jogar com os pés, tranquilo, pegava pênalti. Só que as pessoas não conheciam ele, mas essa era a minha função, como captador nacional, oferecer alguém para a seleção principal. Hoje o Weverton é reconhecido no Brasil, goleiro de alto nível internacional. É um grande legado, como o Jesus, o Rodrigo Caio que sofria preconceito dentro do próprio clube, o Marquinhos que era conhecido mas não era titular na seleção principal. Surgiu o Luan, que teve o seu melhor momento ali  e depois mais a frente foi campeão da Copa Libertadores.

Goal: O início foi um pouco conturbado, mas com algumas mudanças a Seleção engregou e conquistou a medalha. Como foi esse momento de mudanças?

Micale: O Luan começou no banco, ele não começou como titular, eu tive que mudar uma ideia de jogo, sair do posicional e ir para um jogo mais anárquico, como eu falo, em função do Luan. Eu puxei o Neymar para o meio, a primeira vez que ele jogou assim e hoje joga mais por dentro até no PSG, e fiz do Luan um falso 9, ele flutuava entre as linhas, ele tem muito essa característica. 

Goal: As críticas vieram desde o início do trabalho e só pararam com a medalha. Isso incomodava?

Micale: Muitos diziam que a gente jogava contra uma Alemanha que tinha um time C, falta de conhecimento total, inclusive da imprensa. A gente tinha uma Alemanha que tinha uma minutagem muito maior do que a nossa seleção, o lastro de jogos maior. A gente tinha uma Alemanha que hoje coloca mais de cinco jogadores na seleção principal. Às vezes a gente fica assim, como pode? Opinar sem conhecimento de causa? Do que está sendo feito, até minimizaram a conquista. Engraçado que a gente tinha uma vontade imensa de ganhar a medalha, aí quando ganhou a gente minimiza. Ganhamos algo importante que não tínhamos, um sonho para a CBF, era a única coisa que faltava e foi muito importante. 

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