Kylian Mbappé e PSG: como o conto de fadas se tornou um novelão

Os campeões franceses até podem acabar recebendo algum tipo de compensação financeira - Mbappé poderia abrir mão de certos bônus a que tem direito ou até mesmo das luvas -, mas o preço que os parisienses pagarão por perder o melhor jogador do mundo no que se refere a acordos de patrocínio, oportunidades comerciais e seguidores nas redes sociais é inestimável.

Mesmo quando Neymar e Lionel Messi estavam no elenco, Mbappé ainda era o jogador mais valioso do PSG em todos os sentidos. Ele não era apenas um dos grandes talentos do jogo, mas também um herói local.

Claro, idealmente, Mbappé teria levado o PSG ao seu primeiro título da Liga dos Campeões - e ele ainda pode fazer isso, aliás. Mas esse conto de fadas há muito tempo já se transformou em farsa.

O interesse do Real Madrid em Mbappé - e vice-versa - é antigo. Os Blancos convidaram o garoto para visitar o centro de treinamento do clube em 2012. O Madrid também concordou em um acordo com o Monaco para contratar Mbappé, no meio de 2017, mas o adolescente acabou optando pelo PSG.

"Não foi apenas uma questão de dinheiro", disse Luis Ferrer, que fez parte da equipe de recrutamento do PSG por 10 anos, à GOAL. "Foi totalmente diferente, levou tempo, meses e meses. Ele tinha acabado de ter uma campanha incrível com o Monaco e todos sabiam que ele era uma joia, mas também sabíamos que era a prioridade do Madrid".

"Então, o Madrid estava lá e não havia como impedir isso. [O Madrid também era o sonho de Mbappé] - por isso sabíamos que havia muito trabalho a fazer".

"Tivemos que pensar em boas ideias. Todos colaboraram para fazer isso funcionar. Mas minha ideia era dizer a Mbappé para se juntar ao PSG primeiro, já que a Copa do Mundo (2018) estava chegando e lá ele teria lugar garantido no time titular. Algo que talvez o Madrid não pudesse prometer", explicou.

"Fizemos essa promessa porque acreditávamos em seu talento. É algo muito raro, só prometi uma vez a um jogador de futebol que ele jogaria com certeza. Normalmente é o treinador que faz isso, mas como [o ex-técnico do PSG] Unai [Emery] estava envolvido nas negociações..."

De fato, Emery desempenhou um papel crucial ao convencer Mbappé e seus pais de que o PSG era a melhor opção para ele naquela fase da carreira.

A ideia de retornar a Paris também atraiu Mbappé. "Sempre disse que queria fazer história na França, na capital, em meu país, em minha cidade", disse ele, ao Canal+.

"Acho que o futebol é simplesmente diferente para nós. É essencial", também disse em outra oportunidade, ao Players' Tribune. "É todos os dias. É como pão e água", seguiu. "Em Bondy (comuna francesa em Paris, onde ficam as categorias de base do clube), você aprende valores que vão além do futebol. Aprende a tratar todos da mesma forma, porque estão todos no mesmo barco. Todos sonham o mesmo sonho".

Consequentemente, ele retornou a Bondy após ser oficialmente apresentado como jogador do PSG, em setembro de 2017, para conhecer e cumprimentar a próxima geração de crianças que sonham em seguir seus passos.

O evento pode ter sido organizado pelo principal patrocinador de Mbappé, a Nike, mas também foi tremendamente benéfico do ponto de vista do PSG. Bondy era uma das melhores fontes de talento para o futebol em todo o mundo. Portanto, ter Mbappé como garoto-propaganda foi uma publicidade inestimável para o PSG.

É claro que Mbappé também entregou em campo. Atualmente, está a caminho de terminar como o artilheiro da Ligue 1 pela sexta temporada consecutiva e já ultrapassou Edinson Cavani como o jogador com mais gols na história do PSG.

No entanto, como Mbappé enfatizou, à época: "É uma conquista pessoal, mas também vim em busca de conquistas coletivas". Mesmo naqueles dias, já era clara a insatisfação de Mbappé com o progresso do PSG e os fracassos na Champions League.

E o francês parecia destinado a sair gratuitamente, em 2022. O Madrid estava praticamente certo de que finalmente havia conseguido seu atacante, mas Mbappé deu uma reviravolta dramática ao optar por ficar em Paris após ser prometido ainda mais dinheiro - e ainda mais poder.

O PSG negou ter feito de Mbappé um diretor esportivo de fato, mas Nasser Al-Khelaifi afirmou que ele seria "a pedra angular do projeto do clube".

Esse projeto em particular agora está à beira do colapso - o que pode não ser uma coisa tão ruim, pois permitiria ao clube seguir em frente não só de Mbappé, mas também de sua obsessão doentia por superestrelas.

Durante uma disputa com o clube sobre direitos de imagem, Mbappé declarou que enquanto o PSG era "uma grande família". E não o "Kylian Saint-Germain".

Mas foi assim que tudo pareceu nos últimos anos. Mbappé tornou-se maior que o clube - e eles sabiam disso, se curvando repetidamente para atender a todas as suas demandas.

Sua paciência finalmente pareceu se esgotar no ano passado, quando uma carta confirmando sua intenção de deixar o clube em 2024 foi misteriosamente - e convenientemente - vazada para a imprensa.

Mbappé ficou de fora da turnê de pré-temporada pela Ásia, mas acabou sendo reintegrado após "conversas muito construtivas e positivas" entre as duas partes.

O francês respondeu da melhor forma possível nos gramados, marcando 31 gols em apenas 30 jogos, incluindo o gol crucial na vitória por 2 a 0 sobre a Real Sociedad nas oitavas de final da Liga dos Campeões.

No entanto, foi relatado que ele disse a Al-Khelaifi antes do jogo no Parque dos Príncipes que ele estaria deixando o PSG neste meio de ano - e a sensação é de que Mbappé realmente está decidido desta vez, o que na verdade deve trazer algum tipo de alívio para o PSG.

Porque esta novela já durou tempo demais. As constantes controvérsias só fizeram danos às tentativas do PSG de convencer o mundo de que são um clube sério. Em certo momento, ele até argumentou que suas conquistas foram subvalorizadas porque joga pelo PSG, "um clube divisivo" e que "atrai fofocas".

Mbappé obviamente tem reclamações legítimas sobre a maneira como o PSG tem sido administrado ao longo dos anos, mas a ironia de ele ser responsável por grande parte dessas "fofocas" relacionadas ao Madrid, petulância em campo e críticas ao próprio treinador aparentemente é perdida para ele.

Como Jerome Rothen disse uma vez, Mbappé "faz muito barulho", retratando-o como uma pessoa que reagiria a um incêndio "despejando gasolina". Lá atrás, em 2019, Christophe Dugarry também previa um final não tão agradável para o romance entre Mbappé e PSG: "rapidamente se transformará em algo ruim".

Sua saída vai doer, não há dúvidas disso. Mas, como o ex-diretor esportivo Leonardo apontou, é difícil construir um time de sucesso em torno de uma figura tão instável.

"Pelo bem do PSG, acho que chegou a hora de Mbappé sair," disse o brasileiro, ao L'Équipe no ano passado. "O Paris Saint-Germain existia antes de Kylian Mbappé - e existirá depois dele".

Este não é o final que o PSG queria, é verdade. Mas pelo menos esta história está, enfim, terminando.