Farra de contratações mostra que o Chelsea segue sem aprender como montar um elenco

"Estou muito empolgado, ele pode oferecer muitas coisas. Pode jogar pelo lado direito, pode jogar pelo lado esquerdo, é muito bom no um contra um." Essa foi a entusiástica reação de Enzo Maresca, técnico do Chelsea, à chegada de Pedro Neto, mas ele notavelmente ignorou abordar o problema maior.

Não há dúvidas quanto à qualidade do português, um jogador que teve 14 participações em gols em apenas 24 partidas na temporada 2023/24, mas, quando se investiga o motivo pelo qual foi limitado a tão poucos jogos, há uma séria razão para preocupação.

Um rápido olhar para o histórico de lesões do jogador de 24 anos deveria ter feito o Chelsea pensar duas vezes, especialmente após as já notórias dificuldades do clube com problemas de condicionamento físico constantes em todo o elenco nos últimos tempos. O ponta sofreu duas lesões graves na coxa na última temporada, que o deixaram fora de ação por cerca de quatro meses no total. Também perdeu parte significativa da temporada 2022/23 devido a um problema no tornozelo.

Em seus cinco anos no Wolves, o atacante teve uma média de apenas 15 partidas como titular na Premier League por temporada e ficou de fora de até 108 jogos. Por mais que seja um dos melhores pontas da liga quando está 100%, o histórico de lesões do Chelsea como um todo deveria ter resultado em uma abordagem muito mais cautelosa na contratação de Pedro Neto, com a transferência - que tem um valor bem salgado - aparentemente sendo fechada em tempo recorde, enquanto o Wolves aproveitou a chance para encher os cofres.

Um possível retorno de Félix ao Chelsea levanta questões semelhantes: vale o investimento? O Chelsea realmente precisa de mais um atacante que também atua pelas pontas? E será que fará mesmo a diferença?

O valor do atacante está, possivelmente, bem desvalorizado após um empréstimo sem chamar muita atenção no Barcelona, onde ele não conseguiu garantir a tão sonhada transferência em definitivo, apesar de ter contribuído com seis gols e 10 assistências em 44 jogos. O Atlético de Madrid continua desesperado para vendê-lo, como tem sido nos últimos anos, e dizem que o jogador está interessado em retornar a Stamford Bridge, após ouvir cantos de "filho da p*" direcionados a ele por seus próprios torcedores na Espanha.

A chance de contratar o português por um preço relativamente reduzido – pelo menos em comparação à avaliação do Atlético – pode ser o que está motivando a inesperada busca pelo jogador, além de facilitar a transferência de Gallagher para Madrid, mas dificilmente o Chelsea realmente precisa dele. Tendo acabado de contratar seu compatriota Neto, os Blues já estão com muitos jogadores para as posições de ponta ou aqueles que atuam nas entrelinhas: Cole Palmer, Noni Madueke, Mykhailo Mudryk e Christopher Nkunku são os principais deles.

No fim das contas, Félix é um jogador que impressiona visualmente, mas que não causa um impacto à altura, o que tem sido seu maior problema desde que deixou o Benfica por 126 milhões de euros (R$ 757 milhões) em 2019. Seu empréstimo de seis meses ao Chelsea na temporada passada resumiu bem sua carreira até agora, embora estivesse no clube em um momento ruim sob o comando de Graham Potter e Frank Lampard; apesar de exalar classe e demonstrar seu talento com bons passes, dribles e jogadas brilhantes, ele mostrou sua habilidade apenas esporadicamente e muitas vezes desaparecia dos jogos sem ajudar significativamente no ataque, enquanto sua dedicação para marcar também foi questionada.

Uma tendência nas recentes janelas de transferências do Chelsea tem sido os diretores esportivos Paul Winstanley e Laurence Stewart evitarem grande parte das críticas, trabalhando longe dos holofotes e se omitindo aos problemas maiores, enquanto os co-proprietários Todd Boehly e – em menor medida – Behdad Eghbali são frequentemente o alvo das piadas - e dos xingamentos - nas redes sociais.

No entanto, as atitudes em relação aos dois homens responsáveis pelas contratações estão começando a mudar, apesar do apoio inabalável dos proprietários do clube. Eles terão de enfrentar o descontentamento da torcida se não acertarem desta vez, especialmente após contratar e, em seguida, dispensar rapidamente Mauricio Pochettino, apesar da relativa evolução que teve na segunda metade da temporada 2023/24.

Winstanley e Stewart começaram oficialmente a trabalhar no final da janela de transferências de janeiro de 2023, notavelmente após os Blues terem gastado de forma extraordinária 290 milhões de libras (R$ 2 bilhões) em jogadores como Enzo Fernández, Mudryk e Madueke, embora Winstanley tenha estado, mesmo que em silêncio, fortemente envolvido nessa onda de contratações.

Portanto, a janela de transferências do meio de 2023 foi a primeira que eles supervisionaram, com Boehly e Eghbali financiando um gasto que ultrapassou 400 milhões de libras (R$ 2,8 bilhões). Palmer emergiu como o maior acerto, mas a torcida ainda reserva seu julgamento sobre o restante das contratações; os fãs do clube se deliciaram com o chapéu no Liverpool pelos meio-campistas Moises Caicedo e Romeo Lavia, mas o equatoriano lutou para encontrar sua melhor forma por um longo período e o belga perdeu quase toda a temporada devido a lesões.

Um acordo para Nkunku já havia sido pré-acordado há muito tempo, mas o francês também foi vítima da maldição de lesões do Chelsea ao romper os ligamentos do joelho na pré-temporada. Enquanto isso, outras novas contratações, como Axel Disasi e Nicolas Jackson, impressionaram em alguns momentos, mas são considerados jogadores ainda em desenvolvimento.

Após uma janela de transferências tranquila em janeiro, o Chelsea adotou uma estratégia diferente neste meio do ano, janela movimentada e confusa até agora. Enquanto Kiernan Dewsbury-Hall e Renato Veiga supostamente foram contratados para se encaixar no sistema tático de Maresca, os Blues têm insistido em buscar o que a equipe de scout considera ser jovens de baixo custo e alto potencial, gastando dezenas de milhões de libras em jogadores como Marc Guiu, Omari Kellyman e Filip Jorgensen, enquanto nosso Estevão, joia do Palmeiras, se juntará ao clube em 2025.

Ambos com 24 anos, Neto e Félix ainda não atingiram seus auges, mas ambas as contratações parecem ser uma mudança na política de direcionar-se a nomes menos estabelecidos por valores relativamente baixos, com o possível retorno de Félix, em particular, sugerindo uma possível intervenção de Boehly ou Eghbali. Relatos recentes indicam que o preço pedido por Félix ainda é de 60 milhões de euros (R$ 360 milhões), o que significa que o custo dos dois portugueses pode ultrapassar 100 milhões de libras (R$ 702 milhões).

Os próprios garotos da base do clube continuarão sendo as vítimas desses gastos absurdos, o que, querendo ou não, é uma maneira de perder o apoio dos torcedores, à medida que a conexão entre o vestiário, o campo e as arquibancadas diminui. Ian Maatsen e Lewis Hall já foram vendidos para gerar mais renda em meio à ameaça de violar as regras de Rentabilidade e Sustentabilidade da Premier League, e Gallagher - uma estrela da equipe na temporada passada, capitão interino e amado pela torcida - está prestes a sofrer o mesmo destino, apesar de ser um jogador criado na base do Chelsea, enquanto a diretoria não está nem pensando nisso para vende-lo ao Atlético de Madrid..

Embora as altas taxas de transferência torne a situação mais complexa, a estratégia de focar apenas em jovens jogadores merece ser avaliada. Isso se torna ainda mais evidente quando vemos que atletas como Carney Chukwuemeka e Noni Madueke, ambos contratados para 2022/23, já estão sendo cogitados para uma possível saída. Chukwuemeka, que foi adquirido do Aston Villa por 20 milhões de lib começo da temporada passada e teve uma boa primeira Premier League, já foi colocado à venda.

De fato, às vésperas da nova temporada e enfrentando "apenas" a tarefa ingrata de encarar o campeão Manchester City no primeiro dia de Premier League, fica evidente que Maresca ainda não tem conhecimento total de seu elenco.

Falando após o empate com a Inter de Milão no domingo, que encerrou a pré-temporada decepcionante do Chelsea, o treinador italiano disse: "Ainda não conheço meu time [para enfrentar o Manchester City]. A pré-temporada foi muito difícil, intensa, com muitos jogos indo de uma cidade para outra. Agora, finalmente, começamos uma semana normal. Amanhã teremos folga e, em seguida, começaremos a preparar o jogo."

As semelhanças com os comentários do ex-treinador Thomas Tuchel após a pré-temporada desastrosa do Chelsea há dois anos são um alerta à diretoria. Naquela época, o então técnico criticou a "turnê cansativa e exaustiva" pelos Estados Unidos e destacou que sua equipe não estava preparada para o início da nova temporada. E ele estava correto, pois os Blues tiveram um início bem ruim em 2022/23, o que levou à sua demissão rápida.

O que está claro é que, mais uma vez, o Chelsea se vê diante da necessidade urgente de um grande processo de reavaliação no que resta da janela de transferências, à medida que buscam criar espaço no elenco. Stewart e Winstanley estão, supostamente, trabalhando sem parar para reduzir o número de jogadores.

Os diretores esportivos têm pouco mais de duas semanas para concluir esse trabalho, mas não será algo fácil. A chegada de Pedro Neto e as discussões sobre João Félix colocaram o futuro de Raheem Sterling em dúvida, mas o inglês não tem desejo de sair e recebe um salário alto em Londres; convencer o Napoli a pagar a cláusula de liberação de 38 milhões de libras (R$ 266 milhões) de Romelu Lukaku está sendo outro desafio; Kepa Arrizabalaga ainda está no elenco, mas sem muito interesse por parte da comissão; Ben Chilwell pode ser considerado excedente, mas também tem um salário bem alto.

Por outro lado, vender jogadores como Petrovic, os jovens da base Trevoh Chalobah e Armando Broja, David Datro Fofana e Cesare Casadei pode ser uma tarefa mais simples, mas o tempo está se esgotando.

Há uma sensação de que o Chelsea está entrando na nova temporada cheio de incertezas, ainda mais pelo fato de ter vencido apenas um jogo na pré-temporada. A equipe empatou com o Wrexham e foi derrotada pelo Celtic antes de vencer o América do México. Logo após, mais duas derrotas para Man City e Real Madrid na turnê pelos EUA, antes do empate com a Inter de Milão em Stamford Bridge.

Fora de campo, toda a confusão nas transferências dos Blues não ajudou em nada para melhorar o clima. A sensação predominante é que, até o momento, os negócios frenéticos nesta janela deixaram o elenco inchado, desbalanceado e carente de qualidade, especialmente de jogadores que entendem o que é o clube e têm experiência no mais alto nível europeu.

É provável que Neto, propenso a lesões, e Félix, que não correspondeu às expectativas, não sejam a salvação da equipe. Ainda há muito trabalho a ser feito, tanto em termos de chegadas, quanto de saídas, valendo lembrar que o tempo restante na janela do verão europeu de 2024 está se esgotando e a pressão aumentando sobre Winstanley e Stewart.

Há uma sensação de que qualquer coisa que acontecer pode inclinar de imediato a balança entre algum sucesso ou mais fracassos nesta temporada. Os "cabeças" do Chelsea, quem toma as decisões da diretoria e cuida das transferências, com certeza deve refletir profundamente sobre a direção em que deseja seguir em 2024/25 e nos próximos anos.