Goal Brasil
"O caminho difícil sempre me acompanha, tenho que lutar sempre." A frase dita por Zlatko Dalic, técnico da Croácia, após a sofrida classificação às semifinais da Copa do Mundo, foi um desabafo que representa não só ele, mas também o seu país.
Dalic, aliás, talvez seja um dos homens que melhor simboliza a Croácia.
A Croácia, afinal, sempre precisou lutar e vencer o caminho mais difícil. Para conseguir sua independência, em 1995, superou uma triste guerra de quatro anos, que matou cerca de 20 mil pessoas. O hoje treinador da seleção, na época jogador, lutou no conflito, servindo o Exército Croata durante três meses.
Três anos depois, o país, que ainda dava seus primeiros passos e tentava se recuperar de todas as perdas, da dor e da destruição, ganhou um consolo, se orgulhou e encantou o mundo com uma campanha épica na França. Apresentando ótimo futebol, Suker e companhia levaram a seleção de uma Croácia com apenas três anos de idade ao terceiro lugar da Copa do Mundo.
Desde então, muita coisa mudou. O país tem uma das economias mais fortes da região dos Bálcãs, participa da União Europeia desde 2013 e é dono de indicadores sociais impressionantes, de dar inveja.
Alex Livesey/Getty (Foto: Alex Livesey/Getty)
No futebol, porém, não conseguia repetir o brilho de 1998. Mesmo com sua geração de ouro, repleta de excelentes jogadores espalhados pelos melhores times do mundo, não conseguia se destacar.
Brilhando em seus clubes, sendo considerados os melhores do planeta em suas posições, Modric, Rakitic, Mandzukic, Perisic e companhia tiveram como grande campanha na seleção, as quartas de final da Euro 2008. Em 2012, foram eliminados na fase de grupos e, em 2016, nas oitavas de final.
Já na Copa do Mundo, o desempenho foi ainda mais decepcionante: sequer se classificou em 2010, caiu na fase de grupos no Brasil e estava perto de novamente não viajar para disputar o Mundial em 2018. No entanto, foi aí que apareceu Zlatko Dalic.
Goran Stanzl/Pixsell(Foto: Goran Stanzl/Pixsell)
Com o enorme risco de não se classificar para a Copa da Rússia, a Croácia resolveu apostar no técnico em cima da hora, apenas dois dias antes do crucial e derradeiro jogo contra a Ucrânia, fora de casa, na última rodada das Eliminatórias, após a demissão de Ante Cacic, muito criticado pela imprensa e pela torcida.
Dalic, porém, era uma aposta muito ousada. O ex-volante não teve uma carreira brilhante como jogador e pendurou as chuteiras em 2000, no Varteks. Cinco anos depois, começou a caminhada como treinador no mesmo clube. Sem muito sucesso em seu país, porém, foi construir sua carreira no Oriente Médio.
A torcida e a imprensa estavam felizes em ver Cacic fora da seleção, e viam qualquer mudança no comando como positiva. Além disso, Dalic conquistou seu povo e seus novos comandados por alguns motivos especiais.
Mesmo recebendo a oportunidade de realizar seu sonho de comandar a Croácia em uma situação crítica, correndo sério risco de eliminação, ele não hesitou em aceitar o convite e se recusou a assinar qualquer tipo de contrato. Focado, o treinador que não bebe nem fuma e é extremamente religioso, assumiu a seleção se negando a receber um centavo sequer e disse que só discutiria seu contrato após garantir a classificação ao Mundial.
Sanjin Strukić/Pixsell
Desta forma, ele conquistou os torcedores e a imprensa, e com seu estilo de trabalho próximo ao de Slaven Bilic, técnico da seleção entre 2006 e 2012, conquistou seus jogadores. Modric e companhia, afinal, não gostavam da maneira que Stimac, Niko Kovac e Cacic, que vieram depois, trabalhavam, e adoravam Bilic.
Em conversa com a Goal Brasil, Ante Buskulic, jornalista da Goal Croácia, "desenhou" um Dalic com estilo "paizão" em seu trabalho como treinador. "Todos adoram ele. Nas entrevistas, os jogadores mostram que possuem um relacionamento muito próximo com Dalic, até de amizade, que eles obviamente amam e adoram", contou.
Ainda assim, o ex-militar tinha uma verdadeira bomba para desarmar em suas mãos. Ele, afinal, assumiu a Croácia apenas dois dias antes do duelo com a Ucrânia, fora de casa, com alto risco de ficar de fora da Copa do Mundo.
O técnico, porém, desarmou a bomba com categoria. Dalic comandou uma vitória por 2 a 0 em Kiev, com dois gols de Kramaric. Depois, na repescagem, liderou a Croácia na goleada por 4 a 1 sobre a Grécia que, seguida de um empate sem gols, garantiu a seleção na Copa do Mundo e lhe deu um contrato até 31 de julho de 2020.
Sanjin Strukić/Pixsell(Fotos: Sanjin Strukić/Pixsell)
Já na Copa do Mundo, a geração de ouro, repleta de decepções e que sofreu para se classificar para o Mundial, triturou a Argentina de Lionel Messi na fase de grupos, encantou o mundo e, com sofrimento, como não poderia ser diferente, passou por Dinamarca e Rússia após o drama de duas prorrogações e duas disputas de pênaltis seguidas para chegar às semifinais.
O futebol apresentado não encantou como o time de 1998, mas a geração de ouro enfim brilhou em uma grande competição, voltou a colocar a Croácia entre as quatro melhores seleções do mundo e deu orgulho ao seu povo. E se não empolgou, emocionou com Subasic sendo herói, Modric o maestro e Rakitic jogando demais e, mesmo com uma pressão incrível nas costas, decidindo duas vezes seguidas.
Agora, o país vive o "sonho impossível" de dar o próximo passo e disputar a final da Copa do Mundo. No entanto, não será nada fácil. Nesta quarta-feira (11), às 15h (de Brasília), o adversário é a forte Inglaterra, uma das sensações do Mundial, que conta com Jordan Pickford pegando até pensamento e Harry Kane, um dos melhores do mundo e artilheiro do torneio com seis gols, imparável no ataque.
(Foto: Getty Images)
Além disso, a Croácia tem o enorme desgaste depois de duas prorrogações e disputas de pênaltis seguidas. O tempo de recuperação para a semifinal foi curto e os jogadores, nas entrevistas, admitiram muito cansaço físico e emocional. Outro problema é o desfalque do titular e peça fundamental do time, Vrsaljko, na lateral-direita. A equipe cansada contra o veloz e jovem time inglês pode complicar muito a vida croata.
No entanto, como Dalic - que agora já é considerado um herói nacional na Croácia, segundo Buskulic - disse, o caminho difícil sempre o acompanha e ele sempre tem que lutar, como o seu país sempre teve que fazer e a sua seleção também precisou nos últimos anos para enfim brilhar na Rússia.
Dalic, sua seleção e seu país sofreram e lutaram muito para alcançar a glória e realizar o que tanto sonharam. Liderados pelo ex-militar que desarmou uma bomba e transformou um time, fazendo uma geração que decepcionou tantas vezes finalmente brilhar e levando uma equipe com sério risco de eliminação às semifinais do Mundial depois de 20 anos, eles vão lutar mais uma vez, agora para tentar subir um novo degrau rumo ao sonho que parece impossível.
