Tetra do Manchester City e fracassos na Europa abalam posto de "melhor liga do mundo" da Premier League

O domínio escancarado do City leva a comparações com o Campeonato Alemão, o que não é um elogio. A Bundesliga viu o Bayern enfileirar 11 títulos consecutivos entre 2012 e 2023 até ser interrompido pelo Bayer Leverkusen de Xabi Alonso neste ano.

Nenhum torneio que tem o mesmo vencedor todos os anos é bem valorizado. Os ingleses enchiam a boca para ironizar Bundesliga e Ligue 1 chamando-as de "liga de fazendeiros", mas agora é o torneio britânico que passa pelo mesmo processo que estes campeonatos enfrentam há anos. O PSG conquistou dez das últimas 12 edições do Campeonato Francês, mas há poucos que vão gastar saliva para argumentar que o projeto do Paris Saint Germain é bem sucedido.

Isto leva a outro fator fundamental que enfraquece o poder simbólico da Premier League. Não fosse a conquista da Champions League 2022/23, o tetra de Guardiola enfrentaria uma mancha de que não conseguiria alcançar o real topo do mundo. E com a eliminação para o Real Madrid na semifinal desta temporada, a campanha em 2023/24 é sem dúvida positiva, mas não tudo o que o torcedor gostaria. Mesma situação que PSG e Bayern encaram há anos. Ganhar a liga deixa de ser suficiente.

O Campeonato Italiano passou por processo parecido quando a Juventus venceu o Scudetto nove vezes seguidas. O domínio da Velha Senhora ocorria em paralelo com o enfraquecimento do futebol local. Os times do país passavam longe de serem protagonistas nos grandes torneios europeus, e a seleção conseguiu a façanha de não se classificar para duas Copas do Mundo seguidas (2018 e 2022). O fato de Inter de Milão, Milan e Napoli terem buscado a taça recentemente foi celebrado por todos que gostam do "calcio", até porque durante a hegemonia da Juve até mesmo o valor dos direitos de TV da Serie A caíram. Quem quer ver uma liga que tem sempre o mesmo campeão?

Desde que o Leicester se tornou a grande zebra da década ao conquistar a temporada 2015/16, o Manchester City venceu seis de oito edições. Não fosse o Liverpool quebrar seu jejum em 2020, Guardiola poderia estar comemorando um hepta neste mês de maio.

E fica a dúvida: tem como competir com o poderio dos Citizens? É claro que vários outros clubes são endinheirados e possuem donos com os cofres cheios, mas o fato de o City estar ligado à família real de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, é um diferencial que ocorre em poucos times pelo mundo. Não é um bilionário pessoa física que vai sentir o bolso esvaziando, é um país.

E isto dá a paz para que Guardiola trabalhe como quiser. Ao chegar, levou à saída sem muita cerimônia de dois ícones do clube, Yaya Touré e Joe Hart, que não se encaixavam nos planos do técnico catalão. E o treinador tem a possibilidade de gastar cifras altas - como as 42 milhões de libras desperdiçadas em Kalvin Phillips em 2022 ou os 117,5 milhões de euros pagos por Jack Grealish - sem que a cobrança seja a mesma que ocorreria para outros treinadores.

E o dinheiro, claro, não é o único ponto destacado por quem critica o Manchester City. O clube tem 115 denúncias de quebra de regras financeiras que seguem sem serem esclarecidas. Isto em uma temporada em que times de menor poder como Everton e Nottingham Forest perderam pontos por violações de fair play financeiro. O que significará para a imagem da Premier League caso uma punição concreta enfim ocorra contra os Citizens? Que imagem passará para o mundo caso o seu maior campeão dos últimos anos receba uma pena pesada para alguma das 115 denúncias?

Em seu tradicional estudo sobre o valor dos clubes, a Deloitte apontou em janeiro oito clubes ingleses entre os 20 mais valiosos do mundo. O Manchester City só perdeu a liderança para o Real Madrid. Um time de meio de tabela como o West Ham aparece em 18º, enquanto equipes tradicionais como Ajax, Benfica, Porto, Roma, Lazio e Bayer Leverkusen nem figuram no Top 20.

Impulsionados pela venda de direitos de transmissão e uma divisão mais equilibrada destes fundos, um time fora do "Big Six" (Manchester United, Manchester City, Arsenal, Chelsea, Liverpool e Tottenham) consegue competir com times de relevância da Europa e do resto do mundo por contratações, além de ter como trunfo a grife de "jogar na Premier League".

Entretanto, os resultados no cenário internacional apontam que a qualidade dos times da Inglaterra pode não ser o que tanto se fala. Isto vale tanto para os gigantes quanto para os mais modestos, ainda que endinheirados. Na Champions League 2023/24, Manchester United e Newcastle caíram na fase de grupos em último lugar de suas chaves. Arsenal e City, os times que duelaram pela taça do Campeonato Inglês, caíram nas quartas de final para, respectivamente, Bayern e Real Madrid.

Na Europa League, em que não há clubes do quilate de Real e Bayern, os ingleses também dançaram nas quartas. O West Ham perdeu com honra para a sensação Leverkusen, mas o Liverpool tomou um 3 a 0 em casa da Atalanta que mais tarde significaria a eliminação. Nem mesmo na Conference League o desempenho foi tão melhor. O elogiado Aston Villa de Unai Emery - que vai disputar a Champions 2024/25 - foi despachado na semifinal pelo Olympiacos com um 6 a 2 no agregado. Muito pouco para a suposta melhor liga.