A CONMEBOL Libertadores Feminina terminou no último dia 28 de outubro com a América vestida de alviverde. O Palmeiras, em sua primeira participação no torneio, se sagrou o grande campeão, garantindo o 11º título brasileiro na história. Mas não foi uma competição apenas com louros para o Brasil, tendo em vista que tivemos performances decepcionantes, escolhas duvidosas, desafios e pedras pelo caminho que derrubaram, na mesma fase (quartas de final), Ferroviária e Corinthians, este último, grande favorito à taça. A questão que paira no ar é: será que precisamos ligar o sinal de alerta?
Contextualizando as equipes, tivemos a Ferroviária, eliminada pelo Deportivo Cali, que, naquele momento, jogava o melhor futebol do campeonato. Chamou atenção o desempenho “montanha-russa” da Ferrinha, que nas quartas acabou superada na bola pelo mesmo rival que já havia surpreendido o Corinthians na fase de grupos. Taticamente, o time treinado por Jessica de Lima (assumiu o comando em 09 de setembro, logo com pouco tempo para sedimentar seu modelo de jogo e promover alterações), mostrou-se muito espaçado, não encaixou com consistência.
Tecnicamente, as falhas na execução ficaram visíveis, pecando nos passes e nas tomadas de decisões. Somado a isso, tivemos em diversos momentos a falta de intensidade – o conceito de intensidade é bastante amplo, passando, por exemplo, por: concentração; leituras com e sem posse da bola; mapeamento de espaços; “quebra de pescoço”; posicionamento; velocidade de raciocínio, entre outros fatores. A equipe de Araraquara pecou nesses pontos não apenas neste torneio, mas também ao longo da temporada, não conseguindo corrigi-los de forma satisfatória e sendo punida no fim.
CONMEBOLProtagonista da grande zebra da Libertadores, o Corinthians caiu para o Boca Juniors. Assim como as Guerreiras Grenás, as Brabas também repetiram na competição alguns problemas vistos durante o ano e a eliminação foi fruto do somatório de fatores. O começo de tudo se deu no planejamento de elenco para a temporada, que foi falho principalmente no setor defensivo, com pouca profundidade de peças, agravado com lesões e convocações para a seleção brasileira. Junto a isso, a equipe dirigida por Arthur Elias apresentou dificuldades que, ainda que minimizadas a partir do mata-mata do Brasileirão, não foram totalmente corrigidas, como a saída de bola (quando pressionada), o jogo aéreo defensivo (falho) e transição defensiva (lenta e desorganizada). Focando no torneio, a escolha das jogadoras foi problemática.
Apenas 20 atletas poderiam ser chamadas (absurdo por parte da CONMEBOL), o que torna cada movimento vital. O treinador optou por levar quatro peças que retornavam de suas respectivas lesões e/ou não estavam em suas melhores condições físicas: Erika (sem jogar há um ano); Luana (recente artroscopia no joelho); Giovanna Campiolo (lesão no ombro recente) e Gabi Zanotti (problemas constantes no tornozelo). Nomes como Mariza e Liana Salazar ficaram no Brasil por decisão técnica. Tais preferências impactaram na jornada corintiana.
Somado a isso, tivemos erros técnicos e de fundamentos, bem como estratégias e planos de jogo que se mostraram frágeis nos confrontos mais exigentes, sobretudo contra as argentinas e as colombianas.
CONMEBOLVencedor, o Palmeiras chegou à ‘Gloria Eterna’ de forma inédita no feminino. É inegável que as Palestrinas trilharam uma jornada de superação, enfrentando alguns problemas extracampo nos últimos meses: troca de comando (Hoffmann Túlio por Ricardo Belli) mesmo sendo líder da primeira fase do Brasileirão; situações supostamente envolvendo indisciplina de atletas (as zagueiras Agustina Barroso e Thais Ferreira) e atritos com a direção, estes últimos que ainda deixam questões pairando no ar. A eliminação acachapante para o Corinthians na semifinal do Brasileirão veio para minar a confiança. O time oscilou na temporada, não apenas em termos de desempenho, mas também de postura e concentração de um jogo para o outro. O que víamos era um combo no qual a Libertadores poderia ser a ‘pá de cal’ no ano do alviverde, mas o desfecho foi outro.
A trajetória não foi tranquila, nem muito menos perfeita. O time performou abaixo do que pode pela qualidade de suas atletas (também falta profundidade de elenco em alguns setores), apresentou problemas estruturais e de execução do plano de jogo, mas soube aproveitar o chaveamento favorável para ganhar confiança e ir crescendo na competição. Se muitas vezes não dava no toque de bola, a alternativa era a finalização de fora da área e as jogadas de bola parada (nove dos seus 18 gols vieram assim, sendo oito de cabeça, segundo dados da Opta). As Palestrinas sofreram contra o Santiago Morning (virada no último lance) e foram muito incomodadas pelo Boca Juniors (que pressionou alto e forçou erros) no primeiro tempo da final, mas superaram as adversidades, até mesmo de calendário, tendo descansado menos de 48 horas entre semi e final, para buscar o título. Com R$ 8 milhões na conta, o Palmeiras deve comemorar muito a conquista, mas também precisa refletir sobre seu ano.
Se os brasileiros patinaram, os demais conjuntos sul-americanos evoluíram. O crescimento passou não somente por performance, como também por aspectos táticos do jogo, por exemplo: marcação mais “agressiva” e alta; competitividade em duelos físicos e ataque de profundidade/entrelinha. Se antes o Brasil avançava “com o pé nas costas”, hoje ficou provado que não acontece mais. Isso é bom para modalidade, tira da zona de conforto, “um puxa o outro”, mas ainda é pouco. Nem tudo está maravilhoso nos países, a estrutura e apoio ainda são precários, carece segurança de datas para as competições e um calendário mais organizado. Falta planejamento.
Respondendo à pergunta do início, no Brasil precisamos urgentemente de uma reflexão. Uma das lições dessa Libertadores é que ainda que você seja favorito, apenas esse status não bastará para alcançar a “Glória Eterna”. Planejamento, evolução em campo, leitura de jogo, atenção, desempenho nas quatro linhas e “sorte” com bom chaveamento contam muito. Nossas equipes, falando do país como um todo, precisam se organizar melhor em termos de datas, elenco, estrutura e condições de trabalho. A CBF necessita, em conjunto com as federações estaduais, garantir um calendário melhor, que potencialize o jogo e as atletas, assegurando o bem-estar de todos(as).
O Brasil (seleção e clubes) é o expoente do continente, mas não pode cair na “zona de conforto”. A evolução vem acontecendo gradualmente e “vitórias automáticas” não acontecem mais.
