O aterro não tinha sido apenas o cenário de histórias terríveis, havia se tornado, também, o palco para crianças jogarem futebol. Quando largavam a bola, eram capazes de matarem pombos para fazerem autópsias, simulando a profissão de médico mesmo sem saber o significado de ‘autópsia’.
Há vinte anos atrás, 30 tangerinas podiam ser compradas por dois pesos. Os garotos comiam as primeiras até encher a barriga e as outras eram atiradas, em brincadeira, contra as paredes. Entretanto, o aterro mudou. E não foi somente porque aquela quadra, que termina se chamando Estado de Israel, deu a luz à Leo, um cirurgião de aves que acabaria sendo estrela em outdoors do Quirguistão à Etiópia e Paris.
O lugar mudou, principalmente, porque do outro lado do bairro uma moça foi estuprada. O anonimato foi uma forma de evitar a fofoca e a fama acumulada no distrito de Las Heras de Rosário. O aterro, um lixão a céu aberto, anos depois seria visitado por jornalistas e cronistas de todo o mundo. A localidade fedia, os caminhões de lixo não passavam com regularidade. Seria uma parte da Argentina conhecida apenas pelo estupro da moça, e pelo grupo de garotos que se reuniram na tentativa de revitalizar o local.
Um jovem tentou fazer um mural que serviria como homenagem ao Leo, mas um produtor nada simpático do canal América passou a foto ao noticiário e quis fazer uma piada sobre como o desenho era diferente do personagem original. É lógico que isso não deixou o artista nem um pouco feliz. Mas pouco importava: ao lado, eles pintaram ainda duas imagens e até uma bandinha de rock animou uma festa no local.

Tinha um banheiro feminino e outro masculino. O feminino seria apenas mais um, não fosse a história do estupro, que é uma violação de gênero. Mas não. Na porta, a frase ‘violência não é apenas bater’ estava grafitada, para que isso ficasse bem claro às demais gerações. Na outra parede, também muito claro, um recado em defesa das mães da Plaza de Mayo, que consideram as Malvinas como território argentino e buscam os netos desaparecidos na ditadura militar, como expressou Leo, com um sinal, antes da Copa do Mundo de 2014.
Agora, o aterro sanitário é um campinho. Parado ao lado de um acumulado de lixo está Diego, que veste uma camisa La Renga e que tem apenas cerca de vinte minutos livres antes de buscar seu filho na escola. Um pouco antes, seu irmão, Sergio, passa caminhando e levanta a camisa para mostrar a tatuagem homenageando Leo que possui na costela.
- E você, não tem uma também?
- Não, a verdade é que não tenho. Mas o vínculo é outro. É diferente. Eu sinto um grande orgulho por ele, mas é meu amigo. Ídolo, para mim é o Chizzo de La Renga.

Provável que, por idolatria, ele não tatuaria o seu sócio de lanches com tangerinas. Mas Diego adora Leo, amigo que conheceu na rua Estado de Israel. Após as aulas, jogavam futebol até a hora da soneca e depois voltavam a sair, para voltar apenas quando suas mães mandavam. Nas brincadeiras de rua e traquinagens, já dava para ver a obsessão que Leo tinha pela vitória.
Durante muito tempo, Leo viveu em dois mundos: o do Newell’s e na quadra, com os amigos. A cumplicidade entre Diego e Léo terminou quando um clube famoso da Espanha apareceu na história. O bairro mudou um pouco, o que não mudou foi o sentimento de amizade de Diego. Para ele, todas as vezes que perguntarem quem é Lionel Messi, ele sempre dirá, simplesmente: é Leo. Enquanto um quebra recordes e brilha com a camisa do Barcelona, o outro sempre estará admirando seus feitos.
