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Gareth Southgate unifier GFXGetty

Campeão ou não, Gareth Southgate precisa ser lembrado como o técnico que devolveu a esperança à Inglaterra

Suave, educado, cortês e ponderado... Assim as pessoas descrevem Gareth Southgate, um homem com Qualidades que qualquer pessoa gostaria de ter. Mas, de alguma forma, o treinador da Inglaterra tende a dividir opiniões sempre que seu nome é mencionado.

Veja a reação veemente quando foi relatado que ele estava sendo considerado como o próximo treinador do Manchester United. Ou a resposta de certos comentaristas e jornalistas quando a Inglaterra foi eliminada da última Copa do Mundo do Qatar, pela França.

Em alguns setores, a menção a Southgate desperta tanta raiva quanto Donald Trump. A coisa muda bastante, porém, quando falamos com pessoas que trabalharam ao lado dele.

Para aqueles que conhecem Southgate pessoalmente, ele é um homem hábil em apaziguar ambientes. Em um país tão fragmentado como a Inglaterra, ele é exatamente o líder que o time de futebol precisa. Portanto, aconteça o que acontecer na Euro 2024, ele deve ser lembrado como o treinador que deu esperança ao país novamente.

  • Fabio Capello EnglandGetty

    Uma década de fracasso

    A resposta mais fácil aos críticos de Southgate é lembrá-los da situação do time na década anterior à sua chegada, em circunstâncias bem incomuns, em 2016.

    Em 2006, a chamada 'Geração de Ouro', treinada por Sven-Goran Eriksson, caiu nos pênaltis para Portugal nas quartas de final da Copa. Isso foi visto como um grande fracasso, mas logo seria visto como um feito considerável. Pouco mais de um ano depois, sob o comando de Steve McClaren, a Inglaterra não conseguiu sequer se classificar para a Euro 2008.

    Na Copa do Mundo de 2010, então treinada por Fabio Capello, os ingleses terminaram em segundo lugar em um grupo que o jornal The Sun havia chamado de de 'EASY' ('fácil', em tradução), mas acabaram esmagados por 4 a 1 pela Alemanha nas oitavas de final. Na Euro 2012, sob Roy Hodgson, também caíram cedo - nos pênaltis, nas quartas de final, diante da Itália. Na Copa do Mundo no Brasil, a Inglaterra ficou na lanterna do grupo.

    E se tudo isso ainda não bastasse, na Euro 2016, ainda sob o comando de Hodgson, apesar de seus fracassos anteriores, a carrasca da vez foi a modesta Islândia, nas oitavas.

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  • Gareth Southgate World Cup 2018Getty

    Superando treinadores da moda

    Quando Southgate assumiu o comando, após Sam Allardyce ser forçado a deixar o cargo, a Inglaterra não vencia uma partida de mata-mata havia dez anos. Desde então, Southgate venceu seis de nove - ele, ainda, é tanto o primeiro treinador desde Sir Alf Ramsey, em 1968, tanto a levar a seleção a semifinais consecutivas quanto a primeiro desde Ramsey a levá-la a uma final.

    O fato de Southgate não ter conseguido levar a Inglaterra à glória e acabar com 58 anos de sofrimento é uma argumenta contra ele, segundo alguns torcedores ultra exigentes. Mas, comparado aos seus antecessores, incluindo alguns dos treinadores mais conceituados à época, como Eriksson e Capello, seu histórico é impressionante.

    "Seu legado com a Inglaterra está definido por chegar à final e às semifinais da Copa do Mundo", disse Gary Neville. "Sim, o fato de não ter conseguido vencer será usado como críticas por muitos, mas não por mim, que fui a oito torneios e cheguei a uma semifinal.

    "Ele recebe críticas injustas, claro que sim. Ele é o melhor treinador da Inglaterra que tivemos, além de Alf Ramsey. Parem. Todos os treinadores da moda que tivemos... Gareth Southgate superou todos eles de longe".

  • Gareth Southgate Bukayo Saka Euro finalGetty Images

    Unificador em uma era de divisão

    Southgate não apenas melhorou os resultados, mas também fez algo que muitos de seus predecessores não conseguiram: mudou a imagem da seleção. Todos na Inglaterra, independentemente de sua origem, apoiam seu time, o que nem sempre foi o caso.

    Isso não é uma façanha pequena, especialmente considerando que a passagem de Southgate coincidiu com uma era extremamente difícil politicamente. Enquanto ele esteve no comando, a nação passou pelo processo divisivo do Brexit e por cinco Primeiros-Ministros - quem sabe um sexto antes, ainda, do fim da Eurocopa.

    O país também passou pelo trauma da pandemia de coronavírus, que foi mal administrada. Em uma era de liderança política geralmente lamentável, Southgate tem sido um farol de esperança.

    Sua visão foi estabelecida na carta que escreveu ao país antes da última Euro e que se tornou a base para a peça do National Theatre "Dear England". Agora, talvez valha a pena ler novamente.

    "Cara Inglaterra, Tem sido um ano extremamente difícil", iniciou. "Todos neste país foram diretamente afetados pelo isolamento e por perdas. Mas também vimos inúmeros exemplos de heroísmo e sacrifício".

    Seguiu: "Isso nos deu uma nova compreensão da fragilidade da vida e do que realmente importa. Quando você pensa no grande esquema das coisas, talvez o futebol não pareça tão importante. E o que quero falar hoje é muito maior do que o futebol".

  • Gareth Southgate Marcus Rashford England 2022Getty Images

    Em defesa de seus atletas

    A carta de Southgate ao país trouxe uma visão unificadora do que significa ser inglês. "Independentemente de sua criação e política, o que é claro é que somos uma nação incrível - relativa ao nosso tamanho e população - que contribuiu tanto para as artes, ciência e esporte," ele escreveu. "Temos uma identidade especial e isso continua sendo um motivador poderoso".

    Ele também abordou os abusos nas redes sociais que seus jogadores receberam na época, muitas vezes de natureza racista. Suas palavras infelizmente se mostraram verdadeiras no final do torneio, quando Bukayo Saka, Jadon Sancho e Marcus Rashford receberam comentários revoltantes após perderem seus pênaltis na final. Suas palavras deveriam fazer qualquer pessoa que considera tal abuso repulsivo sentir muito orgulho.

    Ele escreveu: "Por que você marcaria alguém em uma conversa abusiva? Por que você escolheria insultar alguém por algo tão ridículo quanto a cor da sua pele? Por quê? Infelizmente, para aquelas pessoas que se envolvem nesse tipo de comportamento, eu tenho uma má notícia. Vocês estão do lado perdedor".

    O apoio de Southgate aos seus jogadores quando se ajoelharam durante a última Eurocopa em oposição à desigualdade racial alienou uma parte dos fãs da Inglaterra para sempre. Isso também o colocou em desacordo com alguns membros do governo, muitas vezes as mesmas pessoas que afirmam apoiar a equipe enquanto criticam a imigração e o multiculturalismo.

    Essas pessoas prefeririam que a Inglaterra fosse um país diferente do que é e adorariam voltar no tempo várias décadas. Mas a Inglaterra de Southgate é um verdadeiro reflexo do país em 2024 - e eles são uma equipe de futebol muito melhor por isso.

  • Raheem Sterling England Getty

    "Ele aproximou todos"

    Southgate também unificou sua equipe - uma grande dificuldade para vários de seus antecessores. Neville admitiu que, quando jogava pela Inglaterra nos anos 1990 e 2000, raramente era uma experiência agradável. Os jogadores tendiam a se agrupar em panelinhas, raramente interagindo com aqueles de outros clubes. A pressão era insuportável e muitas vezes havia uma atmosfera quase que suspeita.

    Southgate transformou isso. Jogar pela Inglaterra passou a não apenas ser um objetivo, mas algo agradável. E ele fez isso focando nos jogadores. Veja este relato de Raheem Sterling, que contou aos autores do livro Dear England, The Real Story of the Three Lions Rebirth: "Ele realmente mudou tudo e fez coisas que faziam você se sentir mais relaxado quando estava no acampamento. Em vez de apenas sentar no refeitório e comer, fazíamos churrascos ao ar livre. Muitas coisas que significavam que você não estava apenas treinando e indo para o seu quarto. Conhecendo melhor uns aos outros, conhecendo melhor o staff, conhecendo melhor todos, suas personalidades".

    Um dos primeiros exercícios de formação de equipe de Southgate foi levar os jogadores para um acampamento de 48 horas com membros da marinha. Lá, eles tinham que acordar às 5 da manhã e completar um percurso físico extenuante, subir colinas, acampar ao ar livre e passar pelo que é conhecido como 'the sheep dip', onde os jogadores eram submersos na água e arrastados por um túnel.

    Sterling ficou horrorizado no início, mas disse que a experiência foi transformadora para a equipe. "Era como: 'Esse é meu irmão ao meu lado, esse é meu outro irmão ao meu lado.' Senti que foi mais um passo que aproximou todos".

  • Gareth Southgate EnglandGetty

    The best ambassador

    O acampamento é apenas uma das muitas abordagens inovadoras que Southgate adotou para tentar melhorar sua equipe. Ele olhou para a NFL e o basquete e aproveitou os conhecimentos de Sir Dave Brailsford, um renomado técnico ciclista.

    "Como posso melhorar? Como podemos melhorar o que estamos fazendo? Como podemos aprender mais? É a busca constante para tentar aprender tudo o que puder sobre o trabalho que estamos fazendo, realmente", explicou Southgate, ao The Athletic, em março.

    "Acho que isso nunca termina, porque o jogo está em constante mudança. As pessoas estão adotando abordagens táticas diferentes para cada fase do jogo. Então, você está constantemente vendo novas ideias, assistindo a novas abordagens táticas. É uma busca constante para tentar dominar algo que você sabe que, no final das contas, nunca conseguirá dominar completamente".

    Como é bom ter um técnico da Inglaterra que está sempre procurando maneiras de melhorar, em vez de se acomodar ou ser governado pelo senso de arrogância e direito que caracterizava alguns de seus antecessores.

    Southgate também disse ao The Athletic que tem aprendido alemão antes do torneio. "Acho que seria correto tentar ser um bom embaixador, um bom turista, se possível. Tenho o Duolingo no meu telefone. Estou tentando pelo menos ser capaz de interagir com as pessoas lá", explicou. É difícil imaginar Allardyce adotando essa abordagem, por exemplo.

    Southgate nunca agradará a todos, especialmente se não levar a Inglaterra ao seu primeiro troféu desde 1966. Mas, com ele no comando, eles têm uma chance melhor de glória do que nunca. E não dava para pedir um embaixador melhor para essa jornada.