Poucas vezes um empate sem gols foi tão comemorado na Alemanha. E com toda a razão! Nesta segunda-feira (27), o Union Berlin conseguiu segurar o ataque do Stuttgart e garantiu, pela primeira vez em sua história, presença na Bundesliga. A partir da próxima temporada, a elite do futebol alemão contará com um dos clubes com história mais única no esporte mundial, símbolo de luta e resistência no passado e presente.
Acesso inédito
Depois de quase dez anos na segunda divisão, o Union sacramentou enfim a sua passagem para a Bundesliga ao bater o Stuttgart no playoff que decide a última vaga de acesso ou rebaixamento. Funciona da seguinte maneira na Alemanha: os dois últimos colocados da primeira divisão caem diretamente para a segunda, enquanto campeão e vice da segunda têm vaga garantida na primeira. O terceiro colocado da 2.Bundesliga (nome da segundona) enfrenta o antepenúltimo da elite e tem apenas a vantagem do empate para subir através de encontros de ida e volta.
O desafio para subir não era nada fácil: o Union teve pela frente o Stuttgart, que decepcionou na Bundesliga apesar de contar com nomes como o atacante Mário Gomez e do lateral-direito Benjamin Pavard – autor do gol mais bonito da Copa do Mundo de 2018, pela França sobre a Argentina, e já negociado com o Bayern. No duelo de ida, tudo igual na Mercedes-Benz Arena: 2 a 2. O empate sem gols desta segunda-feira deu início às festas no Stadion Alte Försterei – um dos tantos símbolos de amor entre os torcedores alvirrubros com o clube.
Um estádio único sob todos os sentidos
Mosaico antes do jogo histórico contra o Stutrgart (Foto: Getty Images)
O Stadion Alte Försterei é um personagem à parte do clube berlinense. Em 2014, por exemplo, foram espalhados mais de 700 sofás no gramado do local para que os torcedores pudessem, juntos, assistir à campanha – vitoriosa – da Alemanha na Copa do Mundo realizada no Brasil.
Poucos torcedores sentem-se tão em casa quanto os do Union (Foto: Getty Images)
Anos antes de receber sofás, o estádio passou por uma obra na qual os próprios torcedores colocaram “a mão na massa” para construírem novos lances de arquibancadas. Entre 2008 e 2009, cerca de 2500 pessoas participaram das obras.
Resistência contra a Stasi, a Polícia Secreta da Alemanha Oriental
Getty ImagesMuro de Berlin, à frente do Portão de Brandemburgo (Foto: Getty Images)
O carinho pela casa também é uma forma de gratidão. Depois de fundações e refundações, o clube voltou à vida do jeito como hoje é conhecido em 1966. Uma época de Alemanha dividida entre as esferas capitalista (Ocidental) e comunista (Oriental). Uma separação materializada pelo muro construído em 1961, sob o contexto da Guerra Fria que perdurou até a simbólica queda deste muro em 1989.
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Dentro da ditadura na Alemanha Oriental, a Polícia Secreta (Stasi) ditava muitas das prisões de quem tentava atravessar o muro ou se colocava abertamente contra o sistema. A Stasi também tinha como time o Dynamo Berlin, equipe que dominava os títulos da Alemanha Oriental sob circunstâncias pra lá de duvidosas: a influência política obrigava alguns nomes a se transferirem ao clube e, muitas vezes, a influência chegava até mesmo aos quadros de arbitragem.
Getty ImagesA Stasi investigava torcedores do Union que compareciam às arquibancadas do estádio (Foto: Getty Images)
É por isso que o Union Berlin criou um lema, que muito tem a ver com seu DNA proletário, de luta pelos seus direitos: “Nem todo torcedor do Union é inimigo do Estado, mas todos os inimigos do Estado são torcedores do Union”. Ainda que a máxima nem sempre se confirmasse, fato é que as arquibancadas do Alte Försterei ajudaram a reunir críticos do sistema. A tal ponto que a própria Stasi investigava, secretamente, os torcedores do Union que costumavam comparecer aos jogos. Depois da reunificação da Alemanha, o Dynamo foi perdendo sucessivamente a sua importância. O mesmo não aconteceu com o Union.
Em prol dos refugiados, contra o futebol moderno
Getty Images(Foto: Getty Images)
E se jamais foram conhecidos pelas vitórias, inexistente nos principais torneios ainda em disputa, os torcedores do Union possuem ainda hoje um traço semelhante aos de clubes como Borussia Dortmund e St.Pauli: a luta em defesa aos imigrantes, inclusive abrindo as portas de seu estádio para receber refugiados durante o rigoroso inverno alemão.
Além disso, torcedores já se manifestaram algumas vezes contra o “futebol moderno” simbolizado pelo RB Leipzig – que pertence à RedBull.
O Union Berlin é um dos tantos clubes que ajudam a contar a história da Alemanha como país. E sem uma narrativa de triunfos em campo, tem sua mística justamente pelos traços de resistência. Um traço que promete estar dentro e fora de campo na campanha dos berlinenses para a próxima temporada.
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Getty ImagesInvasão do gramado após o acesso histórico! Agora é resistir também na Bundesliga (Fotos: Getty Images)
Por enquanto, o clima é todo de comemoração: gramado invadido pelos torcedores logo após o acesso ser garantido, jogadores levantados pela multidão e muita cerveja. Não tenha dúvidas: o Union Berlin será um dos pontos altos na Bundesliga 2019-20.




