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Tite e Filipe Luís, Flamengo 2024 GOAL

"E se...?" — De Tite a Filipe Luís e Gabigol a Pedro, as perguntas que atormentam o Flamengo de 2024

Todo torcedor carrega em si um espírito inquieto e o futebol é um terreno fértil para as suposições. Para o flamenguista, essa característica parece ainda mais intensa porque a temporada geralmente começa sob grandes expectativas. Em 2024, as dúvidas e os “quases” marcaram a temporada do clube da Gávea. A reflexão é válida: permite revisitar o ano sob novos ângulos, e explorar narrativas que acabaram presas no campo das possibilidades. Ao mesmo tempo, ponderar durante meia hora sobre diferentes desfechos escancara a realidade: o destino de um time, muitas vezes, é decidido por detalhes ou até por uma sucessão de eventos que escapam do controle humano.

E se o lançamento de Diego Ribas, na final de 2019, não tivesse encontrado Gabigol? E se Petkovic, em 2001, tivesse sido parado por centímetros a mais de altura de Helton? Ou, mais longe ainda: e se, em 1981, o goleiro do Liverpool tivesse ganhado a dividida com Nunes na final do Mundial? Os Reds conseguiriam a reação no segundo tempo? No campo dos “quases”, o que seria do Flamengo sem o escorregão de Andreas Pereira que entregou a bola decisiva a Deyverson em 2021? Como seria a história?

Esses eventos marcaram as épocas porque aconteceram exatamente como aconteceram. Porém, 2024 trouxe novos “e se's” para roubar o sono do torcedor rubro-negro. As decisões tomadas, as lesões inesperadas, pontos perdidos e até mesmo as escolhas de quem liderou o time à beira do campo estão todas em xeque quando o rubro-negro se pergunta: e se? O que poderia ter sido diferente se Pedro não tivesse se lesionado no auge de sua forma? Se Filipe Luís tivesse assumido mais cedo o comando técnico? E se Gabigol tivesse tido mais oportunidades de brilhar no que seria sua temporada de despedida sem as polêmicas e a relação turbulenta com Tite?

Com um elenco recheado de estrelas, o ano parecia promissor — algo que sempre se espera do Flamengo. Só não se esperava que fosse sob Filipe Luís, com Pedro lesionado e Gabigol no comando do ataque, que o Flamengo reencontraria seu melhor futebol e sua redenção na Copa do Brasil.

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  • Flamengo v Paranaense - Brasileirao 2024Getty Images Sport

    Insistência em Tite

    Tite desembarcou na Gávea em outubro de 2023, sendo o terceiro técnico contratado pelo Flamengo naquele ano, com um currículo robusto e a missão de pacificar um vestiário turbulento em uma campanha desastrosa. O torcedor, mesmo que desconfiado, esperava mais organização para o ano seguinte. Diferentemente de seus antecessores, Tite teve tempo para implementar suas ideias. O Flamengo iniciou 2024 com o título Carioca, mas as escolhas de Tite logo levantaram questões. Ao poupar titulares na estreia da Libertadores contra o Millonarios, em um claro movimento para priorizar a final do estadual, o Flamengo empatou. A ideia de revezar Rossi e Matheus Cunha entre as competições também foi controversa. Derrotas subsequentes para Bolívar, na altitude, e Palestino, em casa, deixaram o time em segundo no grupo. Mesmo após reencontrar o Bolívar e resistir nas oitavas, o Fla continuava a exibir os mesmos problemas, que também se refletiam no Brasileirão.

    No campeonato nacional, Tite chegou a liderar por oito rodadas, mas o inconstante rendimento ofensivo persistia — mesmo durante a melhor fase de Pedro, que liderou a artilharia do campeonato até ser afastado por lesão. A média de 1,48 gol por partida sob seu comando era inferior às de Sampaoli (1,61), Paulo Sousa (1,63) e Renato Gaúcho (2,35). No aspecto defensivo, o cenário também não era animador: com 0,9 gol sofrido por jogo, seu Flamengo ficou atrás dos times comandados por Renato (0,86) e Dorival Júnior (0,79).

    Apesar do tempo e do respaldo, o trabalho de Tite não mostrava sinais de evolução. E o relógio continuava a correr.

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  • Flamengo v Vasco Da Gama - Brasileirao 2023Getty Images Sport

    E se Tite tivesse confiado mais em Gabigol?

    O ano de Gabigol começou conturbado, marcado por episódios que abalaram sua relação com o clube e a torcida. A suspensão por suposta fraude no exame antidoping, que o afastou por quase um mês, foi o primeiro golpe. Mesmo retornando com apoio interno e aplausos no Ninho do Urubu, o jogador não escapou de críticas quando apareceu usando uma camisa do Corinthians em um churrasco. O gesto custou-lhe a emblemática camisa 10.

    A lesão de Pedro, em setembro, em tese, abriria espaço para Gabigol, mas acabou não sendo solução para os problemas de confiança de Tite. O, agora, camisa 99 virou terceira opção no ataque, enquanto Bruno Henrique foi deslocado para o meio, e o jovem Carlinhos recebia chances esporádicas. O técnico justificava suas escolhas com base na meritocracia: “Carlinhos decisivo contra Bolívar e Vitória, BH importante contra o Bahia.” A insistência no discurso, porém, não convencia parte da torcida, que via o jogador mais decisivo do Flamengo no século em frangalhos no banco.

  • Pedro, Flamengo 2024Getty Images

    Pedro seria capaz de salvar a pele de Tite?

    Bem diferente de Gabigol, Pedro começou o ano sendo o principal nome do Flamengo em 2024. A ausência do atacante ocorreu em um momento chave da temporada, quando o clube carioca ainda estava vivo na busca por títulos no Brasileirão, Copa do Brasil e na Libertadores, além de lidar com lesões recorrentes de outros jogadores.

    A importância de Pedro fica evidente pelos números. Em 2024, o atacante viveu o melhor ano de sua carreira, com 30 gols em 43 jogos, sendo responsável por quase metade dos gols do time até a lesão. Sua ausência em nove partidas gerou uma queda considerável no desempenho da equipe, que obteve mais derrotas do que vitórias: quatro derrotas, três vitórias e dois empates. Além disso, o Flamengo marcou apenas oito gols e sofreu 10. Com Pedro em campo, o cenário era totalmente diferente: 78 gols marcados e apenas 25 sofridos em 43 jogos, com um aproveitamento de 67% (29 vitórias, oito empates e seis derrotas). Sob o comando de Tite, a dependência de Pedro se tornou evidente. Apesar das oscilações da equipe, Pedro se mostrava capaz de reduzir a falta de eficiência ofensiva e aliviar parte das pressões sobre o técnico. Sem ele, era cada vez mais claro que a permanência de Tite no cargo se tornava improvável.

    A hipotese aqui é: se Pedro não tivesse se lesionado, é possível que o Flamengo tivesse seguido forte em todas as competições e Tite continuaria no comando, mesmo sendo improvável que o camisa 9, sozinho, suprisse as necessidades de uma equipe que já estava muito longe de encantar. Nesse cenário, a saída de Gabigol, já conturbada, poderia ter acontecido de forma ainda mais discreta, o que seria um fim bem abaixo do que o ídolo rubro-negro merecia.

  • Flamengo v Gremio - Copa do Brasil 2023Getty Images Sport

    E se a experiência com Sampaoli se repetisse?

    A queda de Tite no Flamengo começou a se desenhar logo após a eliminação para o Peñarol na Libertadores. A combinação de resultados decepcionantes, discursos repetitivos e a falta de perspectiva de melhora tornaram o ambiente insustentável. A experiência recente com Jorge Sampaoli serviu de alerta. Em 2023, o Flamengo manteve o argentino para a final da Copa do Brasil, mesmo com todos os problemas internos. Após a derrota para o São Paulo, ele foi demitido no dia seguinte. O histórico mostrava que insistir em um trabalho sem perspectiva pode ser fatal. Com Tite, a diretoria preferiu agir antes tarde que mais tarde.

  • Flamengo v Atletico Mineiro - Brasileirao 2024Getty Images Sport

    A tardia solução caseira

    Filipe Luís foi a solução caseira. Uma escolha natural, dado o momento da temporada. Ídolo como jogador, com paciência, trabalho e um ambiente favorável de todos os lados foi conquistando seu espaço como técnico. O ano do ex-lateral começou no sub-17, semanas após pendurar as chuteiras, onde obteve 16 vitórias em 20 jogos e o primeiro título como treinador: a Copa-Rio. Depois, no sub-20, conquistou o título do Intercontinental, no Maracanã, e 11 triunfos em 17 partidas. Mas a escolha por Filipe, embora lógica, não vinha sem dúvidas. Seria ele capaz de transpor o sucesso das categorias inferiores para o palco principal?

    Maior que o "e se" Filipe não estivesse preparado o suficiente, estava o "e se" tudo desse certo. O clube precisava de um rosto familiar, alguém com status de ídolo e uma memória recente do que significa vencer com o Flamengo, para encerrar a temporada com dignidade – e sob esses termos, valia a pena confiar. Essa confiança do torcedor em Filipe não se traduziu em uma pressão para conquistar a Copa do Brasil, mas coincidiu com o resgate imediato do futebol da equipe logo em sua estreia, nas semifinais da competição. Desesperado para salvar a temporada do Rubro-Negro, o ex-lateral estava disposto a correr riscos. E deu certo. O ponto de virada para Gabigol viria junto com Filipe Luís. Restaurar a confiança do artilheiro significava também restaurar a confiança da torcida. Não foi uma temporada de atalhos para Gabriel; pelo contrário, ele enfrentou a diretoria, o problema com o ex-técnico e ainda precisou reafirmar sua identidade decisiva. Sua redenção veio justamente no jogo que definiria o rumo da temporada.

    Mas talvez seja aqui que mora a maior tormenta do flamenguista no ano: e se Filipe tivesse assumido antes? Talvez o Flamengo tivesse ido mais longe na Libertadores ou sido mais competitivo no Brasileiro. Com Tite, a troca de comando parecia óbvia e iminente, mas, para as ambições na Libertadores — que incluíam um clássico carioca nas semifinais — ela veio tarde demais.

  • Flamengo v Juventude - Brasileirao 2024Getty Images Sport

    O efeito borboleta

    Imaginar cenários alternativos é tentador, mas, como ilustra o filme "Efeito Borboleta", mexer no passado poderia gerar consequências irreparáveis para o futuro — e talvez seja essa lógica que conecte a lesão de Pedro, a demissão de Tite, a chegada de Filipe Luís e a saída em alta de Gabigol, sugerindo uma espécie de harmonia cósmica entre os dois atacantes, que raramente atuaram juntos desde a era Dorival. Ao olhar para trás e encarar os fatos como eles são, o torcedor pode encontrar paz com o desfecho da temporada: 2024 trouxe o título da Copa do Brasil sobre o Atlético-MG, Filipe Luís despontando como técnico e Gabigol se despedindo de forma justa, fazendo o que o colocou na história rubro-negra: decidindo. O ano termina sob a perspectiva de continuidade a um futebol sério, disciplinado e com vida.

    Resta, então, ao torcedor rubro-negro abraçar as dúvidas e os cenários hipotéticos que 2024 deixou. Afinal, não há como voltar no tempo e alterar o passado, mas o futebol sempre oferece uma nova chance de mudar o rumo da história — e Filipe Luís e Gabigol souberam aproveitar essa oportunidade.