De uma proeza no ar contra a União Soviética na final da Eurocopa de 1988, à angustiante volta de despedida no Giuseppe Meazza em 18 de agosto de 1995, antes do Troféu Berlusconi, a carreira do “Cisne de Utrecht”, que Silvio Berlusconi descrevia como “o Nureyev do futebol” é rica em instantâneos momentos, destinados a permanecer para sempre na história do futebol.
Existem, antes de tudo, os gols de Marco. Muitos e belíssimos, marcados de várias formas. No total, 314, dos quais 277 por clubes, 24 com a seleção principal da Holanda e 13 com a seleção sub-21. Anotados de forma meticulosa em seus cadernos, como lhe ensinara o pai Joop.
Há antes de tudo aquele que talvez seja o mais bonito da história das Eurocopas, alguém diria em absoluto, marcado na partida mais importante para a Holanda, a final da Euro 88 contra a União Soviética. É aos nove minutos do segundo tempo, quando os holandeses já estavam em vantagem graças a um gol de cabeça de Ruud Gullit, que Van Basten decide entrar para sempre na história do futebol.
Muhren, pela esquerda, faz um cruzamento longo. A bola passa por Gullit, posicionado no centro da área e alcança Van Basten, que está em uma posição muito deslocada no segundo pau. Todos pensam em um cruzamento para o centro, mas o centroavante em uma fração de segundo se coordena perfeitamente e com uma conclusão espetacular e poderosa no ar dobra as mãos de Dasaev, na época um dos melhores goleiros do mundo, assinando um dos gols mais icônicos da história do futebol. O que dará à Holanda a certeza de seu primeiro (e até agora único) título.
Em termos de técnica e espetacularidade, é preciso lembrar pelo menos outros dois. O primeiro ele realizou jovem no Campeonato Holandês com a camisa do Ajax em 9 de novembro de 1986 e é “a imagem da beleza”, como o próprio Marco definirá. É aos 25 minutos do segundo tempo, e os adversários do Ajax acabaram de diminuir o placar para 2 a 1. Van’t Schip abre pela direita para Wouters, que faz um cruzamento para trás em direção à marca do pênalti. Van Basten dá uma bicicleta de tirar o fôlego, mandando a bola no ângulo do lado oposto.
Assim o centroavante conta aquele gol em sua autobiografia “Fragile”:
“Sei o que estou prestes a fazer, mas ainda não sei se o resultado será aceitável. Pode acabar mal. É um cruzamento para trás, então as opções são poucas. Sempre há o cabeceio, mas minha solução é provavelmente melhor. A bola flutua no vazio… […] Aproveitando a velocidade, chega rapidamente a me virar, e consigo ficar suspenso para trás, no ar. Isso é ginástica de alto nível. Normalmente para saltar me impulsiono com a perna direita, desta vez com a esquerda… […] É um equilíbrio precário, em que tudo deve se ajustar. Você pode colocá-la para dentro, assim como quebrar o pescoço. E no final há o giro… […] O meu é um chute de direita… […] Aterro bem, em um braço. Volto a tocar o chão no momento em que a bola entra no ângulo”.
Sempre em acrobacia, não se pode deixar de citar, com a camisa do Milan, a proeza na partida da Champions League contra o IFK Gotemburgo em 25 de novembro de 1992 no Estádio Giuseppe Meazza. Marco naquela partida está simplesmente devastador, como um ciclone que abate os desventurados suecos e o pobre goleiro Ravelli, completamente aniquilado. Marca quatro gols, tornando-se o primeiro jogador a fazer um "poker" no torneio, e o terceiro é o mais bonito da noite, provavelmente o mais espetacular marcado com a camisa rossonera.
Estamos nos 16 minutos do segundo tempo, o Milan já vence por 2 a 0, e Eranio avança pela direita da área, para então fazer um cruzamento para trás que surpreende os defensores escandinavos. Van Basten, como sempre, lê perfeitamente a trajetória e em poucos segundos arma uma acrobacia e de bicicleta acerta violentamente a bola, que entra à esquerda de Ravelli. Uma obra-prima de tempo, precisão e coordenação.
Mas a iconografia futebolística de Van Basten vai muito além dos gols antológicos. Ela é feita de momentos inesquecíveis e um turbilhão de emoções. A estreia no time principal do Ajax, saindo do banco para substituir ninguém menos que seu mestre e ídolo Johan Cruyff. Os treinos lado a lado com Johan, os duelos entre os dois, e depois a química perfeita com Gullit e Rijkaard, formando o lendário trio holandês no Milan. As comemorações com o dedo apontado para o céu, as danças improvisadas na bandeirinha de escanteio, o salto característico antes de bater pênaltis. Os confrontos duros — e sem piedade — contra os marcadores mais implacáveis da época: Pietro Vierchowod, Riccardo Ferri, Pasquale Bruno, Jürgen Kohler, Sergio Brio.
E há ainda o número 12 incomum nas costas durante a Euro de 1988, a explosão de alegria pela conquista da Champions League em Barcelona, o título europeu com a seleção holandesa e a segunda Copa Intercontinental, dessa vez contra o Olimpia. Depois vieram os rostos contorcidos pela dor, quando o tornozelo já não dava trégua. A frustração pelo Scudetto perdido para o Napoli em 1990, as lágrimas silenciosas após as derrotas na semifinal da Euro 92, nos pênaltis contra a Dinamarca, e na final da Champions de 1993, no Olímpico de Munique, contra o Olympique de Marseille.
E então, em 18 de agosto de 1995, foi ele quem fez chorar os torcedores do Milan e os amantes do futebol ao redor do mundo. Na despedida no San Siro, antes do Troféu Berlusconi, Van Basten voltou ao campo — não como jogador, mas como memória viva. Vestia uma jaqueta de camurça. Parecia inteiro, mas já era ausência. O homem que fizera tantas crianças se apaixonarem pelo futebol se despedia, aos 30 anos, do jogo que era sua vida.
“Diante de oitenta mil olhos, sou testemunha da minha despedida. Marco van Basten, o jogador de futebol, não existe mais”, escreveria mais tarde em sua autobiografia. “Vocês estão vendo alguém que já não está aqui. Estão aplaudindo um fantasma. Corro e bato palmas, mas estou ausente… […] Lá do fundo, a tristeza sobe. Me invade. O coro e os aplausos atravessam minha armadura. Quero chorar, mas não posso me desfazer em lágrimas aqui, como uma criança. Tento me manter calmo… […] Paro de correr, paro de aplaudir. A volta terminou. Algo mudou. Algo essencial. O futebol era a minha vida. E hoje, ela se foi. Morri como jogador. Estou aqui, convidado no meu próprio funeral.”