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Goodbye Goodison Park GFXGetty/GOAL

Adeus, Goodison Park: uma grande história de amor no estádio que fundou o DNA do Everton

Moro a 382 quilômetros de Goodison Park. Essa distância nunca foi menor do que é hoje, e, sinceramente, sempre foi absurda. Durante meus anos de universidade, chegou a quase 500 quilômetros. E, mesmo assim, sou torcedor do Everton Football Club.

A culpa é de Alan Ball e suas icônicas chuteiras brancas. Meu pai, embora tenha nascido em Leyton, no leste de Londres, e sem nenhuma ligação com a cidade de Liverpool, o viu jogando com elas em um episódio do Match of the Day ou do The Big Match, no início dos anos 1970. Ele jogava pelos Blues. E foi o bastante. Everton para sempre.

Há quase 50 anos, meu pai faz a peregrinação até Goodison, saindo de Kent para testemunhar alguns dos dias mais gloriosos (e também os mais sombrios) da história do clube. Neste fim de semana, vamos fazer essa viagem juntos, pela última vez.

O jogo de domingo (18) contra o Southampton será o último do Everton em sua casa espiritual, ao menos como a conhecemos. A notícia de que o time feminino se mudará para lá na próxima temporada, e de que o estádio será preservado, é mais do que bem-vinda — mas não vamos fingir que isso não é uma despedida.

No jogo contra o Ipswich Town, há algumas semanas, meu pai disse que “estaria bem”, ou seja, que não choraria, na despedida da Grand Old Lady. Mas eu tenho minhas dúvidas. Por mais belo que seja o novo estádio no cais de Bramley-Moore, deixar Goodison Park é bem inacreditável.

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  • Goodison Park 1996Getty Images

    Amor à primeira vista

    Minha primeira visão de Goodison Park ao vivo foi em 24 de fevereiro de 1996. Eu tinha oito anos. Aproveitamos a viagem para visitar alguns amigos da família que moravam ali por perto. O adversário do dia era o Nottingham Forest, mas não foi páreo para o time comandado por Joe Royle.

    As lembranças daquela idade são vagas, na melhor das hipóteses, mas me recordo de visitar a loja oficial do clube e, por algum motivo, de ver o meio-campista Anders Limpar do lado de fora, aparentemente pegando alguns produtos. Segui seu exemplo e comprei minha primeira camisa oficial, com "Kanchelskis" estampado nas costas. Era um luxo que custava uma libra por letra, para o desgosto dos meus pais, que só lamentaram o fato de Craig Short não ser meu jogador favorito.

    Naquela tarde, Duncan Ferguson, Dave Watson e Andrei Kanchelskis balançaram as redes, selando a vitória por 3 a 0 e também um dia perfeito para um garoto cada vez mais obcecado por futebol — e que, até então, nunca tinha visto seu time jogar em casa, muito menos em um lugar tão especial quanto Goodison.

    Hoje, olhando para trás, percebo que aquela experiência foi o início de algo muito maior. Já se passaram mais de 29 anos desde aquele dia e meu pai e eu seguimos fazendo a mesma longa jornada rumo ao L4. Ainda nos encantamos com a majestade de um dos grandes templos antigos do futebol. E ainda seguimos esperando que o Everton não esteja mal.

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  • Alan Ball Everton white bootsGetty Images

    A loucura de tudo isso

    Quando às vezes reflito sobre meu fanatismo pelo Everton — o que geralmente acontece no trem, voltando de mais uma derrota humilhante em casa, depois de gastar 150 libras e sacrificar metade do meu fim de semana por esse “prazer” — percebo o quão insano tudo isso é. A cor das chuteiras de Alan Ball, além, claro, de ele ser um jogador brilhante, determinou, de certa forma, uma parte enorme da minha vida.

    Seria mentira dizer que nunca culpei meu pai por não seguir os passos do pai dele e torcer pelo Leyton Orient. É um clube adorável e, o mais importante, fica a apenas meia hora de casa. Com certeza, teria conseguido ir a muito mais jogos ao longo dos anos, não teria irritado tantos amigos e namoradas desaparecendo nos sábados e tampouco estaria pagando pequenas fortunas à Avanti West Coast Trains por esse privilégio.

    Mas o Orient não é o Everton. E Brisbane Road não é Goodison. Apesar da distância, dos 30 anos sem um troféu e de todas as dificuldades envolvidas em torcer por um clube do outro lado do país, o fato de meu pai ter sido “infectado” pelo vírus azul todos aqueles anos atrás — e depois ter me passado isso — simplesmente parece certo. E nenhum de nós faria diferente.

    Como diz o velho ditado: 'Evertonianos nascem, não são fabricados. Nós não escolhemos, somos escolhidos. Aqueles que entendem não precisam de explicação. Aqueles que não entendem, não importam’. Eu não poderia concordar mais.

  • Joe Strange Goodison ParkJoe Strange

    Relacionamento único com Goodison Park

    Meu relacionamento com Goodison Park é um pouco diferente do da maioria dos torcedores que frequentam os jogos. Aqueles que podem simplesmente caminhar, pegar o carro ou subir em um ônibus e chegar à Grand Old Lady em 10 ou 20 minutos a cada duas semanas. Gente que, geralmente, não é afetada pelos horários dos jogos transmitidos na TV ou pelas partidas no meio da semana.

    Durante a adolescência e o início dos meus vinte anos, eu ia com mais frequência. Mas trabalhar nos fins de semana com mídia esportiva, acompanhar regularmente jogos fora de casa, me tornar pai e desenvolver uma obsessão um tanto questionável por golfe acabaram limitando minhas visitas a cinco ou seis por temporada nos últimos anos.

    A afirmação do meu pai de que ele não vai se abalar neste domingo vem do fato de não frequentar Goodison com a mesma regularidade dos sócios com ingresso de temporada. Mas, para mim, não poder ir toda semana só fez crescer meu carinho pelo lugar. Cada visita continua sendo especial, mesmo que os resultados e a qualidade do futebol muitas vezes deixem a desejar.

    Tive a sorte de pisar no gramado duas vezes também. Em ambas as ocasiões, mesmo que por um instante, parecia que meus sonhos de infância estavam se realizando com uma década de atraso. Era como se eu estivesse jogando pelos Toffees. Ainda mais emocionante foi ver meu pai entrar em campo e, com naturalidade, mandar uma bola para o fundo da rede da Gwladys Street. Simplesmente mágico.

    A ideia de sair dali pela última vez, independentemente do resultado contra o Southampton, é algo quase impossível de compreender. Como deixar para trás o único lar que conheci?

  • Everton Fan Group The 1878s Pre-Match Display PreparationsGetty Images Sport

    Os lugares ficarão marcados para sempre

    Vou sentir falta de tudo em Goodison. Caminhar pela County Road e avistar, ao longe, o gigantesco Main Stand pela primeira vez. Comer batatas fritas com molho curry — do tipo que mancha a roupa e o interior do carro — do takeaway Blue Dragon, do outro lado da rua. Tomar cervejas nos espaços apertados do Winslow Hotel e do The Brick.

    Percorrer o andar superior da igreja de St Luke enquanto meu pai negocia mais alguns cards de futebol para a coleção dele. Conversar com os amigos de sempre embaixo da estátua da Holy Trinity. Passar na loja oficial apenas para reclamar, mais uma vez, sobre o preço absurdo das camisas.

    Ficar de olho em lendas do passado caminhando pela Goodison Road. As incríveis recepções aos ônibus dos jogadores — que nos cobriam de fumaça azul, mas sem dúvida ajudaram o clube a sobreviver nos últimos anos. O som inconfundível das catracas da Gwladys Street marcando nossa entrada.

    Subir as escadas do saguão e ter aquele primeiro vislumbre dos aspersores molhando o gramado. Trocar sorrisos, apertos de mão e previsões com os torcedores ao nosso lado, com quem dividimos a arquibancada há mais de uma década. O rugido que ecoa quando Z-Cars começa a tocar. E o estrondo ainda maior quando os garotos de azul royal saem do túnel.

    O padrão inconfundível dos cruzamentos vindos da Bullens Road. As reações explosivas das quatro arquibancadas quando uma decisão duvidosa vai contra nós. E as comemorações, sempre acompanhadas por Spirit of the Blues e Forever Everton, quando conquistamos um bom resultado. Vou sentir falta de tudo isso.

  • New Everton Stadium Holds First Test EventGetty Images News

    Novos começos

    O que torna a despedida de Goodison Park um pouco mais fácil de suportar é o que nos espera a seguir. O Everton Stadium, como é conhecido por enquanto, será nossa nova casa de última geração, um investimento de 750 milhões de libras (R$ 5,6 bilhões) às margens do Mersey. Em muitos aspectos, ele não poderia ser mais diferente.

    Estar presente no local para o primeiro evento teste, em fevereiro, foi quase como trair um amor de infância. Goodison permaneceu ali, vazio e solitário, enquanto dez mil torcedores se encantavam com um modelo mais novo, mais moderno e atraente, saindo empolgados com a perspectiva de um novo começo em outro lugar.

    Apesar de uma série de falsos recomeços nos últimos 25 anos e das preocupações contínuas sobre nossa real capacidade de competir, é inegável que o Everton — e todos os envolvidos no projeto — fizeram um trabalho incrível ao entregar um estádio à altura de um momento definidor na história do clube.

    Talvez ele nunca consiga igualar Goodison em história, atmosfera ou emoção. Mas será, sem dúvidas, um dos melhores - senão o melhor - estádios do país quando estiver totalmente concluído para a próxima temporada. E o que mais poderíamos pedir?

  • Joe Strange Goodison Park 2Joe Strange

    Um adeus

    Goodison continuará existindo na próxima temporada e além. E embora todos os aspectos positivos dessa nova fase para o futebol feminino sejam indiscutíveis, talvez o que mais alivie o coração seja o simples fato de que não teremos que ver a Grande Velha Senhora sendo demolida diante dos nossos olhos.

    A distância até Goodison fez com que eu perdesse muitos dos seus maiores momentos — o gol do Big Dunc contra o Manchester United em 2005, os quatro marcados contra o Manchester City de Pep Guardiola, e aquele jogo contra o Crystal Palace, só para citar alguns. Mas também estive lá no dérbi de Lee Carsley, no petardo de Mikel Arteta contra a Fiorentina, no voleio tardio de James Tarkowski contra "aquele time do outro lado" e em tantos outros.

    Esses momentos estão gravados na minha memória. Não necessariamente pelo que aconteceu dentro de campo, mas pelo que nos fizeram sentir — a mim e a outros 37 mil Evertonianos — naquele exato instante. Júbilo puro, sem filtro. Descrença misturada com alívio. Coração partido, seguido de êxtase. A sensação, real e palpável, de pertencer a um lar. O nosso lar. Goodison Park. Mesmo para um rapaz e seu pai, vindos do sul.

    Graças a Deus, por Alan Ball, e suas chuteiras brancas.

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