De todas as maneiras possíveis de chegar em uma Copa do Mundo, uma das piores pode ser a de estar invicta. É verdade que a seleção argentina não tem nada a ver com as campanhas de marketing ou os dois documentários que saíram em plataformas diferentes (Netflix e Amazon Prime Video), que destacaram o feito heroico da Copa América, mas também é uma realidade que essas produções que são detalhadas na série têm repercussões diretas nas ações dos jogadores que compõem a seleção.
A seleção argentina de Lionel Scaloni é um time de sucesso, que ficou 36 jogos invicto. É um ciclo que, praticamente, não conheceu o sabor da derrota com o novo treinador, além de se formar muito mais em alianças e alegrias do que em golpes e derrotas.
Nesse contexto, após a conquista da Copa América de 2021, os laços ficaram tão fortes que hoje parecem impossíveis de serem desfeitos. Mas a estreia da seleção argentina, contra a Arábia Saudita, na Copa do Mundo, levanta outra realidade.
A sensação foi a mesma durante toda a partida, mesmo depois do gol de pênalti de Messi. A equipe não conseguiu propor o jogo e esteve completamente sem reação. A criação de espaços e possibilidades de criar perigo de gol são geradas a partir dos movimentos sem bola.
Se um jogador permanecer no mesmo lugar do campo por 90 minutos, ele é sacado. Se um jogador faz um esforço para desmarcar, ocupa espaços vazios, faz um desgaste significativo para antecipar, para ganhar um craque, quase sempre terá vantagens. Mas, para isso, é preciso uma boa condição física e uma mentalidade de superação, uma ideia de querer jogar sempre. Contra a Arábia Saudita, a seleção não teve nenhum jogador capaz de gerar isso. Era um complexo de jogadores trotando ao lado dos rivais.
Neste contexto, o treinador torna-se peça chave. Contra a Arábia, parecia que Scaloni não conseguiu ler a situação do time com antecedência. O contexto, na verdade, permitiu para fazer mudanças no intervalo, tentar variações do esquema que havia caído na armadilha - por centímetros- do bloco apertado do time árabe.
Quando decidiu mudar, porém, optou por Enzo Fernández por Paredes, Julián Álvarez por Papu Gómez e Lisandro Martínez por Cuti Romero, já com 2 a 1 no placar, não funcionou.
Além de se classificar para as oitavas de final, a Argentina precisa recuperar a confiança, voltar a acreditar. Para isso, Scaloni precisará tomar decisões fortes. É claro que Rodrigo De Paul é fundamental no ciclo, mas se ele mal jogou pelo Atlético de Madrid durante todo o ano e não tem ritmo... deveria jogar?
Além disso, é claro que Cuti Romero é um jogador de ponta que sempre deu certo, mas se ele chega com várias lesões que o deixaram de fora das convocações consecutivas no Tottenham... ele deve ser uma opção real?
Leandro Paredes agrada a comissão técnica e já mostrou que sabe fazer o trabalho pedido. Mas, na estreia, custou-lhe caro. Mas também não é uma irrealidade substituí-lo. Foi mais um espelho de sua temporada, na qual jogou como titular nos últimos dez com a Juventus. Ele tem ritmo suficiente para ser o meio-campista central durante uma Copa do Mundo?
Há um vínculo óbvio quase inquebrável. Mas a situação na Argentina pode acabar exigindo outra coisa. Talvez levante a necessidade de quebrar uma aliança - um casamento entre alguns jogadores e o treinador - que é intenso e difícil. O jogo com o México, como foi bem analisado internamente, é uma prévia das oitavas de final. Uma derrota te deixa de fora. Até lá, pode ser hora de observar as alianças e pensar nos "divórcios".
