+18 | Conteúdo Comercial | Aplicam-se termos e condições | Jogue com responsabilidade | Princípios editoriais
Comm Shield USAGetty

Levar a disputa do Community Shield para os EUA pode ser a solução para encerrar dilema da Inglaterra?

Qualquer um que ainda duvide da popularidade do futebol inglês nos Estados Unidos só precisa olhar para o que aconteceu quando o Manchester United jogou contra o Liverpool, em Columbia, no início deste mês. A modesta cidade universitária, com uma população de cerca de 140 mil habitantes, foi tomada por visitantes para o amistoso, a tal ponto que milhares de pessoas não conseguiram entrar no Williams-Brice Stadium a tempo do início da partida devido ao trânsito intenso na região.

O estádio, com capacidade para 77 mil pessoas, acabou lotando no início do segundo tempo - ou seja, mais pessoas do que na última vez que as equipes se enfrentaram, pela Premier League, no histórico Old Trafford, em abril. Os ingressos custavam em torno de $100, no valor original, e $152, em sites de revenda. Isso é mais do que o dobro do custo de um ingresso da Premier League.

E mesmo sem muitos dos seus principais jogadores - e sendo um amistoso -, todas as entradas acabaram esgotadas.

  • Man Utd Liverpool SCGetty

    Sucesso crescente

    A alta demanda por ingressos foi correspondida na maioria dos jogos disputados neste meio de ano nos Estados Unidos, onde nada menos que dez times da Premier League (assim como o Wrexham, da terceira divisão inglesa) realizaram turnês de pré-temporada, incluindo Arsenal, Manchester City, Chelsea e Aston Villa.

    Mais de 70 mil pessoas lotaram o SoFi Stadium, em Los Angeles, para a vitória do Arsenal sobre o United, enquanto outros 69 mil assistiram ao confronto dos Gunners contra o Liverpool, no Lincoln Financial Field, na Filadélfia.

    O enorme sucesso das várias turnês fomenta um dos debates mais controversos no futebol atualmente: a possibilidade de se jogar partidas da Premier League no exterior. A discussão está em andamento há mais de 16 anos, desde que a ideia de ter uma 39ª rodada de jogos foi sugerida pelo então chefe da liga, Richard Scudamore.

    Em 2008, a ideia foi rapidamente deixada de lado, já que as ligas domésticas são baseadas no conceito de jogar contra cada time em casa e fora. E não faltam ressalvas, apesar da crescente popularidade do futebol do outro lado do Atlântico.

    Mas e se houvesse uma terceira via, em que os torcedores americanos pudessem assistir a uma partida valendo um troféu sem prejudicar a tradição e sem irritar os torcedores locais por privá-los de um jogo em casa? A solução é simples: levar a Community Shield para os Estados Unidos.

  • Publicidade
  • Jamie Vardy Leicester City Manchester City Community Shield 2021Getty Images

    Interesse cada vez menor

    United e City encerraram suas turnês nos Estados Unidos mais cedo do que muitos de seus rivais da Premier League para se prepararem para a Community Shield, realizada neste sábado (10) e vencida pelo Manchester City, nos pênaltis, por 7 a 6, após empate em 1 a 1 no tempo normal - gols de Alejandro Garnacho e Bernardo Silva. Mas havia um bom argumento para jogar esta partida nos Estados Unidos.

    A Community Shield já está pronta para ser exportada. É uma competição com muita história - disputada desde 1908 entre os vencedores do Campeonato Inglês e da FA Cup, a Copa da Inglaterra. Esse formato quase garante que os melhores times estarão envolvidos todos os anos, assegurando um jogo de alto nível e com casa cheia.

    Jogar no exterior também daria à competição uma renovação necessária, já que ela parece ter estagnado nos últimos anos. O jogo de sábado ainda não está com ingressos esgotados, por exemplo. Wembley estava cheio - 78.146 pessoas estiveram presentes no clássico -, mas não completamente lotad. E isso não foi uma surpresa, já que este foi o terceiro encontro entre United e City por lá em um período de apenas 15 meses.

    Para ambas as torcidas – mas especialmente para a do City, que já agora viu o time jogar em Wembley 19 vezes durante a 'era Pep Guardiola' – ir ao estádio mais tradicional da Inglaterra já não é mais tão especial assim. A familiaridade pode gerar apatia. Edições anteriores da Community Shield também tiveram dificuldades para atrair o torcedor.

    Apenas 45 mil pessoas compareceram ao jogo de 2021 entre City e Leicester; na edição de 2022, entre City e Liverpool, a disputa aconteceu no King Power Stadium, que tem capacidade para apenas 32 mil torcedores - Wembley estava sendo usado para a final da Euro feminina. Isso diz muito sobre o declínio da popularidade da competição - optaram por um estádio de capacidade bem menor, ao invés de ir ao Old Trafford ou ao Principality Stadium.

  • Real Madrid SupercopaGetty

    Na Espanha e na Itália, pelo menos, deu certo

    A Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) conseguiu reacender o interesse na Supercopa da Espanha mudando o formato para quatro times e levando-a à Arábia Saudita. Mas, claro, houve críticas: Athletic Bilbao, Atlético de Madrid e Valencia criticaram a decisão por romper com a tradição. Grupos de direitos humanos também condenaram o acordo.

    Também surgiram questionamentos sobre o envolvimento de Luis Rubiales, ex-presidente da federação, e o ídolo do Barcelona Gerard Piqué na intermediação do acordo, que vale aproximadamente €40 milhões por temporada. No entanto, além de oferecer um grande retorno financeiro para a federação espanhola e arrecadar dinheiro para o futebol de base, o acordo indiscutivelmente ajudou a aumentar o perfil da competição.

    Os times talvez até levem a competição mais a sério do que antes. O Barcelona demitiu o técnico Ernesto Valverde dias depois de sua equipe ser eliminada pelo Atlético nas semifinais em 2020, por exemplo. As últimas três finais, ambas entre Real Madrid e Barça, foram extremamente competitivas e sempre com ingressos esgotados.

    Enquanto isso, a Itália vem realizando sua Supercopa no exterior desde 1993, quando o Milan venceu o Torino, na capital americana, Washington. A competição já foi realizada na Líbia, Nova Jersey, China e Qatar, além também da Arábia Saudita, sede da edição deste ano como parte de um acordo de €23 milhões por temporada válido até 2028.

  • Erling Haaland Man CityGetty

    Há quem queira...

    No caso da Community Shield, porém, não haveria qualquer questão política à Federação de Futebol Inglesa (FA) em escolher os EUA. Além disso, haveria menos desgaste para os jogadores em comparação a disputar a competição no meio da temporada no Oriente Médio, justamente porque os clubes mais propensos a disputar a Community Shield tendem a realizar turnês de pré-temporadas na América do Norte de qualquer forma.

    Há um forte apoio entre os dirigentes do futebol para que jogos da Premier League, ou outras partidas competitivas, sejam realizados por lá. Jon Miller, um importante executivo da emissora de TV NBC Sports, que detém os direitos da Premier League na América do Norte, admitiu recentemente que tem pressionado na questão.

    "Em algum momento no futuro, eu adoraria ver alguns jogos da Premier League abrirem a temporada aqui em grandes estádios no nosso fim de semana de abertura", disse Miller, ao The Athletic. "E sei que continuaremos pedindo isso, porque acredito que há um público americano que gostaria de assistir a essas partidas".

    O governador de Nova Jersey, Phil Murphy, disse que "morreria" para ver algumas partidas sendo disputadas nos Estados Unidos, especialmente no MetLife Stadium, que sediará a final da Copa do Mundo de 2026 e recebeu um jogo entre United e Arsenal, em 2023, além de recentemente ter recebido umEl Clásico.

  • Man Utd Liverpool ColumbiaGetty

    ...mas há quem ainda hesite

    Prefeito de Londres, Sadiq Khan também expressou seu apoio à ideia, embora isso não beneficie diretamente sua cidade. "O Liverpool, o clube pelo qual torço, está em turnê pelos Estados Unidos", iniciou, em entrevista ao podcast The Sports Agents. "Eles têm muita torcida lá. Por que esses torcedores não podem assistir a um jogo?"

    No entanto, há hesitação entre os proprietários de clubes, incluindo os americanos. O dono do Bournemouth, Bill Foley, disse recentemente à BBC: "Jogos da Premier League nos Estados Unidos? Não. Acredito que o que estamos fazendo hoje (jogos de pré-temporada) é o que deveríamos estar fazendo. Devemos jogar no Reino Unido. É onde eles pertencem. Sou muito respeitoso com nossos torcedores e com todo o sistema. Não gostaria de me envolver em nenhuma mudança com relação a isso".

    Os donos estadunidenses do Liverpool também já manifestaram que não apoiam a ideia. O CEO John Henry, inclusive, contradisse Tom Werner, que anteriormente havia expressado interesse na proposta. O mesmo vale para o Manchester City.

  • Jack Grealish Man City BarcelonaGetty

    Está na hora

    A ideia de levar a Community Shield para o exterior representa, então, o melhor dos dois mundos. E, ao contrário da iniciativa da Premier League, ela tem o apoio das pessoas que realmente importam. Segundo uma pesquisa do The Times de 2023, há alguns grandes clubes que pensam que a Community Shield pode atrapalhar os preparativos para a próxima temporada, além de interromper as lucrativas turnês.

    Mas como muitos clubes já estão de qualquer forma em turnê nos Estados Unidos durante a pré-temporada, faria todo o sentido encerrar o período que antecede a temporada com a Community Shield. É hora de um verdadeiro rebranding da competição - e mandá-la para o exterior foi uma das opções levantadas no 'New Deal for Football', um plano de modernização do futebol local da Premier League, discutido em 2022.

    É hora de discutir a ideia com mais seriedade. Poucos torcedores ingleses realmente sentiriam falta da Community Shield. Mas há muitos torcedores americanos que fariam de tudo para de ver seus times levantando um troféu.

    Todos saem ganhando.