Pouco depois de deixar o Palermo para reforçar a Juventus, em 2015, Paulo Dybala retornou para a Sicília, onde visitaria alguns amigos. Durante este período, o argentino resolveu se banhar em uma das belas praias da região e deu um mergulho que mudou a forma como ele próprio passou a perceber o patamar que atingira em sua carreira.
“Quando eu estava prestes a deixar o mar, vi que todas as pessoas estavam me esperando na areia”, disse – imediatamente temeroso de alguma retaliação por parte dos torcedores, quando na verdade eles estavam lá para lhe dar os parabéns.
Dybala costumeiramente consegue criar uma excelente relação com a torcida do clube em que está. Eles admiram não apenas a sua habilidade com a bola, mas também a entrega e paixão demonstrada pela camisa vestida. É algo que ajuda a explicar por que os torcedores da Juventus ficaram surpresos e enraivecidos, depois de saberem a intenção da Velha Senhora em vender o meia-atacante.
É uma realidade que demonstra o quanto as coisas mudaram para Dybala. Basta relembrarmos que, apenas dois anos atrás, o jogador havia feito dois gols em uma vitória sobre o Barcelona, pelas quartas de final daquela Champions League. Naquela mesma noite, os torcedores fizeram um mosaico com a frase “chegou a hora!”, e a impressão era de que o argentino nascido em Córdoba personificava, como nenhum outro, aqueles dizeres.
Getty ImagesO jogador, há tempos comparado com Lionel Messi, usou a visita de seu compatriota para anunciar mundialmente o seu incrível talento. Ninguém dizia que Dybala atingiria o nível do barcelonista, mas logo após aquele triunfo por 3 a 0 a impressão era de que o jovem da Juventus realmente parecia ser o melhor candidato a craque para os anos seguintes.
A Juventus também pensou assim, e dias depois renovou o contrato de Dybala até 2022 – uma decisão que também buscou acabar com os rumores envolvendo uma ida para o Barcelona ou Real Madrid. Em agosto daquele ano, o argentino recebeu a mítica camisa 10 e disse que estava “realizando um sonho de infância”. Não foram apenas palavras: durante a temporada 2017-18, o meia-atacante bateu o seu recorde pessoal de gols, estufando as redes em 26 ocasiões, contando todas as competições.
“A Joia”, como foi apelidado, passou a ser o jogador mais valorizado da Juve. Entretanto, isso mudou a partir do momento que Cristiano Ronaldo foi contratado.
Dybala era um dos tantos entusiastas da chegada do português, e na teoria a parceria entre ambos parecia ser destinada a entrar para a história como uma das melhores. Os torcedores até mesmo inventaram um nome para o “casal”: Dybaldo. Só que a parceria não terminou em casamento. O argentino teria que jogar para CR7, e sua produtividade caiu vertiginosamente.
Getty ImagesSe em 2017-18 Dybala esteve diretamente envolvido em 32 gols, os números caíram para 14 na última temporada.
É a ilustração perfeita do quanto a influência de Dybala caiu com um ataque construído em volta de Ronaldo. Para sermos justos, fora de campo a relação entre os jogadores é boa – inclusive com CR7 homenageando o companheiro ao imitar a tradicional comemoração, colocando a mão no rosto, como se fosse uma máscara, depois de ter feito um gol sobre o Sassuolo, em fevereiro.
“Fora de campo não existe problema com Ronaldo, os problemas estão dentro. Você não consegue fazer nada com ele ali”, disse o irmão/empresário de Dybala, Gustavo, no último mês de maio.

A fala pode parecer bizarra, mas foi o que aconteceu dentro de campo, apesar das várias tentativas do técnico Massimiliano Allegri de encontrar uma solução. Novo treinador da Juve, Maurizio Sarri acredita que o argentino pode exercer uma função de ‘falso nove’, mas confessou que a sua opinião pouco importa para o clube. Embora o camisa 10 não tenha sido negociado para clubes ingleses, como Manchester United ou Tottenham, seus dias em Turim parecem estar contados. Hoje, a Juve não se imagina mais com Dybala.
É verdade que Dybala também tem a sua parte de culpa para a história chegar a este ponto. Fora das quatro linhas, a escolha de colocar o seu irmão para representá-lo não foi bem vista pela Juventus, inclusive com Pavel Nedved, ídolo e atual dirigente, questionando o profissionalismo do argentino e pedindo mais sacrifícios na vida pessoal. Dentro do gramado, o camisa 10 viu seu nível diminuir tanto a ponto de justificar, pela seleção argentina, as ausências de oportunidades entre os titulares pela dificuldade de jogar ao lado de Lionel Messi.
E Dybala não tem desculpas para explicar por que não conseguiu se encaixar no ataque ao lado de Cristiano Ronaldo. Também é sintomático que Dybala não tenha sido, na atual janela de transferências, cortejado pelas maiores potências europeias – como Real Madrid, Barcelona, Manchester City ou Liverpool.
A exibição estelar contra o Barcelona, dois anos atrás, deveria ter marcado o início de algo especial, mas desde então Dybala jamais fez uma partida tão notável na Champions League. Por mais dolorido que possa ser, tanto para o argentino quanto para os torcedores alvinegros, a frase “chegou a hora!” hoje pode representar uma despedida.


