Quando foram sorteados os grupos da Copa, era consenso que o Brasil tinha um cruzamento inicial difícil, com dois adversários europeus, velhos conhecidos e que vinham de ótimos resultados locais. Times que superaram Portugal, Itália e França no cenário local recente.
O Brasil ganhou de ambas, que em nenhum momento estiveram perto de marcar. Por coerência, é preciso valorizar os 180 minutos sem sustos, especialmente um segundo jogo sem dois titulares, um deles a referência técnica do time, o outro de uma posição carente. A primeira foto, da classificação ao mata-mata, é de um time muito forte. O goleiro Alisson vive o Mundial como a gente, assistindo e ansioso, nem coadjuvante de clipe de melhores momentos.
Tite resolveu a ausência de Danilo com simplicidade. Ele tem dois reservas para a posição, Militão mais parecido, próximo dos zagueiros, e Daniel diferente, ofensivo. Foi no primeiro. O torcedor brasileiro se apaixonou por laterais revolucionários e protagonistas em sua história, e quando a transmissão mostra Cafu e Roberto Carlos nas tribunas acaba reforçada a sensação de que o time atual não promove aquelas ultrapassagens marcantes. Seleção é um tanto de nostalgia, faz parte.
Sobre a ausência de Neymar, aconteceu o esperado. O ataque criou chances, tem personalidade, jeito de jogar, mas perdeu um pouco a capacidade de ficar com a bola e principalmente sentiu falta da rebeldia trazida pelo camisa 10. É nítido que o início do jogo brasileiro foi mais previsível, até sobrecarregando Vinicius Jr., que ganhou atenção redobrada.
Neymar é um rastreador de espaços como poucos, e eles apareceram menos. A fala de Richarlison ao fim do jogo é a síntese: "preciso dele ali na frente".
Mas aí, boas notícias. Tite mudou no intervalo, depois de anos repetindo que a experiência da Rússia em 2018 tinha lhe deixado uma lição, a de não demorar muito para remexer o time num primeiro sinal para isso. Depois mudou de novo aos 13 minutos do segundo. Tentou, fuçou, se coçou. Que bom.
E Rodrygo, o escolhido para começar o segundo tempo, melhorou o time, além de trazer a inquietação que faltou no começo. Combinou bem com os pontas e teve muita presença nos lances capitais, alcançando a bola no 1 a 0 anulado por impedimento e oferecendo lindo passe, de primeira, para o gol de Casemiro. É mais ponta-de-lança que meia-armador, e tem muita calma para acertar a escolha na entrada da área. Perdeu o segundo gol, é verdade. Mas está levezinho, solto.
O jogador do Real Madrid havia atuado pouco pela seleção até a viagem ao Oriente Médio. Entrava ao longo do ano aqui e ali, sempre nos últimos minutos e depois de toda uma fila. Não foi à Copa América do ano passado, é uma chegada mais recente, que custou a ser uma certeza na lista, mesmo com 26 vagas. Atropelou para ser a grande notícia tardia deste elenco, um provável titular de 21 anos difícil de se prever lá no fim das eliminatórias, em março.
Ao mesmo tempo, é simbólico que o gol da vitória por 1 a 0 contra a Suíça tenha saído dos pés de Casemiro, 30, o jogador mais vitorioso na elite do futebol dentre os titulares e que quando dominava uma bola não via ninguém de tamanha estatura no ataque, nem em títulos, nem em Copas, nem em idade, nem em vivência de seleção. Um craque que teve a sensibilidade de dar um passo à frente, raro em seus jogos com a camisa amarela. Um torneio primoroso até aqui.
A corneta é uma instituição nacional, e acaba muito bem representada na narração de Galvão Bueno. A voz maior do futebol no Brasil é uma espécie de catalisador do eco que vem do sentimento do torcedor, e ainda que isso seja legítimo – e quantas vezes não concordamos com a indignação da transmissão –, às vezes passa do ponto, cria histórias sem dar tempo ao campo. Os insistentes pedidos por Pedro e essa constante supervalorização de quem sai do banco em detrimento da escolha inicial foram exageradas.
Copa do Mundo é o mês que atravessa rotinas, e o encerramento dos jogos da manhã marca a metade do torneio e também a saudade da parte mais intensa dessa relação. É uma espécie de começo do fim. Os jogos finais serão melhores, mas onze gols antes do almoço nessa segunda com cara de domingo foram uma despedida marcante. Maravilhoso tudo que envolveu o gol de Aboubakar por Camarões, da suspeita do impedimento a uma cavada de futsal histórica, terminando numa celebração reprimida, e até irônica, pela espera do VAR. Que sequência.
É natural celebrar Marquinhos, Vini, Casemiro, Griezmann, Mbappé, Pedri, Gavi, Bruno Fernandes... Tantos destaques dos principais times do torneio. Mas as seis horas mais acréscimos em frente à tela nos dão tempo de lembrar de Gue-sung Cho, Mohammed Kudus, Sofyan Amrabat, Andrej Kramaric, Alphonso Davies. Como jogaram Yunus Musah e Tyler Adams, Harry Souttar, o gol do Keysher Fuller. Pequenos heróis que vamos lembrar para sempre.
Nesta terça-feira, com o início da última rodada, vários deles começam a ficar pelo caminho. São 32 seleções pensando na Copa, e para metade ela acaba durando duas semanas de Qatar, e olhe lá. Entre Equador, Senegal, Irã e Estados Unidos assistiremos duas grandes festas e duas despedidas frustrantes, onde todos têm condições totais de vencer, e bem, os duelos. São jogos de toda uma vida, o drama e a delícia do futebol.
