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GFX Thiago Silva 2014 e depoisGOAL

Capitão pode chorar? Um olhar sobre o antes e depois de Thiago Silva na Copa do Mundo de 2014

Mineirão, 28 de junho de 2014. O Brasil avançava das oitavas para as quartas de final da Copa do Mundo realizada em sua casa, depois de uma angustiante disputa de pênaltis contra o Chile. Mas a maior parte das conversas após o jogo não ficou concentrada nas duas defesas de Júlio César, nas disputas alternadas. O protagonismo foi para Thiago Silva e suas desesperadas lágrimas de alívio, e o debate repercute volta e meia quando o nome do excelente zagueiro vem à tona: capitão pode chorar?

Thiago Silva havia feito bom uso de sua cabeça naquela tarde ensolarada, dando a assistência para David Luiz abrir o placar para o Brasil antes de Alexis Sánchez deixar tudo igual. Nas disputas alternadas não chegou a ir para a cobrança. Teria sido um erro se fosse. Sua cabeça, naquele momento, estava em algum outro lugar. O camisa 3 estava de joelhos durante as penalidades, depois, atônito, ficou sentado sobre a bola em cena que ficou tão famosa quanto a sua imagem entregue aos braços de Felipão, aos prantos, após aquela classificação.

De lá pra cá, mesmo tendo somado número significante de excelentes atuações nos principais palcos do futebol e de ter levantado inúmeros títulos, foi difícil para Thiago Silva se desvencilhar daquela imagem e da impressão que ela causou naquele momento. Sua capacidade enquanto líder passou a ser, então, constantemente alvo de dúvidas e sempre que ele aparecia com uma braçadeira no braço (inclusive da seleção brasileira) surgia alguém para questionar sua qualidade enquanto capitão.

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  • Thiago Silva, Brasil Chile 2014Getty Images

    As emoções no calor do momento

    Em meio a diversas matérias sobre o conceito de liderança, se é compatível ou não com lágrimas ou algum sinal visível de fraqueza, Thiago Silva falou sobre o episódio dias após a classificação sobre o Chile. Garantiu que o psicológico daquela seleção brasileira estava forte, e que não ligava para as críticas que vinha recebendo.

    “Em termo de psicológico, a gente está bem. Quando a gente se entrega pelo o que a gente ama, é normal a gente descarregar. A pressão é muito grande para ganhar. Eu me entrego e a descarga foi por isso. Não tem como não se emocionar quando faz com gosto. A equipe está bem, muito motivada”, garantiu em entrevista coletiva prévia ao jogo de quartas de final contra a Colômbia.

    “Eu tenho caráter dessa maneira, sou emotivo, é a coisa mais natural do ser humano. Mas eu vejo por um outro lado, que isso não me atrapalha em nenhum momento, as pessoas estão falando bobagem, que pode atrapalhar. Na minha visão, não atrapalha”, completou. As palavras de Thiago ganharam eco entre os dois últimos capitães campeões do mundo com o Brasil naquela hora.

    “É uma reação natural, ele é um ser humano. Obviamente, o capitão é sempre aquele cara que vai aplaudir, dar força, gritar, xingar, mas, naquele momento, ele reagiu assim. Isto não quer dizer que o Thiago Silva não tenha capacidade de ser líder. Muito pelo contrário. Mostra que ele é muito humano”, afirmou Cafu, o capitão do Penta, em matéria publicada pelo jornal O Tempo, em 3 de julho de 2014.

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  • Thiago Silva, Dunga treinoGetty Images

    Braçadeira retirada

    Até mesmo Dunga, o capitão do Tetra, evitou atirar pedras ou fazer qualquer crítica a Thiago Silva enquanto o Brasil estava vivo naquela Copa do Mundo.

    “Cada um tem uma forma de reação, uma personalidade. Tem que ver o ser humano também. Que pode ter virtudes e defeitos como todos nós, que também sente a pressão”, afirmou Dunga em julho de 2014.

    “O mais importante é que o grupo entenda essa reação e saiba da personalidade do Thiago. Não é só ele que tem que fazer a liderança. Todos tem que ajudar. Só quem tá lá dentro pode saber. O aspecto negativo é que o torcedor acha que o capitão é um cara forte, insuperável. O bom é que ele demonstrou ser um ser humano”, completou o eterno capitão do Tetra. Não foi apenas uma resposta, mas sim um gabarito.

    Mas naquele mesmo 2014, após o vexaminoso 7 a 1 contra a Alemanha (partida em que Thiago Silva desfalcou o Brasil por suspensão), Dunga assumiu o comando da seleção brasileira e fez mudanças. Tirou a faixa de capitão que Thiago Silva vinha carregando desde 2012 e a repassou para Neymar. A situação ficava oficial: o Brasil buscava um símbolo de liderança, seja técnica ou de personalidade, para vestir a braçadeira.

    Não foi sem polêmicas que Thiago Silva ficou sem a faixa de capitão. Em entrevistas, o zagueiro não escondia ter ficado triste e ter tornado isso público causou irritação interna para Dunga. Os resultados, contudo, não ajudaram o capitão do Tetra na seleção e sua demissão foi decretada, em 2016, após nova decepção na Copa América. Tite chegou, mas a capitania brasileira seguia a ser um problema a ser resolvido.

  • Thiago Silva, Milan 2010Getty Images

    Liderança acima de qualquer dúvida

    É bom relembrar que Thiago Silva não foi escolhido, em 2012, à toa para ser capitão da seleção brasileira. Além de ser um dos melhores zagueiros do mundo, o defensor é visto por seus companheiros como um líder nato. Uma voz importante dentro do vestiário. Esta junção de fatores (seu futebol jogado + personalidade) foi o que o alçou rapidamente ao posto de capitão do Milan, em 2011, e do PSG pouco após sua chegada.

    Ser uma escolha polêmica, por razões diferentes, foi sempre um paralelo desta história. No Milan, as críticas foram pela quebra de protocolo institucional: Thiago não era nem o mais velho jogador dos Rossoneri, tampouco era italiano. No PSG foi por já ter chegado ganhando a braçadeira.

    O que nunca deveria estar em dúvida é a liderança exercida por Thiago dentro dos conjuntos dos quais fez parte. No Fluminense campeão da Copa do Brasil de 2007, conquista que acabou com jejum de 23 anos sem títulos nacionais do Tricolor, o “Monstro” era uma das maiores lideranças... mas o capitão daquela equipe era o meia Carlos Alberto (sim, aquele!). Quando foi campeão italiano pelo Milan, em 2010/11, ainda não havia recebido a braçadeira de capitão mas foi um dos grandes nomes daquele Scudetto.

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  • Thiago Silva Brazil 2022Getty

    O retorno do capitão

    Pela seleção brasileira, o grande momento como capitão havia sido na Copa das Confederações de 2013 – um título conquistado em jogo emocionante contra a Espanha, mas de um torneio com importância tão frágil que foi diminuindo ao ponto de ser extinto. É a Amarelinha que simboliza este debate que põe na mesa Thiago Silva, o conceito de liderança e uma faixa de capitão. A história começou em 2012, foi interrompida em 2014 mas ainda não havia acabado.

    Tamanha era a crise de liderança da seleção brasileira, que Tite optou por uma alternância de capitães durante a maior parte de sua estadia – uma metodologia comum nos trabalhos do gaúcho, mas que não deixa de simbolizar um dos principais debates daquele período do selecionado. O rodízio trouxe a braçadeira de volta a Thiago Silva, mas sem um caráter oficial. O zagueiro capitaneou o Brasil em dois jogos no Mundial de 2018. O retorno oficial como capitão, sem rodízios, aconteceu na Copa do Mundo de 2022.

    “Hoje com certeza sou um cara bem melhor preparado para este momento, super tranquilo e super à vontade aqui dentro, com a confiança de todos. Isto demonstra o quão respeitoso sou com eles, e fico bem tranquilo neste momento”, disse Thiago às vésperas da estreia contra a Sérvia, no final de 2022.

    A seleção brasileira viria a sofrer outra eliminação um tanto quanto traumática, nas quartas de final, nos pênaltis, contra a Croácia. Mas além de ter sido um dos melhores e mais seguros jogadores do Brasil no Qatar, Thiago Silva ainda conseguiu um feito histórico: com um total de 12 jogos distribuídos entre 2014, 2018 e 2022, o zagueiro tornou-se o atleta que mais vezes foi capitão do Brasil na história das Copas do Mundo. Um alento pessoal em meio às tentativas fracassadas de conquistar o título, mas cujo desfecho derradeiro deixou em evidência o seu merecimento em vestir a faixa de capitão – independentemente do que aconteceu em 2014.

  • Thiago Silva Chelsea 2023-24Getty

    Redenção em azul

    Essa grande capacidade de liderança emanada por Thiago Silva teve seu grande argumento já na reta final de sua carreira. A passagem pelo PSG ganhava ares de fracasso, uma vez que o grande objetivo na Champions League não havia sido conquistado ao longo de oito tentativas – e apesar da coleção de troféus domésticos, algumas noites europeias também ficaram marcadas por algumas derrapadas da zaga parisiense. Quando Thiago foi para o Chelsea, em 2020, isso tudo mudou.

    A chegada de um jogador de 36 anos, um dos tantos marcados pelos fracassos europeus do bilionário PSG, não causou grande ânimo aos torcedores dos Blues. Mas o campo e a bola são os argumentos que calam qualquer crítico. E foi assim que aconteceu com Thiago Silva. Mesmo sem falar inglês, a rápida liderança exercida pelo brasileiro em meio aos seus companheiros de equipe impressionou quem cobria o time londrino de perto. O espanhol César Azpilicueta era o dono da faixa de capitão, mas Thiago era um dos grandes líderes dentro e fora de campo.

    A temporada teve uma carga de tensão bem clássica do Chelsea: o ídolo Frank Lampard foi demitido no decorrer da campanha, o alemão Thomas Tuchel assumiu as rédeas e um time que já não levantava grandes expectativas acabou surpreendendo. Na defesa, Thiago Silva inspirava confiança e ganhou rapidamente o carinho da torcida. A idolatria ficou sedimentada com o título daquela Champions League de 2020/21.

    O título europeu enfim entrava no currículo de Thiago, e quando menos se esperava. As críticas excessivas e muitas vezes passando do ponto, evocando o choro de 2014, pareceram ter encontrado um fim ali. Em algum momento, até os teimosos precisam reconhecer a grandeza.

  • Thiago Silva FluminenseGetty Images/Goal

    De volta para casa

    Pelo Chelsea, Thiago Silva ainda conquistou o Mundial de Clubes de 2021. Seguiu sendo peça importante dos Blues nas temporadas seguintes, anos de turbulência em meio à venda forçada do clube pelo bilionário russo Roman Abramovich. O tema da capitania voltou à tona no final de 2023, quando a decisão de Mauricio Pochettino, naquela altura técnico do Chelsea, de não dar a faixa para Thiago gerou insatisfação no entorno pessoal do jogador e surpresa no vestiário.

    Parece que há sempre alguma coisa, alguma tensão ou necessidade de se provar, quando o tema é Thiago Silva e uma faixa de capitão. São as sombras daquele 2014. Dez anos depois, contudo, o zagueiro demonstrou que não precisava, necessariamente, de uma faixa no braço para ser reconhecido e respeitado como líder.

    A pergunta é: será que isso é o bastante para ajudar Thiago Silva a sarar as feridas geradas a partir daquela disputa de pênaltis contra o Chile? De volta ao Fluminense, é possível imaginá-lo novamente com a faixa de capitão nos braços. Com ela, chorar ou não chorar seria um debate menor se todo o psicológico do time estiver equilibrado – o que, com certeza, não foi o caso em toda a seleção brasileira naquela Copa do Mundo de 2014.

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