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PSG wing wonders GFXGetty/GOAL

Desire Doue, Khvicha Kvaratskhelia e Ousmane Dembele: ataque do PSG mostra que o futebol pode ser divertido

O Paris Saint-Germain pode não ser o time mais consistente da Europa, mas neste momento é, sem dúvida, um dos mais divertidos de se assistir. Sob o comando de Luis Enrique, a equipe francesa tem resgatado uma das maiores habilidades do futebol: o drible. Com pontas como Kvaratskhelia, Dembélé, Doué e Barcola encarando defensores com ousadia, o PSG se tornou um raro lembrete de que o jogo ainda pode ser imprevisível, instintivo e, acima de tudo, emocionante.

Enquanto isso, do outro lado do Canal da Mancha, o clima é bem diferente. O futebol inglês — historicamente associado à intensidade e à emoção — parece cada vez mais engessado. Nem todo jogo da Premier League precisa ser um espetáculo, é verdade. Alguns domingos simplesmente não são tão “Super” — e tudo bem. No entanto, algo no clássico morno de Manchester, na semana passada, incomodou Gary Neville de forma especial — e não era apenas o fato de seu ex-clube não ter vencido os rivais da cidade.

A frustração de Neville ia além da rivalidade local. Para ele, o empate apático em Old Trafford simboliza um problema mais profundo: um mal-estar generalizado que começa a afetar o campeonato mais popular do mundo.

“Foi bastante deprimente pra mim, porque acho que estamos vendo muitos jogos assim”, desabafou o ex-lateral direito ao sair do camarote e seguir para o estúdio da Sky Sports. “A Premier League sempre foi sobre emoção, sobre excitação, sobre correr riscos — mas hoje não vimos nada disso. Foi realmente decepcionante. Peço até desculpas pelo meu comentário; acho que deixei isso me afetar. Eu também estava entediado lá…”

“Mas essa natureza robótica, em que ninguém sai da posição, em que tudo é excessivamente controlado, em que falta liberdade para assumir riscos e tentar vencer… Isso está virando uma doença no futebol, está virando um problema sério.” Talvez o PSG, com sua alegria pelas pontas, esteja mostrando ao resto da Europa um caminho possível para o antídoto.

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  • FBL-ENG-PR-MAN UTD-MAN CITYAFP

    'Imitações' de Pep Guardiola

    A suposta “fraqueza” da Premier League nesta temporada virou um tema recorrente nas últimas semanas e meses — embora grande parte do tédio venha de uma corrida pelo título e de uma luta contra o rebaixamento praticamente sem emoção.

    Na realidade, há argumentos consistentes para afirmar que a Premier League está mais competitiva do que em anos anteriores, muito por conta do salto de qualidade entre os times de meio de tabela. Isso tem levado os clubes mais tradicionais a perderem pontos com muito mais frequência. O antigo “Big Six” já não é mais uma realidade: Manchester United e Tottenham, por exemplo, têm sido frequentemente superados por equipes como Brighton, Bournemouth, Crystal Palace e Fulham.

    O que Gary Neville aponta, portanto, não é uma falta de qualidade técnica ou de boas histórias no topo do futebol inglês — afinal, temos o Nottingham Forest brigando entre os primeiros colocados e o Newcastle encerrando um longo jejum de títulos domésticos. O problema, segundo ele, está na escassez de variações táticas e ousadia dentro de campo. Há uma sensação de que o jogo está cada vez mais padronizado, uma homogeneização que ele acredita ser uma consequência não intencional do sucesso de Pep Guardiola e seu estilo de jogo popularmente conhecido como “tiki-taka”.

    “Estamos vendo más imitações disso em todos os lugares agora”, afirmou Neville — e ele está longe de ser o primeiro a levantar esse ponto.

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  • FBL-ITA-CUP-AC MILAN-INTERAFP

    Inter restaurando a identidade da Itália

    A ideia de que o “Guardiolismo” — como Giorgio Chiellini batizou — teria arruinado o futebol não é exatamente nova. Esse debate já vem ganhando força na Itália há alguns anos, com figuras como Fabio Capello defendendo que os valores tradicionais do futebol italiano foram deixados de lado na corrida desesperada para adotar a filosofia de jogo do técnico catalão. Mas nem todos embarcaram nessa onda — como ficou claro na emocionante vitória da Inter de Milão sobre o Bayern de Munique na Champions League, na última terça-feira.

    O time de Simone Inzaghi protagonizou, na Allianz Arena, o que pode ser descrito como uma aula moderna de futebol à moda antiga: uma exibição defensiva extremamente disciplinada, que remeteu aos dias de glória do catenaccio, coroada por contra-ataques velozes e bem executados — um deles resultando no gol da vitória, marcado por Davide Frattesi já nos minutos finais. Como destacou um eufórico Inzaghi após a partida, a Inter venceu por se manter fiel “ao nosso futebol e aos nossos princípios, nos quais acreditamos há quase quatro anos”.

    Seria injusto, no entanto, rotular a Inter como um time apenas defensivo. Os nerazzurri são atualmente os líderes da Serie A e, por isso, têm a obrigação de propor o jogo contra adversários mais recuados quase todo fim de semana. São também uma das poucas equipes da elite europeia que ainda atuam com dois atacantes de origem, além de contar com um meio-campo técnico e pontas ofensivos extremamente perigosos — Federico Dimarco e Denzel Dumfries são especialmente eficazes quando têm espaço para avançar.

    Ainda assim, por mais que o jogo pelas laterais seja parte central da estratégia ofensiva da Inter, ele não representa uma ameaça tão marcante quanto o que vem sendo apresentado pelo Paris Saint-Germain. O clube francês, com seu elenco estelar de pontas habilidosos, está oferecendo um lembrete oportuno — e muito bem-vindo — do poder do drible no futebol moderno.

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    'Nunca veremos um jogador como Ronaldinho novamente'

    No futebol moderno, parece não haver mais espaço para o antigo camisa 10 — aqueles mavericks mágicos à la Diego Maradona, Michel Platini, Roberto Baggio, Zinedine Zidane e Dennis Bergkamp — que tinham liberdade total para criar, improvisar e encantar. Com exceção, talvez, de Lionel Messi, esses espíritos livres foram engolidos por um jogo cada vez mais automatizado, sufocados pelas exigências táticas e pelas obrigações de pressão constante.

    Como bem resumiu Patrice Evra no podcast de Rio Ferdinand: “Todo mundo quer jogar bonito, mas esse tiki-taka… só o Guardiola consegue. Por que todos tentam copiá-lo? Perdemos a criatividade. Não temos mais gênios. Temos robôs.”

    “Você nunca mais verá um jogador como Ronaldinho”, continuou Evra. “Porque, quando ele é jovem, sabe o que o treinador vai dizer? ‘Se você não passar a bola, vai pro banco.’ Mas o futebol nasceu na rua.” Hoje, no entanto, ele muitas vezes parece ter sido desenvolvido em laboratório — tamanha a esterilidade e previsibilidade que o jogo assumiu.

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    Eliminação da imprevisibilidade

    Durante muito tempo, houve um temor real de que os pontas seguissem o mesmo destino do tradicional trequartista — ou, ao menos, fossem moldados em algo bem distante de sua essência original. Como bem observou Jorge Valdano, um dos maiores pensadores do futebol, as base hoje não apenas lapidam diamantes brutos: elas os transformam em tijolos uniformes de uma grande muralha tática. O resultado? Um “uso excessivo de passes de um ou dois toques”, enquanto se eliminam “as fintas, os dribles e aqueles momentos de imprevisibilidade que faziam o futebol ser tão emocionante”.

    Evidentemente, não se pode culpar Pep Guardiola por “matar o futebol”. Em sua melhor forma, o estilo promovido por ele foi verdadeiramente hipnotizante — e não é sua culpa que tantos técnicos tenham tentado (sem sucesso) copiar sua fórmula. Vale lembrar que foi o próprio Guardiola quem teve a visão de construir todo um sistema ofensivo em torno de Lionel Messi, talvez o driblador mais eficiente e letal que o futebol já viu.

    Ainda assim, o controle de Guardiola tem limites claros — como ficou evidente em sua gestão de Jack Grealish no Manchester City. Mesmo sendo um jogador naturalmente explosivo e criativo, Grealish raramente teve liberdade para encarar os marcadores como gostaria.

    Felizmente, Luis Enrique parece seguir um caminho diferente.

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    'Eu não fico bravo se um jogador driblar'

    Assim como Guardiola, Luis Enrique também conquistou a Tríplice Coroa no comando do Barcelona. A diferença é que o fez com um estilo de jogo muito mais direto e vertical. Não por acaso, vem implementando uma abordagem semelhante no Paris Saint-Germain. Mas com uma diferença crucial: em vez de contar com apenas um ponta, ele tem três. Khvicha Kvaratskhelia na esquerda, Ousmane Dembélé centralizado e, pela direita, Bradley Barcola ou Désiré Doué — todos especialistas no confronto direto com defensores.

    E não para por aí. Achraf Hakimi e Nuno Mendes, os laterais, atuam quase como pontas de fato. Na vitória sobre o Aston Villa, por exemplo, a média de posicionamento de ambos foi dentro da metade ofensiva do campo, bem abertos pelas laterais. Isso escancara o quanto Luis Enrique valoriza a amplitude e o duelo individual — conceitos cada vez mais raros no futebol contemporâneo.

    Uma cena após o jogo, aliás, capturou bem esse espírito. Um jornalista perguntou se as tentativas de drible incompletas de Doué no início da partida haviam sido o motivo da aparente irritação do técnico. Luis Enrique foi direto: “Não. Eu não fico bravo se um jogador tenta driblar. Doué é um especialista no um contra um.” E acrescentou: “Essa é a grandeza do PSG.”

    Ainda não se sabe se essa ousadia pelas pontas será suficiente para finalmente dar ao PSG a tão sonhada conquista da Champions League. Mas, pelo menos, o time parisiense está provando — e da forma mais empolgante possível — que o jogo pode estar mudando. E, talvez, para melhor.

  • Paris Saint-Germain v Aston Villa FC - UEFA Champions League 2024/25 Quarter Final First LegGetty Images Sport

    'Cada vez mais importante'

    Afinal, Luis Enrique está longe de ser o único técnico a devolver liberdade e protagonismo aos pontas. A Espanha de Luis de la Fuente conquistou a Euro 2024 com dois dribladores diretos: Nico Williams e Lamine Yamal — este último agora encantando a Europa com suas arrancadas pela Champions League, vestindo a camisa do Barcelona. Também não foi coincidência o salto de desempenho do Arsenal quando Bukayo Saka, enfim em plena forma, foi decisivo na goleada sobre o Real Madrid. Enquanto isso, o Bayern de Munique penou diante da compacta defesa da Inter sem o talento imprevisível de Jamal Musiala.

    Até Arne Slot, novo comandante do Liverpool, chamou atenção para esse movimento ao justificar a renovação de contrato com Mohamed Salah, de 32 anos. “Se eu olhar para a Champions League nesta semana, os pontas estão se tornando cada vez mais importantes, porque os times estão se defendendo em blocos baixos como nunca antes”, disse Slot. “Yamal, Kvaratskhelia, Doué, Saka, Martinelli — todos conseguiram quebrar a última linha e criar chances.”

    Os jogos de volta da Champions prometem reforçar ainda mais essa tendência — especialmente com o PSG aparentemente em missão para lembrar ao mundo o quanto pode ser prazeroso assistir pontas encarando e vencendo defensores. É uma estratégia que envolve risco, claro. Mas o retorno, em emoção e resultado, está cada vez mais evidente. Tanto que até Pep Guardiola parece ter se rendido à redescoberta, após anos de controle total e paciência cirúrgica: na última janela, o Manchester City contratou dois dribladores puros, Jeremy Doku e Savinho.

    A arte do drible, ao que tudo indica, não morreu. Pelo contrário: talvez seja justamente ela a chave para reviver um futebol que, como Gary Neville e tantos outros apontam, vinha perdendo o brilho.