+18 | Conteúdo Comercial | Aplicam-se termos e condições | Jogue com responsabilidade | Princípios editoriais
CWC World Cup Lessons LearnedGetty/GOAL

Mundial de Clubes foi o ensaio, e Copa do Mundo de 2026 nos EUA sabe o que tem que melhorar após problemas

A plataforma do nível inferior da Estação Secaucus estava lotada e abafada. Torcedores confusos vagavam de um lado para o outro. Era uma espécie de caos multicultural, com murmúrios em inglês, espanhol, português e francês preenchendo o ar enquanto o nevoeiro pós-jogo se instalava. Ninguém sabia qual trem pegar, de onde ele viria ou quanto tempo demoraria.

Centenas de pessoas estavam presas no calor do verão.

A final do Mundial de Clubes havia terminado quase três horas antes, com o Chelsea derrotando o PSG na decisão do torneio nos Estados Unidos. O que restava eram os torcedores que ficaram para tentar ver o ônibus da equipe — ou apenas encontrar um caminho de volta.

O grande problema: não havia transporte fácil de volta a Nova York, saindo de Nova Jersey, após uma partida de futebol.

Foi um sinal de alerta para o que pode acontecer no próximo ano. Os Estados Unidos sediarão a Copa do Mundo em menos de um ano, ao lado de Canadá e México. E o Mundial de Clubes, uma espécie de teste beta, era para ser a prova de que o país consegue lidar com um torneio global de futebol — com torcedores de todos os cantos — em escala global.

A realidade, menos de uma semana após o fim do torneio, tem sido mista. O Mundial de Clubes mostrou que, no geral, sim, os EUA têm meios para lidar com grandes fluxos de torcedores. Mas, na prática, os detalhes logísticos de sediar um torneio mundial ainda preocupam. Depois de um mês de futebol em 11 cidades e 12 estádios nos EUA, há algumas respostas — e muitas, muitas perguntas.

📱Veja a GOAL direto no WhatsApp, de graça! 🟢
  • FBL-WC-CLUB-2025-PRESSERAFP

    Uma paródia não intencional dos esportes americanos

    Gianni Infantino realmente se empenhou neste projeto. O presidente da Fifa passou anos idealizando o novo Mundial de Clubes, tentando transformá-lo em realidade. Conseguiu que a Tiffany desenhasse um troféu chamativo — muito brilhante, muito dourado. Incorporou elementos marcantes de eventos esportivos americanos: apresentações individuais dos jogadores, shows multiculturais no intervalo, anunciadores no estilo boxe, aparições de celebridades e até a presença do presidente dos Estados Unidos na final.

    Como uma espécie de paródia não intencional dos esportes americanos, a competição funcionou.

    Mas o subproduto foi a exposição de tudo o que o país ainda precisa ajustar antes de sediar, em menos de um ano, a maior Copa do Mundo da história. Isso, claro, não é exclusividade dos EUA. Pouquíssimos países estão realmente preparados para receber um evento dessa magnitude.

    O Catar precisou construir uma nova cidade, sete estádios e ainda lidar com acusações de violações de direitos humanos no processo. O Brasil passou dois anos removendo e maquiando favelas, demolindo escolas para abrir espaço para novos estádios.

    Problemas são parte do pacote. A primeira tarefa é identificá-los. A mais importante é resolvê-los.

  • Publicidade
  • Hard Rock Stadium MiamiGetty

    Facilitando o fluxo de torcedores

    O principal — e mais complicado — problema para muitos torcedores durante o Mundial de Clubes foi, simplesmente, chegar aos estádios. Enquanto o transporte público é onipresente na Europa e na Ásia, e as Copas do Mundo na América do Sul historicamente permitiram um fluxo eficiente de torcedores, a realidade nos Estados Unidos é bem diferente.

    Não que o país careça totalmente de transporte público — o metrô de Nova York, por exemplo, funciona bem. Mas o torneio enfrentou um desafio específico: a maioria de seus estádios estava localizada fora dos grandes centros urbanos ou em áreas sem infraestrutura adequada de transporte coletivo.

    O Hard Rock Stadium, que sediou a abertura e outros sete jogos, é o exemplo mais evidente. Localizado a cerca de 24 km do centro de Miami, o estádio gerou inúmeras reclamações por sua dificuldade de acesso. Sem transporte público direto e com congestionamentos frequentes, torcedores dependiam de serviços de carro, transporte privado ou ônibus fretados para chegar ao local. Um torcedor relatou ter recebido uma cotação de 150 dólares para uma corrida de táxi de 18 km entre o estádio e seu hotel. Vários torcedores disseram ao The Athletic que a experiência os desestimulou completamente a assistir a outros jogos.

    Esse, claro, é um caso extremo.

    Mesmo locais mais bem equipados, como o MetLife Stadium, enfrentam desafios parecidos. Embora associado a Nova York, o estádio fica em East Rutherford, Nova Jersey — e o trajeto desde a Penn Station, em Manhattan, pode levar mais de uma hora, com atrasos frequentes. Ainda assim, Bruce Revman, co-diretor do comitê organizador NYNJ, defendeu a capacidade da região para sediar um torneio desse porte.

    “Será perfeito? Provavelmente não, mas será muito bom, porque planejamos isso por quatro, cinco, seis anos”, afirmou na semana passada, durante uma cúpula mundial de futebol em Newark. “E, aliás, esta região — especialmente o MetLife — já recebeu grandes eventos. Este não é o primeiro. Por isso, testar, ter a imaginação certa e se comunicar adequadamente será essencial.”

  • FC Salzburg v Al Hilal: Group H - FIFA Club World Cup 2025Getty Images Sport

    'É quase impossível treinar'

    O Mundial de Clubes reforçou que há desafios controláveis — e outros, incontroláveis. O principal deles é o clima. Realizar Copas do Mundo no verão está se tornando cada vez mais difícil, diante das temperaturas extremas e dos eventos climáticos disruptivos. Foi por isso que a edição de 2022, no Catar, foi transferida para novembro — uma mudança significativa em relação ao tradicional calendário de junho e julho.

    Essa realidade provavelmente já deveria ter sido reconhecida pela Fifa. Acadêmicos, climatologistas e ONGs vêm alertando há anos sobre os impactos das mudanças climáticas no futebol.

    Mesmo sem levar isso em conta, há um fato inegável: os verões na América do Norte são extremamente quentes. E isso não é novidade. Tempestades, raios e calor excessivo atrasaram ou suspenderam partidas ao longo do torneio. Ainda assim, muitas equipes — especialmente as europeias — pareciam surpresas com o calor sufocante.

    Técnico do PSG, Luis Enrique admitiu que as condições climáticas impactaram a vitória por 4 a 0 sobre o Atlético de Madrid na estreia da fase de grupos. Já Enzo Maresca, do Chelsea, ficou furioso ao ver sua equipe mal conseguir treinar em Filadélfia, com temperaturas acima dos 38°C.

    “É quase impossível realizar treinos nessas condições. Agora estamos apenas tentando poupar energia para o jogo”, disse Maresca.

    Enzo Fernández, do Chelsea — acostumado à umidade sul-americana e a amistosos escaldantes pela seleção argentina — revelou que chegou a sentir tontura por causa do calor.

    O Borussia Dortmund foi alvo de piadas quando seus reservas assistiram parte da partida contra o Mamelodi Sundowns de dentro dos vestiários. Mas a imagem ganha outro contexto ao se saber que os termômetros marcavam mais de 32°C.

    Houve, no entanto, vozes divergentes. Clubes brasileiros, sauditas e africanos consideraram o clima normal. Harry Kane, do Bayern de Munique, criado no calor abafado do norte de Londres, resumiu com pragmatismo: “Faz parte do futebol”.

    De qualquer forma, o tema abriu um debate sobre as implicações climáticas da Copa do Mundo de 2026. A FIFPro, sindicato global dos jogadores, afirmou que algumas partidas do Mundial de Clubes deveriam ter sido canceladas por condições inseguras. Nove das 16 cidades-sede do Mundial frequentemente registram temperaturas médias de verão classificadas como de “alto risco” para lesões relacionadas ao calor.

    Alexander Bielefeld, diretor de Política Global da FIFPro, foi direto:

    “O que vimos no Mundial de Clubes tem que servir de alerta para a Fifa”, afirmou. “É evidente que certas regiões dos EUA, especialmente a Flórida, apresentam riscos elevados e exigem a realocação de partidas marcadas para o meio-dia. A saúde e segurança dos jogadores devem vir antes de interesses comerciais — inclusive os das emissoras.”

    Gianni Infantino reconheceu que “a saúde dos jogadores é importante” e afirmou que as paradas para hidratação tiveram efeito. No entanto, a Fifa terá que tomar decisões concretas. Algumas sugestões incluem realizar partidas nas primeiras horas da manhã. Em muitas cidades, jogos à tarde parecem inviáveis.

    “Cada crítica que recebemos é uma oportunidade para estudar e melhorar o que for necessário”, disse Infantino em uma coletiva em Nova York. “O calor, claro, é uma questão. Nos Jogos Olímpicos de Paris, no ano passado, as competições também ocorreram sob calor intenso. As paradas para hidratação são importantes. Temos estádios com teto retrátil, e certamente vamos usá-los durante o dia no próximo ano.”

    É verdade que existem alguns estádios com cobertura. Mas, dos 16 previstos para a Copa de 2026, apenas quatro contam com essa estrutura: o Mercedes-Benz Stadium (Atlanta), o AT&T Stadium (Dallas), o NRG Stadium (Houston) e o BC Place (Vancouver).

  • FBL-WC-CLUB-2025-MATCH62-PSG-REAL MADRIDAFP

    'Um jogo da NBA jogado em uma quadra cheia de buracos'

    Os campos de jogo sempre seriam um ponto de controvérsia — e isso não é novidade. Eles já são alvo de debates na MLS há anos. Em alguns casos, o problema foi o ressecamento dos gramados naturais sob o sol intenso do verão. Em outros, o uso de grama natural colocada sobre superfícies sintéticas gerou uma série de complicações. Campos artificiais podem ser perigosos para o futebol de alto nível. Alguma solução precisava ser encontrada.

    O resultado foi uma preocupante inconsistência nas condições das superfícies, obrigando os jogadores a se adaptarem a gramados longe do ideal. Jude Bellingham, do Real Madrid, comentou que a bola quicava de forma imprevisível e que foi preciso tempo para se ajustar à nova superfície.

    Já Estêvão disse que o gramado do MetLife Stadium estava muito seco no primeiro tempo contra o Porto — e excessivamente molhado no segundo. Lembrando: ele cresceu jogando bola nas ruas do Brasil. Já Niklas Süle, do Borussia Dortmund, foi mais direto ao descrever o campo como “simplesmente horrível”.

    Luis Enrique talvez tenha feito a analogia mais eficaz para o público americano:

    “Não consigo imaginar um jogo da NBA sendo disputado numa quadra cheia de buracos.”

    Naturalmente, comitês organizadores e sedes da Copa do Mundo estão atentos a isso. Em Atlanta, por exemplo, a grama vem sendo cultivada fora do estádio há mais de um ano, e será instalada corretamente na Mercedes-Benz Arena. O MetLife Stadium também está adotando uma abordagem semelhante. Garantir campos de alta qualidade é uma prioridade — e os organizadores pedem paciência enquanto tudo é finalizado.

    “Qualquer um que já fez uma simples reforma em casa sabe como esses projetos funcionam — e, com o clima econômico atual, isso se tornou um desafio que exige prazos mais longos”, afirmou Sharon Bollencach, diretora executiva do comitê organizador de Toronto, à GOAL.

    O Mundial de Clubes deixou claro uma coisa: essa reforma está longe de ser simples.

  • Ingressos para maximizar o lucro

    Muito antes do início do Mundial de Clubes, em dezembro de 2024, os ingressos para a partida de abertura — entre Inter Miami e Al Ahly — estavam sendo vendidos por US$ 350. Isso logo após o sorteio. Avançando para junho, na semana anterior ao jogo, era possível encontrar ingressos para o mesmo duelo por apenas US$ 55.

    Esse é o retrato das inconstâncias do sistema de precificação dinâmica, no qual os ingressos são inicialmente colocados à venda por valores muito altos e depois ajustados com base na demanda — dia após dia, às vezes minuto a minuto. A lógica é maximizar o lucro. Mas isso pressupõe que o público esteja disposto a pagar.

    A realidade do Mundial de Clubes foi mista. Há uma série de dados sobre a precificação de ingressos. O que se viu a olho nu foram muitos assentos vazios, enquanto transmissões ao vivo recorriam a ângulos de câmera cuidadosamente escolhidos para disfarçar o vazio das arquibancadas. Alguns jogos tiveram bom desempenho — o Real Madrid, por exemplo, vendeu 95% dos ingressos. E a final entre PSG e Chelsea, no MetLife Stadium, teve casa cheia.

    Mas, em outros casos, a situação foi preocupante: preços despencando e arquibancadas vazias dominaram a narrativa. Alguns torcedores pagaram centenas de dólares por um único ingresso, apenas para descobrir que teriam economizado muito se tivessem esperado mais 24 horas. No dia das quartas de final entre Fluminense e Al Hilal, por exemplo, era possível comprar entradas por apenas US$ 11 — um valor baixo demais.

    Os preços não estavam ligados aos estádios ou aos fornecedores. A Ticketmaster afirmou à GOAL que não teve influência sobre o valor final pago pelos torcedores — tudo foi supervisionado pela Fifa. Relatos individuais mostraram torcedores aliviados por não terem pago tão caro. Um deles descreveu como “nada mal” ter desembolsado US$ 240 para assistir à final.

    Houve sugestões, em alguns setores, de que a Fifa deveria ter usado estádios menores. Por outro lado, argumentou-se que a preferência era manter estádios grandes mesmo com lugares vazios, na expectativa de que ainda se atingisse uma receita máxima. A verdade provavelmente está em algum ponto entre esses dois extremos.

    De toda forma, o fato permanece: o torneio foi precificado muito alto, muito cedo, o que afastou parte do público.

    A solução para o próximo ano poderia ser reduzir os preços. Mas, com uma expectativa de receita de US$ 13 bilhões para a Copa do Mundo de 2026, isso parece pouco provável.

  • Fluminense fans vs Inter CWCGetty Images

    Um apetite cultural por futebol

    Uma boa lição que a Fifa pode tirar de tudo isso é que existe, sim, um enorme apetite cultural por futebol nos Estados Unidos. Mais do que tudo, essa tem sido a missão de Gianni Infantino. Nenhum outro dirigente impulsionou tanto a visão de um futebol global, especialmente em mercados considerados férteis.

    E funcionou — ainda que não exatamente da forma esperada. A Fifa investiu mais de US$ 50 milhões em marketing para o Mundial de Clubes. Uma parte significativa desse valor foi destinada a influenciadores digitais, enquanto empresas terceiras também lucraram com a iniciativa. O futebol nos Estados Unidos é um jogo voltado para os jovens e os hiperconectados — e Infantino entende isso.

    Mas o verdadeiro entusiasmo pelo torneio veio de fora. Torcedores sul-americanos foram elogiados pela animação, paixão e até pela culinária que trouxeram aos estádios. Além disso, fãs de todo o mundo ajudaram a transformar o Mundial em um evento com clima verdadeiramente global — mesmo nos estádios padronizados da NFL onde os jogos ocorreram.

    Com a previsão de um público de 6,5 milhões de torcedores circulando pela América do Norte durante a Copa do Mundo de 2026, essa energia promete ser amplificada.

    Diferentemente do Mundial de Clubes — que, por natureza, atrai torcedores de clubes específicos, muitos deles pouco conhecidos pelo público americano — a Copa do Mundo fala com torcedores de seleções. Países inteiros se mobilizam por suas equipes — Inglaterra, França, Alemanha, Argentina, Brasil e, claro, os próprios Estados Unidos — ao contrário de clubes como Salzburg ou Auckland City.

    E, no fim das contas, isso pode fazer toda a diferença no ano que vem. O futebol é um ecossistema. Ele depende de torcedores para existir. E quem organiza o jogo precisa pensar neles para oferecer uma experiência à altura. Todos — jogadores, dirigentes, torcedores — querem a mesma coisa: um bom espetáculo.

    E é exatamente isso que a Copa do Mundo representa: as melhores equipes, nas melhores competições, embrulhadas, vendidas e transmitidas para bilhões de pessoas. Se há algo que ficou claro neste torneio, é que o público estará presente.

    Resta saber se o restante estará à altura. Os comitês locais estão se preparando. Kansas City, que carece de um bom sistema de transporte público, já reservou milhares de ônibus. Atlanta teve que substituir o sistema de iluminação do estádio. Hotéis, Airbnbs, centros de treinamento, campos-base e instalações estão todos sendo analisados por equipes e organizadores. E, claro, os trens precisarão operar com mais frequência.

    O restante depende da Fifa. Os horários das partidas podem ser ajustados. Os tetos dos estádios podem ser usados estrategicamente. Os preços podem ser mais justos. Os jogadores podem — e devem — ser melhor cuidados e ouvidos. As soluções existem. Mas será preciso ação coordenada de todas as partes — especialmente da entidade máxima do futebol.

    O relógio está correndo.

0