Quem lembra? Ricardo Quaresma, o rei da trivela que achou que poderia ser Bola de Ouro

A reputação de Quaresma como um "bad boy" com grande talento pode ser atribuída à sua infância difícil, marcada pela pobreza e discriminação.

"Nos olhos dos outros, eu sempre fui culpado de ser cigano. Eu era uma criança irritada com isso," disse ele à TV SIC em 2016. "Um dia, um casaco desapareceu da escola e os pais imediatamente começaram a dizer que tinha sido o cigano. Mais tarde, perceberam que não era eu. Estou orgulhoso de quem sou e dos pais que tenho. Se tenho essa força e personalidade, é porque já passei por muito. Nossa casa era muito pequena, mas conseguíamos dormir e comer. Minha mãe nunca me deixou faltar nada. Ela tinha vários empregos."

O futebol foi sua válvula de escape. Ele se destacou na base do Sporting CP e estreou aos 17 anos em um jogo contra o Porto, mostrando um desempenho impressionante desde o início.

Em sua primeira temporada no time principal, Quaresma teve um desempenho excepcional, contribuindo com cinco gols e seis assistências em todas as competições, ajudando o Sporting a conquistar o título da liga portuguesa e a Taça de Portugal.

Juntamente com Cristiano Ronaldo, eles formaram uma dupla promissora, mas o Sporting teve que vendê-los devido a dificuldades financeiras após apenas duas temporadas de Quaresma e uma de CR7.

Quando Ronaldo foi para o Manchester United e se tornou um dos maiores jogadores de todos os tempos, Quaresma foi para o Camp Nou para se juntar ao Barcelona de Frank Rijkaard.

Esperava-se que fosse um passo rumo à grandeza para o jovem de 19 anos, mas a vida na Catalunha não foi gloriosa como ele esperava. Na verdade, foi uma colisão de dois estilos opostos. Rijkaard tentou impor disciplina tática, mas Quaresma preferia jogar com ousadia. Ele teve uma chance no início, mas depois foi deixado de lado sem explicações.

Ele disse anos depois: "Mesmo hoje, não entendo o que aconteceu comigo no Barcelona porque, no começo, comecei a jogar e as coisas estavam indo bem, mas, de repente, o pior momento da minha vida chegou e o treinador não me deu nenhuma explicação... Eu queria que ele jogasse de uma certa maneira e eu tentei fazer isso. Mudei a maneira como jogava para agradá-lo, mas sempre alcançava o mesmo resultado: estava no banco ou na arquibancada. Então decidi jogar o meu futebol e fomos para a guerra."

Essa experiência o deixou reflexivo, e ele admitiu que talvez não estivesse preparado para o tamanho do clube. Seu controverso período no Barcelona também afetou sua carreira na seleção nacional de Portugal, já que não conseguiu espaço entre os convocados para a Euro 2004 e acabou rebaixado para a equipe sub-21 após sua chegada ao clube catalão.

Não havia clima para Quaresma no Barcelona após ele se recusar a jogar para Rijkaard. Quando o Porto o procurou, ele deixou o Camp Nou após começar apenas 10 de suas 22 partidas em La Liga e marcar um gol em todas as competições. De volta a Portugal, ele rapidamente recuperou seu estilo vibrante.

Na primeira temporada, marcou cinco gols, embora o Porto tenha terminado três pontos atrás do Benfica. Na seguinte, ajudou o Porto a conquistar o título da liga e a taça, com cinco gols, 11 assistências e sendo eleito Jogador do Ano.

Quaresma continuou se desenvolvendo como um atacante magnífico, sendo vital no sucesso do Porto com seus dribles e a famosa trivela. O Porto conquistou mais dois títulos consecutivos da liga, e Quaresma foi cada vez mais arrasador.

"Se eu tivesse feito no Barcelona o que fiz no Porto, estaria no mesmo nível dos grandes para ganhar uma Bola de Ouro", disse ele anos depois. Meses após Quaresma ganhar seu terceiro título da liga com o Porto, Cristiano Ronaldo ganhou sua primeira Bola de Ouro.

"Mas é a vida, temos oportunidades e aproveitamos ou não, e não há necessidade de se arrepender. Agora estou feliz porque realizei meu sonho e também joguei pelo Porto, um grande clube onde fui muito feliz e bem acolhido. Como jogador e pessoa, estou feliz e grato pelas oportunidades no Barcelona e no Porto."

A chegada de Quaresma ao Porto coincidiu com a saída de José Mourinho para o Chelsea após vencer a Champions League em 2004. No entanto, eles se encontraram quando Mourinho levou Quaresma para a Inter de Milão.

Para Quaresma, era uma nova chance de se provar em uma das ligas mais prestigiadas e superar os problemas do Barcelona. Mas, foi ainda pior. Ele marcou um belo gol na estreia contra o Catania, mas não conseguiu manter o sucesso. Mourinho exigia mais disciplina do que Quaresma estava disposto a oferecer, e ele foi rapidamente deixado de lado, sendo emprestado ao Chelsea no meio da temporada. Para piorar, foi eleito o pior jogador da Serie A.

Em Londres, a passagem de Quaresma também foi desastrosa. Jogou em quatro dos primeiros seis jogos da Premier League, mas foi dispensado por Luiz Felipe Scolari e retornou à Inter no final da temporada.

Em 2009/10, Quaresma teve participações esporádicas na Série A e desempenhou um papel mínimo na conquista da tríplice coroa da Inter, mas o suficiente para ganhar uma medalha.

Anos depois, Quaresma refletiu: "Na Inter, aconteceram coisas que me machucaram. Mourinho é um grande treinador, mas houve coisas que me magoaram."

Em 2010, com Mourinho indo para o Real Madrid, Quaresma foi vendido ao Besiktas e começou bem, marcando 11 gols e ajudando a conquistar a Taça da Turquia. Mostrou mais maturidade, sendo capitão em algumas ocasiões na sua segunda temporada.

No entanto, sua verdadeira personalidade apareceu quando foi substituído cedo em um jogo da Champions League, resultando em uma briga com o técnico Carlos Carvalhal. O então camisa 7 foi suspenso e deixou o clube em janeiro de 2012 para o Al-Ahli, de Dubai, onde jogou apenas 10 partidas antes de ser dispensado.

“No mundo do futebol é preciso dizer o que as pessoas gostam de ouvir e eu não sou assim”, disse Quaresma certa vez. "Eu digo o que penso e às vezes isso não agrada às pessoas.".

Após meses livre no mercado, voltou ao Porto em janeiro de 2014 e obteve sucesso mais uma vez. Após um ano e meio, decidiu voltar ao Besiktas, onde venceu o título da liga em 2015/16, apesar de algumas suspensões.

Esse sucesso ajudou Quaresma a ganhar a confiança do técnico de Portugal, Fernando Santos, para a Euro 2016. Jogou em todos os jogos e a seleção portuguesa conquistou o título após vencer, por 1 a 0, a França na final.

Desde sua estreia na seleção em 2003, Quaresma teve altos e baixos, entrando e saindo da equipe por vários - e agora óbvios - motivos ao longo dos anos. A vitória na Euro 2016 foi o auge, mas não o fim de sua carreira pela seleção. Ele fez sua primeira aparição em uma Copa do Mundo em 2018 aos 35 anos, marcando um belo gol de trivela contra o Irã.

Após o sucesso na Euro 2016, Quaresma retornou ao Besiktas para desempenhar um papel crucial na conquista de mais um título da Super Lig. Após cinco anos no clube de Istambul, ele passou uma temporada no Kasımpasa antes de voltar a Portugal para duas temporadas no Vitoria Guimarães.

E assim terminou uma carreira tão bombástica - não com um estrondo, mas com um sussurro. O tempo de jogo de Quaresma diminuiu no Vitoria e ele se afastou definitivamente do futebol.

O outrora emocionante, irritante, mas eternamente divertido ponta nunca mais voltou aos gramados e agora vive uma vida relaxada, desfrutando do tempo com sua família.

Após uma carreira tão agitada, repleta de altos e baixos em seis países diferentes, um número respeitável de troféus com alguns dos maiores clubes da Europa e glória continental com sua seleção nacional, Quaresma merece descanso. Felizmente, não tem mais batalhas para enfrentar.