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Club World Cup winners & losers GFXGetty/GOAL

Como o Mundial de Clubes pode mudar o futebol nos EUA e no mundo - se "ganhar" os clubes da Europa

O debate em torno do novo Mundial de Clubes começou para valer em junho de 2024, quando o técnico do Real Madrid, Carlo Ancelotti, criticou publicamente o torneio.

“A Fifa esquece que jogadores e clubes não vão aceitar participar do novo Mundial de Clubes. Uma única partida do Real Madrid vale €20 milhões de euros, e eles querem nos pagar isso pelo torneio inteiro? Não dá. Assim como nós, outros clubes também vão recusar o convite”, disse Ancelotti à imprensa italiana.

No mesmo dia, tanto o técnico quanto o clube voltaram atrás. “Brincadeirinha”: o Mundial de Clubes é importante, sim.

“O Real Madrid vai disputar, como previsto, essa competição oficial, que enfrentamos com orgulho e com o maior entusiasmo, para fazer nossos milhões de torcedores ao redor do mundo sonharem com mais um título”, publicou o clube em nota oficial.

A partir daí, o debate sobre o novo formato do torneio da Fifa ganhou os holofotes. Nos 12 meses seguintes, outras questões foram levantadas — e a entidade máxima do futebol tem se mostrado firme ao defender que está tudo sob controle. Premiação? Generosa. Ingressos? Acessíveis (ou quase). Patrocínio? Nenhum problema. E os torcedores? Vão se importar, sim.

Alguns dos maiores nomes do futebol mundial estarão nos Estados Unidos no mês que vem. A competição vai acontecer em 12 estádios, espalhados por 11 cidades americanas, com início em 14 de junho e final marcada para 13 de julho. Real Madrid e Manchester City aparecem como principais favoritos nas casas de apostas, seguidos por PSG, Bayern de Munique, Chelsea e Inter de Milão — ou seja, um desfile de gigantes europeus em solo americano.

Desde a Copa do Mundo de 1994, o público dos EUA não tem acesso a um evento de futebol masculino desse porte.

Na prática, tudo indica que o Mundial de Clubes está servindo como um "aquecimento" para um torneio ainda maior: a Copa do Mundo de 2026, que será disputada nos EUA, Canadá e México. Embora a competição pareça ter sido montado às pressas em alguns aspectos, a execução tem surpreendido positivamente em outros. Mesmo com mensagens confusas e algumas questões políticas no ar, não há dúvida de que a Fifa quer transformar o torneio em um marco — e numa vitrine definitiva para o crescimento do futebol nos Estados Unidos.

A grande dúvida que ainda paira no ar é simples: será que vai dar certo?

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  • 2025 FIFA Club World Cup Draw - CeremonyGetty Images Sport

    Um aquecimento para a Copa do Mundo

    De certa forma, o que temos aqui é um tipo de aquecimento para a Copa do Mundo de 2026. A estrutura é parecida: várias seleções — no caso, clubes — organizadas em grupos, todos se enfrentando uma vez. Diferentes cidades-sede, centros de treinamento, e uma final que promete ser um grande espetáculo, realizada do outro lado do rio de uma cidade glamourosa.

    A Fifa já vinha flertando há algum tempo com a ideia de um Mundial de Clubes expandido. E, neste verão americano, encontrou nos Estados Unidos o cenário perfeito para colocar o plano em prática. É, no fundo, um casamento de conveniência: os EUA ganham um teste logístico valioso para 2026 e ainda aproveitam para ampliar o interesse do público pelo futebol; já a Fifa garante um parceiro disposto a bancar um projeto ambicioso e cheio de complexidades.

    É o par ideal.

    E tudo, até agora, tem cara de ensaio geral. A entidade tem vendido o torneio como se fosse a Copa do Mundo. O troféu? Um bloco cilíndrico dourado feito pela Tiffany, que só pode ser aberto com uma chave especialmente desenhada. Ele está rodando o mundo acompanhado por lendas do futebol — Ronaldo Fenômeno, por exemplo, participou do sorteio dos grupos em um evento de gala com tapete vermelho em Miami.

    As cidades-sede não foram reveladas por meio de um simples comunicado à imprensa. A Fifa fez questão de transformar o anúncio num espetáculo: um festival de música no Central Park, em Nova York, com direito a Hugh Jackman, visivelmente sem entender muito bem o que estava acontecendo, tentando explicar o apelo do torneio enquanto Gianni Infantino, presidente da entidade, berrava “CIN-CIN-NA-TI” no microfone diante de uma multidão de jovens de vinte e poucos anos, a maioria mais interessada em ver o Post Malone (embora haja quem diga que o melhor show foi mesmo o da própria Fifa).

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  • FIFA Club World Cup Trophy Tour Media ConferenceJ.LEAGUE

    Os torcedores

    A maior dúvida em torno de qualquer torneio fora do calendário tradicional — e que não seja uma grande competição entre seleções — é: o público vai se importar? Torcedores acompanham seus clubes em jogos que realmente valem algo. Seja o Wydad Casablanca ou o Real Madrid, os estádios ficam cheios quando a partida tem peso.

    Hoje, os estádios viraram também ponto turístico. Isso é ótimo para os clubes — basta somar torcedores locais e turistas para entender por que as arenas vivem lotadas.

    Mas tem um detalhe importante: esses jogos lotam porque fazem parte de uma jornada. Há história, tensão, emoção. O que não se sabe é como o público vai reagir ao novo Mundial de Clubes. Tudo vai depender de quanto os próprios times vão levar o torneio a sério — e, claro, da recompensa financeira oferecida.

    Se Jude Bellingham der carrinhos como se estivesse brigando por uma bolada que vai direto pro salário do Alexander-Arnold, o clima em campo vai esquentar. Agora, se as partidas forem mornas, disputadas no calor do verão americano, aquele clima típico de jogo grande pode simplesmente não aparecer.

    Por outro lado, a Fifa pode se apoiar nos dados dos amistosos de pré-temporada. Real Madrid, Barcelona, Chelsea, United, Juventus, Milan… todos esses clubes têm viajado regularmente aos EUA nos últimos anos — e os estádios vivem lotados. Há, sim, um apetite por ver os grandes da Europa jogando por lá.

    Mas o preço dos ingressos também entra na conta. A entidade tem batido na tecla da “acessibilidade”, oferecendo entradas a partir de US$ 30 dólares para jogos de categoria mais baixa. Ao anunciar os preços, a entidade chegou a dizer que os torcedores deveriam correr, porque os ingressos “voariam”. Só que nem tudo é tão acessível assim: um ingresso para a final sai por US$ 635,55 dólares (cerca de R$ 3.273,58) — e ainda tem lugar disponível.

  • Newcastle United FC v Chelsea FC - Premier LeagueGetty Images Sport

    O dinheiro

    Uma das grandes preocupações da Fifa ao estruturar o novo torneio foi garantir que os times realmente se importem com ele. A promessa é que esses jogos não serão amistosos disfarçados, com estrelas como Lionel Messi, Vinícius Jr., Erling Haaland, Cole Palmer, Ousmane Dembélé e Kylian Mbappé jogando apenas alguns minutos — ou sequer viajando. Uma das soluções discutidas foi a imposição de multas pesadas aos clubes que não escalarem seus titulares ou deixarem seus principais nomes fora da convocação.

    O que está em jogo, afinal, é muito dinheiro. O número mais impressionante? US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,15 bilhões). Ou, como Gianni Infantino afirmou, “o maior prêmio em dinheiro da história para um torneio de futebol.” E ele não está exagerando. Somando todas as cifras, o campeão do novo Mundial de Clubes pode faturar até US$ 125 milhões (aproximadamente R$ 643 milhões).

    A narrativa é simples: o dinheiro será o grande motivador. Infantino está apostando alto. E a verdade é que muitos clubes — especialmente aqueles enfrentando dificuldades financeiras — podem ver nisso uma tábua de salvação.

    A premiação também será distribuída por desempenho: US$ 2 milhões por vitória (cerca de R$ 10,3 milhões) e US$ 1 milhão por empate (aproximadamente R$ 5,15 milhões). Para efeito de comparação, o Manchester City faturou cerca de US$ 230 milhões ao conquistar a Premier League de 2024 (algo em torno de R$ 1,185 bilhão). Já os campeões da Champions League geralmente arrecadam algo em torno de US$ 180 milhões (cerca de R$ 927 milhões). É claro que isso envolve uma maratona de 38 rodadas ou uma campanha exaustiva contra a elite europeia. Ainda assim, os valores em disputa são impressionantes.

    Mas, além do dinheiro, há outro fator: o prestígio.

    “Costumamos fazer esse tipo de pergunta, mas quando a bola rola, percebemos que eles realmente se importam,” comentou Kay Murray, analista do ESPN FC, à GOAL. “Hoje em dia, qualquer coisa que possa ser considerada um troféu tem valor. Mesmo que pareça algo menor para o público de fora, quase sempre é importante para quem está dentro do clube.”

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  • trump infantino us fifa getty

    A política

    A Fifa, de muitas formas, jogou essa estratégia com maestria. Gianni Infantino entende o poder da celebridade, do brilho e do glamour. Ele buscou, a todo custo, apelar para o espírito “americano” do evento: grandes estádios, grandes públicos e um troféu de peso.

    “Você tem o melhor dos melhores, pois Harry Kane, Kylian Mbappé estarão lá, assim como Leo Messi e muitos outros,” disse Infantino no mês passado. “Os 32 melhores times de clubes estarão em campo, com um troféu incrível em disputa, e o prêmio em dinheiro para o time vencedor. Pela primeira vez, estamos organizando um evento assim, com um clube realmente coroado campeão mundial pela Fifa.”

    Mas Infantino também sabe que, do topo à base, o sucesso depende de outros fatores. O presidente da entidade apareceu várias vezes ao lado do então presidente Donald Trump, chegando a exibir o troféu no Salão Oval da Casa Branca. Trump, que tem papel fundamental na organização da Copa do Mundo de 2026, lidera uma força-tarefa que Infantino frequentemente elogia.

    Apesar das preocupações em torno da presença de torcedores, vistos e segurança para o torneio do próximo ano, a administração Trump promete influenciar positivamente a execução e percepção do evento. Ivanka Trump também esteve envolvida nos preparativos, inclusive participando do sorteio do torneio no final do ano passado.

    Essas conexões políticas podem ter impacto significativo. As relações entre EUA, México e Canadá estão tensas em níveis geopolíticos. A Fifa, por sua vez, enfrenta pressões relacionadas à Copa do Mundo de 2026. A organização Human Rights Watch expressou “sérias preocupações” sobre as políticas de fronteira do governo Trump, que poderiam afetar o torneio. Segundo o político, a entidade pediu que a Fifa esteja “preparada para reconsiderar a decisão de sediar o evento” caso a segurança dos fãs e jogadores não seja garantida.

    Por sua vez, a Casa Branca assegura que a experiência dos torcedores será tranquila.

    “Todas as partes do governo dos EUA estarão trabalhando para garantir que esses eventos sejam seguros e bem-sucedidos, e que aqueles que viajarem para a América para assistir à competição tenham uma experiência tranquila durante cada parte de sua visita,” afirmou Trump durante evento da força-tarefa da Copa do Mundo na semana passada. “Vai ser muito especial.”

  • trent-alexander-arnold(C)Getty Images

    As complexidades

    Enquanto isso, diversos aspectos do torneio, desde a venda de ingressos até as regras sobre elenco e os próprios participantes, foram conduzidos de forma improvisada. Para incentivar os fãs a comprarem entradas para o Mundial de Clubes, a entidade ofereceu um pacote que aumentaria as chances de garantir uma vaga na final da Copa do Mundo de 2026.

    No entanto, Gianni Infantino, em evento no Mercedes-Benz Stadium, em Atlanta, no mês passado, afirmou não estar preocupado com a lentidão das vendas iniciais. “Este é um verdadeiro Mundial”, destacou, e reforçou sua confiança ao lembrar como estádios foram lotados em amistosos de times de ponta ao redor do mundo.

    “Não estou nem um pouco preocupado em encher um estádio quando as equipes vêm para disputar uma Copa do Mundo, para jogar por algo real, e não apenas um jogo de exibição, em que às vezes jogam os segundos ou terceiros times”, disse Infantino. “Este é um jogo real, uma competição real. São os melhores jogadores e as melhores equipes que estarão presentes.”

    Por outro lado, as regras de transferência para o torneio são complexas e geraram certa confusão. Para acomodar negociações durante o verão europeu, a Fifa criou uma mini janela de transferências de 1 a 10 de junho, na qual os clubes participantes poderão registrar contratações com antecedência. Um exemplo é a quase certa transferência do lateral Alexander-Arnold para o Real Madrid como agente livre, prevista para ocorrer neste período.

    A dúvida sobre quais times efetivamente jogarão o torneio também é motivo de polêmica. A Fifa anunciou apressadamente que o Inter Miami, da MLS, participaria após conquistar o Supporter’s Shield de 2024, mesmo que essa conquista não tenha impacto no coeficiente de classificação. Por outro lado, o Club León foi excluído da competição por violar regras relacionadas à propriedade múltipla de clubes — seus donos também controlam o Pachuca, da Liga Mexicana.

    Como solução, a Fifa organizou um playoff único entre América do México e LAFC, no estilo “wild card” dos esportes americanos, para decidir quem ocupará a vaga do León no Mundial de Clubes.

    No fim das contas, todas essas medidas aparentam ser soluções emergenciais para problemas que não foram devidamente previstos.

  • Club World Cup primer 2025Getty/GOAL

    Alguém vai se importar?

    A menos um mês do início do torneio, ainda paira uma enorme incerteza sobre seu funcionamento e sobre a aceitação do evento pelo país anfitrião. A Fifa vem falando há anos sobre a possibilidade de uma Copa do Mundo de Clubes com 32 equipes, que espelhasse a Copa do Mundo tradicional e colocasse frente a frente os melhores times do futebol mundial.

    Por muito tempo, essa ideia foi descartada como um sonho impossível, principalmente por falta de espaço no calendário do futebol. No entanto, esse espaço finalmente foi encontrado. A partir de meados de junho, 32 equipes de todas as partes do mundo desembarcarão nos Estados Unidos, com muito dinheiro em jogo.

    Para ser justa, a entidade tem feito o possível para responder a todas as dúvidas, cumprir todos os requisitos e atrair o público mais amplo do futebol. Afinal, troféus grandiosos não são criados sem um propósito estratégico. Além disso, o fato de o torneio acontecer apenas 12 meses antes da Copa do Mundo, anunciada como o maior evento esportivo da história, só fortalece a narrativa em torno da competição.

    Mais do que tudo, será fascinante acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e descobrir se essa nova principal competição da FIFA encontrou um país ambicioso o suficiente para abraçá-la.

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