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Título da Libertadores premiou um Botafogo que jamais deixou de acreditar e expurgou todos os seus traumas

“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Uma das interpretações da frase, escrita por Fernando Pessoa, foca na resiliência, força e otimismo para encarar a vida mesmo após grandes adversidades. E se a música “sujeito de sorte”, de Belchior, vem embalando a conquista do Botafogo na Libertadores de 2024, as palavras do poeta português também encaixam como uma luva no emaranhado de histórias que se encontram na libertação alvinegra do agora eterno 30 de novembro.

O Botafogo, não é segredo para ninguém que acompanha futebol, viveu uma longa e penosa caminhada no deserto sem os grandes títulos que merece. Foram 29 anos entre o brasileiro de 1995 e a Libertadores em 2024, e ainda que o clube tenha comemorado taças como um Rio-São Paulo em 1998 ou cinco outros Cariocas (1997, 2006, 2010, 2013 e 2018), foram troféus levantados no contexto de queda de importância de tais campeonatos em relação às décadas anteriores.

Entre estas quase três décadas, a instituição derreteu e ficou impraticável. O Botafogo morreu e renasceu das cinzas, sob o formato de SAF. Não demorou a colher os resultados, mas dentro da narrativa do futebol o seu valor só é exaltado quando uma taça é levantada.

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  • Atletico Mineiro v Botafogo: Final - Copa CONMEBOL Libertadores 2024Getty Images Sport

    E o aspecto mental?

    Os alvinegros estiveram muito perto do título brasileiro em 2023. No final das contas, acabaram protagonizando uma das maiores derrocadas na história dos torneios por pontos corridos. E ali ficou difícil evitar o rótulo de “time pipoqueiro”, embora a queda de 2023 seja explicada por inúmeras razões – como dizem, afinal de contas, um avião não cai apenas por um motivo.

    O tema 2023 foi abordado ao longo de todo 2024, mesmo quando já desnecessário. Os debates sobre o aspecto mental do jogo, algo importante e válido, foram retorcidos exageradamente para encaixar dentro de uma narrativa criada e alimentada de maneira preguiçosa e/ou maldosa. Vários comentaristas e cronistas se encontraram, de repente, vestindo o uniforme do “Capitão Retrospectiva” (personagem jornalístico do desenho “South Park” que nunca erra em seus comentários pois só comenta o que já aconteceu) avaliando questões psicológicas com a profundidade de uma poça de água em um asfalto liso.

    Quis o destino que o maior título da história do Botafogo tenha vindo para acabar com qualquer dúvida sobre aspecto mental ou pipocada. Gregore, um dos melhores meio-campistas da temporada, foi expulso com menos de 30 segundos de jogo na final contra o Atlético-MG, no estádio Mâs Monumental, em Buenos Aires. O favorito para o título da Libertadores mudava de lado naquele momento.

    Jogando com menos um por 97 minutos, o Botafogo não apenas evitou que o Atlético-MG de Hulk e Paulinho ganhasse. O Botafogo ganhou por 3 a 1. O resultado, claro, não passa a tensão e a epopeia que foi a partida. A equipe de Artur Jorge abriu 2 a 0 no primeiro tempo, quando Luiz Henrique botou a bola debaixo do braço para marcar um gol e sofrer o pênalti convertido por Alex Telles. Mas logo nos primeiros minutos da segunda etapa, em bobeada rara da defesa, o Galo diminuiu através de uma cabeçada de Eduardo Vargas – que do alto de seus 1,74 metros nem precisou sair do chão.

    O gol de empate atleticano parecia questão de tempo, estando em campo com um homem a mais. A virada poderia ser o caminho natural após este eventual 2 a 2. E mesmo que isso não acontecesse, uma eventual disputa de pênaltis teria do lado botafoguense uma equipe com as pernas absolutamente cansadas pela desvantagem numérica – e isso também costuma levar batedores ao erro na marca da cal.

    Se o Botafogo levasse o empate, a virada ou perdesse nos pênaltis, não configuraria uma “pipocada” -- do outro lado, afinal de contas, estava o Atlético-MG e o contexto do jogo foi de extrema dificuldade e superação. Mas sabemos como funcionam as narrativas fáceis em tempos de desespero por atenção. De qualquer forma, o Botafogo resistiu até o fim. O mental, o psicológico, a habilidade e a coragem ainda premiaram o time de Artur Jorge com um terceiro gol, marcado por Júnior Santos, nos segundos que antecederam o tão esperado apito final.

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  • Torcida Botafogo 2024Vitor Silva/Botafogo

    Torcida gigante

    Outro dos fantasmas expurgados com o título da Libertadores veio através da participação dos torcedores botafoguenses, uma grande resposta para quem, ao longo dos anos, dizia que o clube “não tinha torcida” – como se exaltar o tamanho de uma grande torcida aqui fosse diminuir o de outra torcida acolá. Uma mentira contada mil vezes vira verdade, e muita gente passou a acreditar nisso.

    O Botafogo encheu um estádio na Argentina, levando torcedores que saíram de todas as regiões do Brasil e todos os continentes do planeta. Parece exagero, mas os vídeos de aeroportos e ônibus estão aí registrados. Isso sem falar dos 50 mil botafoguenses acompanhando a final em telões dentro do Nilton Santos: uma espécie de “vocês vão ter que engolir” para quem perpetuava a mentira a respeito da torcida alvinegra, seja em balcões de botequim ou mesas de resenha esportiva.

  • Botafogo campeão da Libertadores 2024Getty Images

    Epopeia Monumental

    Esta mesma torcida que sofreu ao longo de décadas e que tomou conta de Buenos Aires, também voltava ao Monumental para ver o fechamento completo de seus traumas. Afinal de contas foi ali mesmo no estádio do River Plate, ainda em seu formato antigo, que o Botafogo sofreu um de seus maiores traumas no século XXI.

    Em 2007, um time que encantou o Brasil e passou a ser chamado de “Carrossel Alvinegro” foi eliminado pelo River Plate nas oitavas de final da Copa Sul-Americana de forma cruel: ganhava por 2 a 0 e levou uma virada de 4 a 2 em noite brilhante de Radamel Falcao Garcia. Agora, um novo Botafogo dentro do novo estádio do River Plate fez 2 a 0 e se manteve forte até o fim, até alcançar sua glória eterna.

  • FBL-LIBERTADORES-MINEIRO-BOTAFOGOAFP

    Alma gigante

    A Libertadores de 2024 premia o Botafogo e o botafoguense, que apesar de ser descrito com um caráter pessimista talvez seja, na realidade, o maior otimista do futebol mundial (afinal de contas, o que, além de algum tipo de esperança, alimentaria a paixão pelo clube durante uma caminhada tão longa e traumática no deserto?).

    Imagine que, no início de outubro de 2023, alguém chegasse para o torcedor do Botafogo com a seguinte oferta: “Você trocaria este título brasileiro, praticamente garantido, por uma derrocada histórica ao mesmo tempo em que um rival conquista a Libertadores pela primeira vez, apenas para enfim ser o campeão e protagonista maior de toda a temporada do futebol de clubes do Brasil, um ano depois, em uma das finais mais épicas da Libertadores em todos os tempos?”.

    Qualquer botafoguense faria esta troca, mas a vida não é um filme de ficção científica: o alvinegro precisava passar pelo que passou para comemorar o maior título de sua história; o clube precisava passar por aquilo para, olhando para si, corrigir os erros e ajustar o que precisava ser ajustado. Depois da tempestade, vem a calmaria. Tudo vale a pena quando a alma não é pequena, e a alma deste Botafogo de 2024 e de seus torcedores de sempre é gigante.