O Real Madrid muito provavelmente fez a postagem mais importante/impactante na sua história moderna, de interação em redes sociais, ao divulgar um vídeo exibindo ligações entre o Barcelona e o General Francisco Franco, figura a qual o barcelonismo popular é historicamente antagônica. A mensagem do conteúdo publicado pelo clube da capital mostra que o Barça também teve suas ligações institucionais com o ditador que comandou a Espanha entre 1938 e 1973 – inclusive lhe conferindo honrarias.
É um tema delicado, que perpassa muito das impressões globais a respeito do que é, também, a rivalidade entre Real Madrid e Barcelona. A história mais popular resume, de forma bem maniqueísta, o clube merengue como o time da ditadura de Franco e o Barcelona como heróis da resistência, uma vez que o clube catalão serviu, de fato, como espécie de bálsamo da cultura e linguagem catalã em tempos de chumbo e, portanto, contrários a Franco. A realidade, contudo, foge um pouco deste maniqueísmo.
O contexto da postagem do Real Madrid é o de uma dura resposta a uma fala recente de Joan Laporta, presidente do Barcelona. Ao falar sobre o atual escândalo envolvendo o Barça e pagamentos feitos pelo clube ao ex-vice-presidente da comissão de arbitragem do futebol local, José Maria Enríquez Negreira, que pode gerar punições severas ao clube catalão, Laporta lembrou do histórico do seu arquirrival em ser ajudado por arbitragens e instituições.
“Gostaria de destacar o caso de um clube, o Real Madrid. Um clube historicamente favorecido, o clube do regime. Quero lembrar a vocês que em 70 anos de história, a maioria das pessoas que escolheram juízes foram diretores, membros ou jogadores do Real Madrid. Às vezes, tudo ao mesmo tempo. O Real Madrid se dizer vítima de corrupção esportiva é um ato de cinismo máximo. Depois do período de maior sucesso da história do Barcelona. Não há coincidências, há uma campanha para nos desestabilizar”, disse o mandatário barcelonista.
A resposta madridista, em vídeo e em conteúdo, foi dura: “Qual foi a equipe do regime? O Camp Nou foi inaugurado pelo ministro geral de Franco, José Solís Ruiz; O Barcelona outorgou a Insginia de Oro y Brillantes a Franco. O Barcelona nomeou Franco sócio de honra em 1965. O Barcelona condecorou Franco em três ocasiões. O Barcelona foi salvo três vezes de quebrar com três requalificações por Franco; O Barcelona ganhou oito ligas e nove copas com Franco. Com Franco, o Real Madrid levou 15 anos para ganhar a liga; O Real Madrid ficou desmantelado na guerra civil. Jogadores foram assassinados, detidos e exilados, como relata o documentário de Santiago Bernabéu (que deu nome ao estádio do Madrid). Quem é o clube do regime?", acusa o clube da capital no vídeo publicado em suas redes sociais.
Tudo isso ajuda a mostrar como são, costumeiramente, as ligações entre futebol e regimes políticos que desejam se beneficiar do apelo do esporte. A ligação mais conhecida do Real Madrid com Franco foi a de o clube merengue ser uma espécie de embaixada itinerante espanhola na Europa, na época em que enfileirava títulos europeus entre as décadas de 1950 e 1960. Títulos estes, que tiveram Di Stefano como figura de protagonismo. O mesmo Di Stefano que só vestiu a camisa madridista, mesmo após também ter assinado pelo Barcelona, por causa de uma intervenção governamental do governo de Franco em meio a uma confusão burocrática de seus contratos com os dois clubes. Sim, Di Stefano havia assinado, ao mesmo tempo, por merengues e culés.
O maior Real Madrid da história era símbolo de vitória, portanto propagava uma agenda positiva que era rara à Espanha naquela mesma época – em um contexto após a Segunda Guerra Mundial, na qual regimes fascistas, como o de Franco, passaram a ser mal-vistos como sempre devem ser.
O vídeo-resposta do Real Madrid ao Barcelona, contudo, mostra de forma escancarada, para todos verem, que não foram os merengues os únicos beneficiados. Até quem você pode imaginar que possa estar rindo de tudo isso, o Atlético de Madrid, também tem o seu ‘teto de vidro’ histórico, uma vez que durante parte daquele período franquista os colchoneros se beneficiaram de ligações com a aeronáutica espanhola para a formação de seu time.
Em uma história de luta contra o fascismo e autoritarismo, a certeza nesta guerra de narrativas é que os lados envolvidos foram tanto beneficiados quanto feridos. O Barcelona teve um de seus presidentes morto durante o período da Guerra Civil Espanhola, que pôs Franco no poder nos anos 1930. Josep Sunyol é lembrado até hoje como um mártir na Catalunha. Mas o Madrid também tem o seu exemplo institucional: Rafael Sánchez Guerra foi perseguido pelo franquismo inúmeras vezes, preso em mais de uma oportunidade até conseguir, enfim, fugir para o exílio na década de 1940. Entre beneficiados e vítimas, o que fica claro é que não há um lado absolutamente bonzinho nem outro completamente malvado em relação aos clubes de futebol. De qualquer forma, o episódio recente marca uma das maiores brigas no grande confronto de narrativas que é um Real Madrid x Barcelona.




